Também acredito naquela crença de deixar o anfitrião abrir a porta na hora da despedida para que a visita retorne. Por outro lado, aprendi que insistir em alguns laços é pura teimosiaArte: Kiko

Quando entro na casa de alguém pela primeira vez e vou me sentar à mesa para uma refeição, fico pensando — e às vezes até pergunto — se os anfitriões já têm os seus lugares preferidos. Nem sei se a etiqueta condena o meu gesto. Mas esse pensamento é muito natural para mim. É uma forma de pisar com cuidado e carinho no lar do outro.
A casa da gente, seja ela física ou emocional, está cheia de histórias e relíquias. Não são os itens caros que a gente compra em lojas, parcela e demora uma eternidade para quitar. Podem ser as uvas de vidro coloridas que decoram a sala de estar e me lembram da minha mãe ou a nhoqueira que ela usava, deixando cada bolinha de massa cair caprichosamente na água fervente. As frutas estão expostas na sala; o aparelho está guardado no aparador. Muitas outras vezes, no entanto, temos recordações que objeto nenhum é capaz de traduzir.
Assim, gosto de me sentir à vontade na casa de alguém, mas também busco ser cuidadosa com o lar do outro. Como anfitriã, confesso que olho ressabiada pelo olho mágico da porta até permitir a chegada de alguém ao meu mundo. Deixo as minhas relíquias mais valiosas distantes dos olhares da maioria. Mas, em algum momento, elas chegam ao coração de quem gosto muito.
Acredito também que, ao virarmos frequentadores e não apenas visitantes esporádicos na vida de alguém, devemos respeitar seus rituais. Vale para tradições bem evidentes, como tomar café em um copo americano, que tem muito charme e valor, e também para a organização de itens do cotidiano, com os panos de prato escolhidos para secar louça, pia ou as mãos. E também vale para aquilo que só o sentimento pode captar.
Entrar em um outro mundo é um equilíbrio sutil entre sentir-se à vontade e não sair derrubando tudo pelo caminho. É preciso respeitar seu cuidado pelos animais e, melhor ainda, quando a gente ama os seus amores. Talvez seja o máximo do carinho entender que um gatinho e um cachorrinho tenham um espaço enorme na vida de alguém — mesmo que já tenham partido. Aliás, é um exercício entender a importância de todos que já estavam naquele universo antes de chegarmos.
Da mesma forma, tento deixar as pessoas à vontade no meu espaço, mas espero que não sejam descuidadas com o meu bem mais precioso: o afeto. Também acredito naquela crença de deixar o anfitrião abrir a porta na hora da despedida para que a visita retorne. Por outro lado, aprendi que insistir em alguns laços é pura teimosia.
Talvez o desafio da convivência esteja nessa percepção de que, ao mesmo tempo em que abrimos a porta para alguém, entramos no universo do outro. Afinal, somos eternos anfitriões e visitantes nessa trajetória.