Inauguração da placa de 30 anos da chacina de Vigário Geral na Praça Catolé do Rocha - Vigário Geral em homenagem às vítimas da chacina, hoje completa 30 anos. Nesta terça-feira (29).Bruno Kaiuca/Agência O Dia

Rio - A Prefeitura do Rio inaugurou, na tarde desta terça-feira (29), uma placa na Praça Catolé do Rocha, em Vigário Geral, Zona Norte do Rio, como forma de homenagem às 21 pessoas que foram assassinadas há 30 anos no episódio conhecido como Chacina de Vigário Geral.
A inauguração contou com familiares e amigos das vítimas mortas no dia 29 de agosto de 1993. Alguns dos presentes vestiram roupas brancas e fizeram uma roda de oração para simbolizar a memória dos assassinatos.
Representando o prefeito Eduardo Paes (PSD), o subprefeito da Zona Norte Diego Vaz esteve presente no local. Através do stories no seu perfil no Instagram, Vaz se solidarizou com os familiares das vítimas e abordou os casos de violência armada. 
"Para que não confundam combate ao tráfico de drogas e violência armada com a morte deliberada de inocentes. Uma guerra que vivemos desde os anos 70 e somos muito pouco eficientes no combate. Infelizmente, ainda presenciamos muitas cenas de inocentes, crianças, vítimas de uma política pública não assertiva, que não seja do tiro na cabecinha e nem do isolamento no território para a retomada do monopólio da força do estado. Ninguém pode imaginar o que não viveu e a morte por si só já é um evento traumático na vida de qualquer familiar que fica. Que esses homens e mulheres, filhos, netos, sobrinhos, possam ter nesses nomes eternizados na praça, a esperança de um futuro de paz. E principalmente que a morte de seus familiares não foram em vão para um futuro melhor no nosso Rio de Janeiro", publicou.
Segundo as investigações, a chacina ocorreu em vingança à morte de quatro policiais militares provocada pela organização criminosa que controlava o tráfico na região. No entanto, as vítimas foram escolhidas de modo aleatório e no fim, nenhuma delas tinha relação com a quadrilha que matou os agentes.
Iracilda Toledo, que também é presidente da associação que reúne as famílias das vítimas, contou ao DIA que o marido, o ferroviário Adalberto de Souza, tinha 40 anos quando foi atingido. "Tinha tido jogo do Brasil e Bolívia na eliminatória da Copa do Mundo, na época, o Brasil eliminou a Bolívia de 6 a 0. Ele tinha ido ao bar comprar cigarro em um bar e chegando lá tinha uma 'turminha' tomando cerveja, e ali eles foram atingidos", lamentou.
Para a viúva, nem mesmo os anos que se passaram diminuíram a saudade que ela sente do marido. "A falta que ele faz é inexplicável, apesar de ser 30 anos continua fazendo falta porque ele não viu os filhos crescerem, não tá tendo o privilégio de ver os netos como eu vejo, bisneto como eu já estou vendo, então isso dói muito, porque a cada momento que você tem uma alegria eu lembro que ele podia estar aqui compartilhando comigo", disse.
Iracilda contou ainda que, nesta segunda-feira (28), foi a festa de 10 anos do neto, um momento de alegria, mas que não anula a tristeza de reviver o dia da chacina. "Ele morreu muito novo sem ter essa oportunidade que tiraram dele de ter essa vida que eu estou tendo. Eu tenho 3 filhos, uma já faleceu, três netos e um bisneto. Meus dois netos e um bisneto são de agosto. O bisneto é de dia 16, meu outro neto que fez 11 anos é do dia 22, e tem esse do dia 28. Uma coisa compensou a outra, aparentemente, é alegria, mas fecha o mês com uma matéria que o mundo inteiro viu, essa triste história", lamentou.
Ela complementou que ainda dói saber que histórias de mortes em comunidades ainda se repetem. "A Justiça tem que entender que todo lugar é complicado, mas hoje matam e depois perguntam quem é, tem crianças de 4 anos morrendo. Isso traz dor", finalizou.
As famílias recebem atualmente a pensão administrativa de três salários mínimos mensais, que é destinada às vítimas de violência causada por agentes do Estado, após uma luta que se estendeu por anos.
Confira as vítimas homenageadas
- Adalberto Souza - ferroviário;
- Amarildo Bahiense – frentista;
- Cléber Marzo Alves – gráfico;
- Clodoaldo Pereira da Silva – industriário;
- Edmilson Prazeres da Costa – mecânico;
- Fábio Pinheiro Lau – estudante;
- Gilberto Cardoso dos Santos – vigia;
- Guaraci de Oliveira Rodrigues – auxiliar de enfermagem;
- Hélio de Souza Santos – metalúrgico;
- Jane Silva dos Santos – dona de casa;
- Joacir Medeiros – comerciante;
- José Santos – serralheiro;
- Lúcia Silva dos Santos – costureira;
- Lucinéia da Silva Santos – metalúrgica;
- Luciene da Silva Santos – estudante;
- Lucinete da Silva dos Santos – recepcionista;
- Luciano Silva dos Santos – gráfico;
- Luis Cláudio Feliciano – auxiliar administrativo;
- Paulo Roberto dos Santos Ferreira – motorista;
- Paulo César Gomes – pedreiro;
- Rúbia dos Santos - gráfica.
Julgamento
Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, ao todo, foram 52 PMs denunciados. No primeiro processo, denominado como Vigário Geral I foram 33 denunciados, com 7 condenados, 19 absolvidos, 5 mortos, 1 impronunciado e 1 foragido. No Vigário Geral II, segundo processo, foram 19 denunciados, com 9 absolvidos, 9 impronunciados e 1 morto.

Arlindo Maginário Filho foi condenado no 1º Júri a 441 anos e 4 meses de reclusão, mas a pena foi reduzida pelo STF para 58 anos. Maginário acabou absolvido no 2º Júri em 15 de novembro de 2003.

Paulo Roberto Alvarenga foi condenado a 449 anos e 8 meses de prisão. No 2º Júri, a pena foi reduzida para 59 anos e 6 meses. Em 2013, recebeu liberdade condicional.

Alexandre Bicego Farinha foi assassinado em 2007, quando aguardava em liberdade o julgamento de um recurso. Antes, Farinha havia sido condenado a 72 anos no 1º Júri, e a 59 anos e 6 meses no 2º Júri.

Sirlei Alves Teixeira foi condenado a 59 anos de prisão no 1º Júri, pena mantida em um segundo julgamento, realizado em 2003. Em dezembro de 2017, Sirlei foi para o regime semiaberto e cumpria essa pena até ser morto em 2021 na porta de sua casa.

José Fernandes Neto foi condenado a 45 anos de reclusão no 1º Júri, pena mantida no segundo julgamento. Recebeu liberdade condicional em 2006.

Roberto César do Amaral foi condenado no 1º Júri a 6 anos de reclusão, e absolvido em um segundo julgamento, em 2007.

Adilson Saraiva da Hora foi condenado no 1º Júri a 72 anos. No 2º Júri, a 59 anos e 6 meses. Em 2007, foi absolvido, em um terceiro julgamento.

Outros três réus chegaram a ser pronunciados, mas morreram antes de serem submetidos ao Júri. Jorge Evandro Santos de Souza chegou a ser pronunciado, mas houve um recurso que o despronunciou, evitando que fosse a julgamento no Tribunal do Júri. Os demais réus foram absolvidos ou impronunciados.

Outro acusado, Leandro Marques da Costa, fugiu em 1994 e não foi mais encontrado. Ele foi pronunciado à revelia, mas seu caso não foi a Júri, porque, na época, a lei não permitia o julgamento sem a presença do réu.