O porteiro Paulo Alberto da Silva Costa, de 36 anos, ficou preso por três anos com base em um reconhecimento fotográfico erradoArquivo / Cléber Mendes / Agência O Dia
Alerj realiza audiência pública para discutir projeto sobre reconhecimento de suspeitos por foto
PL 5572/2021 prevê novos procedimentos de verificação de informação de investigados a serem adotados por policiais e delegados em todo o estado
Rio - A Comissão de Representação para Acompanhar o Cumprimento das Leis (Cumpra-se), da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), realizou, nesta sexta-feira (18), uma audiência pública para discutir um projeto de lei sobre o reconhecimento de suspeitos por fotografia. O PL 5272/2021 prevê novos procedimentos de verificação de informação de investigados a serem adotados por policiais e delegados em todo o estado.
Ao DIA, o deputado estadual Carlos Minc (PSB), coautor do projeto junto com o deputado Luiz Paulo (PSD), explicou que a audiência foi positiva para uma possível aprovação na Casa. A ideia do PL é provocar uma maior investigação da Polícia Civil e não adotar apenas o reconhecimento do suspeito por uma foto, seja retirada das redes sociais ou não.
"A audiência foi muito boa e o nosso projeto está em uma fase avançada. Tem algumas emendas boas e outras ruins, que descaracterizam o projeto, mas é sempre assim. A gente conseguiu muito apoio porque não foi só os movimentos negros que adotam. Segundo um estudo muito profundo da Defensoria, 83% dos presos por reconhecimento fotográficos são negros ou pardos. Ficou claro que a nossa linha é para investigar. Você prender por reconhecimento, além de contrariar orientações federais, já que tem uma resolução recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), expressa uma preguiça de investigar. O projeto foi discutido afundo e foi uma audiência com muita substância", disse o deputado.
Minc ainda ressaltou que a técnica de reconhecimento por fotografia não garante que a pessoa reconhecida realmente cometeu um crime. A expectativa, segundo o deputado, é diminuir casos de racismo e promover um trabalho melhor da polícia no estado.
"Você pega uma pessoa que alguém acha que ela pode estar ligada ao crime. Para isso, você tem que usar as questões de telefonia para saber onde ele estava nessa hora. Tem que ter um reconhecimento físico, alguma evidência, tem que saber se tem algum álibi. Outra coisa que corrobora nesse assunto é que você não pode pegar da internet, fazer uma fotocópia e depois prender essa pessoa. Isso realmente é o que acontece. Não é uma, nem duas, nem três, são centenas de pessoas que passam por isso. Lembrando que o Rio de Janeiro é o estado que mais faz prisões injustas com base só no reconhecimento fotográfico. isso é uma preguiça investigativa. A gente quer mais perícia, mais polícia técnica, mais investigação e menos racismo estrutural", completou.
O projeto passará por uma nova análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alerj na próxima quarta-feira (23). Os deputados irão dar um parecer sobre as 40 emendas incluídas no PL.
A reunião desta sexta-feira (18) contou com representantes da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), do Ministério Público do Rio (MPRJ), do Sindicato dos Peritos Oficiais da Polícia Civil do Rio (SINPERJ), da Secretaria de Estado da Polícia Civil, do núcleo do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), além de pesquisadores, deputados estaduais e representantes da sociedade civil. Vítimas de um reconhecimento falho por foto, que foram presas erroneamente, e suas famílias também estiveram presentes.
Caso marcante
O porteiro Paulo Alberto da Silva Costa, de 36 anos, ficou preso por três no Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio, devido a um reconhecimento fotográfico errado. Ele deixou o presídio no dia 12 de maio após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na saída da penitenciária, ele contou que a família o manteve forte durante todo esse tempo. "O mais difícil foi ficar longe da minha família. Você quer mostrar que é inocente, mas não tem como. Se não fosse minha família, Deus em primeiro lugar, não sei. Só agradecer mesmo o pessoal que me ajudou. Que Deus abençoe todos eles. Só quero ficar perto da minha família mesmo. A força vinha da minha família a todo tempo. Eu só tenho a agradecer", destacou.
Os ministros da Terceira Seção do STJ decidiram, por unanimidade, pela soltura de Paulo ao entenderem que as acusações contra ele foram baseadas em reconhecimento fotográfico falho. As acusações que constavam nos processos contra Paulo são baseadas em uma foto publicada em suas redes sociais e disponibilizadas no álbum de fotografia da 54ª DP (Belford Roxo).
O homem foi preso durante uma operação na comunidade Santa Tereza, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, em 2020. Desde esse ano, o homem permaneceu com a liberdade cerceada mesmo não tendo antecedentes criminais e nem prisão em flagrante.
De acordo com a ficha criminal de Paulo, havia 62 processos criminais e 10 inquéritos contra o porteiro, sendo a maioria por roubo a mão armada, baseados no reconhecimento fotográfico. São cinco condenações, inclusive com uma chegando a seis anos e oito meses de prisão. Nessa ação, o Tribunal de Justiça do Rio negou recurso da defesa e atendeu a um pedido do Ministério Público para aumentar a pena.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), em parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), acompanhou o caso de Paulo. Segundo o órgão, alguns dados merecem destaque dentro do estudo conduzido pelo IDDD sobre os processos analisados. A DPRJ afirmou que em nenhum caso Paulo foi ouvido em sede policial. A conclusão sobre a autoria no inquérito policial se deu, em todos os casos de crimes patrimoniais, por meio do reconhecimento realizado por fotografia.
Além disso, o levantamento identificou que, em pelo menos dois casos, o reconhecimento se deu a partir da visualização de fotografia de Paulo Alberto em um mural de suspeitos que se localizava na entrada da 54ª DP (Belford Roxo). Em todos os demais, o reconhecimento se deu pela apresentação de fotografias de redes sociais, como o Facebook, selfies ou fotografias de origem desconhecida. Ambas as práticas são condenadas em razão de se tratar de procedimento indutivo com alto potencial de acarretar em falsas memórias.
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