Tudo isso me fez ver como é intrigante a forma como a gente caminha por algumas (in)verdades e quase acredita que, sem um post, a vida não aconteceuArte: Paulo Márcio
Respeite a velocidade
O difícil mesmo é entender o ritmo que devemos adotar em várias outras áreas da vida, especialmente quando comparamos o velocímetro da nossa jornada com o do outro
Em uma das paradas na estrada durante a minha viagem de férias para Minas Gerais, entrei em um daqueles restaurantes enormes, com variadas opções de comida, geladeiras com muitas bebidas e mesas de montão. Mas o que me capturou de fato foi o desenho de uma tartaruga colado no vidro da área pet, com os seguintes dizeres: 'Respeite a velocidade'. Logo me identifiquei com aquela frase. Afinal, eu estava aproveitando dias de descanso, desacelerando da rotina corrida. As férias, aliás, podem nos mostrar o quanto podemos ser um pouco mais lentos. É um período do ano em que muitas urgências e prazos inexistem e parece que o nosso corpo até demora um pouco a entender isso.
Pensei ainda que o aviso da simpática tartaruguinha valia muito para os motoristas que ali paravam. Afinal, é preciso respeitar os limites do trânsito, sinalizados na estrada. O difícil mesmo é entender o ritmo que devemos adotar em várias outras áreas da vida, especialmente quando comparamos o velocímetro da nossa jornada com o do outro. Não há placas capazes de nos dizer se estamos indo rápido ou devagar demais — até porque esses conceitos se tornam subjetivos demais.
Assim, aproveitando o ritmo mais vagaroso das férias, refleti também na minha relação com as redes sociais. Já fui daquelas de postar imagens de onde estava praticamente em tempo real, como acreditava ser necessário. Afinal, está ali nos Stories e no feed de quase todo mundo, uma ilusória constatação: a gente dá conta de tudo, sim, o tempo todo. Assim, aceleramos cada vez mais para tornar isso verdade — e nunca conseguimos, é claro. Tenho a consciência de que já contribuí para isso também. Afinal, postei recortes da minha vida que talvez tenham dado a falsa impressão de que fiz de tudo: trabalhei, cuidei da forma física, não furei a dieta, estive presente com os meus amigos, com a família e tive tempo de lazer. Tolice a minha acreditar nessa cronologia que não cabe na vida real.
Sei que decidi aproveitar as férias com o lema de que viver é melhor do que postar. Entendi que o tempo real é aquele que a gente aproveita de fato, com a conexão no presente e não em um mundo que está distante de nós. Também compreendi que nem toda a saudade precisa nascer em uma quinta-feira de tbt, como nos dizem as redes sociais. E passei a me perguntar: será mesmo tudo para ontem, como chegamos a acreditar? E quem estipulou as nossas urgências? Tudo isso me fez ver como é intrigante a forma como a gente caminha por algumas (in)verdades e quase acredita que, sem um post, a vida não aconteceu.
Curiosamente, voltei a pensar nas tartarugas, especificamente em uma história contada por uma grande amiga. Ela me falava sobre uma viagem que havia feito para Fernando de Noronha e de uma palestra que havia assistido em um projeto de preservação da espécie. Em determinado momento do bate-papo, o palestrante comentou que turistas estressados costumavam assustar as tartarugas em seu habitat natural.
Para mim, esse caso virou uma simbologia de como a nossa ansiedade quer acelerar o futuro e até as nossas relações com os outros. Muitas vezes, queremos ter o poder de mexer nos ponteiros do relógio e ir lá frente, para antecipar nossas vivências. Mas tudo tem o seu próprio tempo para acontecer. Talvez, a tartaruguinha desenhada no restaurante pudesse também me dizer: 'Respeite a sua própria velocidade".
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