Dom Filó no estúdio de sua produtora Cultne, de conteúdo audiovisual com temática 100% negraCleber Mendes / Agência O Dia

Rio - Nesta segunda-feira (20), comemora-se o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, data repleta de significado para quem luta contra o racismo, a violência e a desigualdade raciais, e o apagamento da história dos negros no Brasil. 
A data faz menção ao dia em que Zumbi, símbolo da luta da resistência e da combatividade dos negros no Brasil, foi capturado e morto, em 1695. Zumbi liderou o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, no estado de Alagoas, Nordeste. O reconhecimento da data é fruto do trabalho do movimento negro.
Segundo Hélio Santos, presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade (IBD), o 20 de novembro nasce de uma insatisfação antiga do movimento em relação ao reconhecimento da data de 13 de maio, dia em que a princesa Isabel assinou a lei Áurea, como a marcante na história da abolição da escravidão: "Houve todo um processo e uma campanha abolicionista em que várias pessoas se envolveram. Foi uma grande luta para depois reservarem todos os elogios a apenas uma mulher. Não podemos sofrer a síndrome da princesa Isabel, dizer que ela que acabou com a escravidão, pois isso não é verdade", afirma.
 
Dom Filó, militante do movimento negro e CEO do canal de televisão Cultne.TV, só com conteúdos com a temática afro, conta que 20 de novembro é um contraponto ao 13 de maio e ressalta o papel dos próprios negros no processo de sua emancipação: "O 13 de maio para nós não existiu, foi uma falácia, não dá mais para brincar disso. Então a data da assinatura da lei Áurea nunca foi relevante para nós, do movimento negro. Em cima da nossa pesquisa e resistência, no sentido de descobrir a real narrativa, quisemos contar a história por nós mesmos. O movimento negro, sempre atuando através de diversas personalidades, deu uma grande contribuição para que Zumbi fosse descoberto pelo Brasil".
Flávio Gomes, historiador e professor da UFRJ, esclarece que um grupo chamado 'Palmares', na década de 1970, em Porto Alegre, cidade do Rio Grande do Sul, pesquisando em livros antigos de Edison Carneiro e outros escritores brasileiros especializados em temas afro-brasileiros, localizou que a data de morte de Zumbi era 20 de novembro de 1695. Este coletivo, então, teve a ideia de trocar o 13 de maio pelo 20 de novembro como data comemorativa para os negros. 
Porém, segundo o jornalista e ativista Carlos Alberto Medeiros, o nome do Dia da Consciência Negra é adotado em 1978, quando é fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), e em uma das reuniões chegam a esta denominação com a sugestão de Paulo Roberto dos Santos, professor e ativista do movimento negro e ex-presidente do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), a partir de uma inspiração vinda do filme norte-americano "Wattstax", de 1973, dirigido por Mel Stuart e realizado em Los Angeles, na Califórnia, nos Estados Unidos. Trata-se de um documentário de um concerto beneficente organizado pela Stax Records para comemorar o sétimo aniversário dos distúrbios de 1965 na comunidade afro-americana de Watts, Los Angeles. O mestre de cerimônia era Jesse Louis Jackson, um ativista político. Em um determinado momento do show, ele fala: "Este é o Dia da Consciência Negra", e foi ai que o conceito fez brilhar os olhos de Paulo Roberto.
"É muito comum pensarmos no 'Dia da Consciência dos Negros', mas o 20 de novembro tem a ver com um país que tem uma história de 350 anos de escravidão. Para cada 10 anos de Brasil, 7 ocorreram sob a escravidão. Então, o Dia da Consciência Negra é para que o Brasil reflita sobre a sua história e sobre o  impacto em determinados grupos. Se para nós, negros, tem um efeito especial por uma questão de autoestima, é importante frisar que o 20 de novembro é uma data nacional e pertence a todos os brasileiros", afirma Hélio Santos.
O ativista e fundador do MNU Raimundo Bujão afirma que, com o 20 de novembro, as novas gerações saberão do que se trata o feriado e compreenderão o quanto é importante manter vivas as suas raízes, origens e lutas políticas: "Nós, negros, somos a maioria deste país. Se não tivermos referências, não podemos reivindicar. Não foi a benevolência da elite brasileira que nos deu a liberdade. Foi o movimento negro. Temos a obrigação de manter vivo esse elo de luta que é o 20 de novembro".
Hélio é positivo quanto ao alcance da data: "Queríamos fazer uma forte reflexão, mas até que avançamos. Agora, temos um mês inteiro, em um país continental, celebrando o Dia da Consciência Negra".
"A data é pretexto para celebrar a cultura negra de uma forma mais ampla, discutir o tema em escolas e mobilizar setores da sociedade brasileira para entender a importância da presença da cultura negra na formação da sociedade", diz Carlos Alberto.
Aumento de registros de crimes raciais
Dados do 17ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em 20 de julho e com retificações em grande escala feitos posteriormente pelos estados, mostram que o Rio de Janeiro é o segundo estado com mais registro de racismo no Brasil, perdendo para o Rio Grande do Sul, que conta com 2.486 casos registrados em 2023. O Rio de Janeiro veio na sequência com 322, número maior do que o relativo à 2022, que foi de 168. Os registros de injúria racial também aumentaram. De 1372, em 2021, foi para 1902, em 2022.
A delegada da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) Rita Salim esclarece a diferença entre racismo e injúria racial: "A injúria racial é a ofensa dirigida a um determinado grupo ou pessoa. Já o racismo é direcionado a uma comunidade que tenha a mesma religião, cor da pele ou raça, sem conseguir precisar quantas pessoas são. Quando o conteúdo, a conduta ou o comentário ofensivo é direcionado a uma pessoa, trata-se de injúria. No racismo, o preconceito é disseminado a um grupo social como um todo".
A delegada concorda com o relatório, que considera a alta nos casos como "aumento da demanda por acesso ao direito a não discriminação". Segundo a delegada, o crescimento nos registros de crimes de ódio anda junto com a maior difusão de informações e políticas públicas, no sentido de combater e prestar contas para a população de que racismo e injúria racial são crimes inafiançáveis e imprescritíveis: "As pessoas se sentem mais encorajadas a comparecer a uma delegacia de polícia. Não é que acontecia menos, mas agora as pessoas se sentem seguras a fazer o registro de ocorrência".
A maioria dos casos registrados tramita em sigilo, por envolverem crianças e adolescentes. Os únicos que não são investigados são aqueles em que não é possível identificar o autor.
Sobre maneiras de combater a violência racial, Rita diz que o caminho é a inserir informação de maneira pedagógica na vida das pessoas, além de o governo permanecer com políticas públicas: "Informação é o que vai fazer diminuir, vai tornar as pessoas conscientes de que existe pena de prisão para o comportamento racista dela. É importante que as pessoas sejam informadas constantemente que essa conduta discriminatória é tipificada como crime em lei".
Dom Filó deixa bem claro que os casos de racismo no Brasil serão combatidos quando o negro tiver o poder de legislar: "Eu acho que passa pelo o que o negro precisa. Primeiro, o negro tem que ocupar os cargos de poder. Se ele não legisla, se ele não tiver a caneta com tinta, ele vai ficar vencido e o racista vai vencer a luta. O segundo ponto é o acesso à educação. Leia-se lei das cotas, que ficou comprovado que funciona, isso é um fato. Nós precisamos ter conhecimento e estar nos cargos de poder para ter poder de fala. Na minha visão, isso é uma reparação mínima", diz.
 Acervo digital do movimento negro
Em uma atitude de valorização da cultura afro-brasileira, o canal Cultne.TV, lançado no último dia 1º de novembro no Samsung TV Plus, com conteúdo 100% gratuito, é o primeiro grande acervo contemporâneo dos últimos 40 anos do movimento negro e maior acervo digital cultural livre da América Latina.
Os programas foram filmados por Dom Filó e uma pequena equipe para contar a história negra a partir do olhar do próprio negro. Desde 1980, eles registram em áudio e vídeo atores de resistência do movimento negro na geopolítica, educação, música, arte, religião, esporte e gastronomia, para que possam recontar a trajetória do povo negro, que é maioria no Brasil, e reforçar o seu protagonismo.
"O audiovisual é uma ferramenta extremamente poderosa e essencial para o movimento antirracista em todo o mundo. É muito diferente quando se tem um material deste calibre para mostrar em sala de aula, o que na minha época de estudante não tinha. Eu não tinha referências. Eu tinha que ouvir o colonizador, estudar o que o colonizador dizia. Eu tinha que entender aquilo que foi escrito pelo colonizador, contextualizar e criticar porque a escrava Anastasia, por exemplo, era escrava, porque só tinha coisa negativa sobre o Saci Pererê. E daí buscar a raiz do problema. Então, hoje, nós conseguimos, a partir da tecnologia que colocamos no ar, buscar elementos e vislumbrar um local de pesquisa", afirma Dom Filó.
O criador considera a Cultne.TV como uma plataforma de educação, pois o material é para ser usado em sala de aula. "Nós filmávamos tudo da história negra. As ações políticas, acadêmicas, performances esportivas, enfim, tudo o que envolvia os negros, desde casamento até batizados. Nós queríamos filmar. E com isso formamos o que é hoje o maior acervo digital cultural negra da América Latina, que é este material utilizado por professores dentro de sala de aula", afirma o militante, que foi perseguido durante a Ditadura Militar e se exilou no Harlem, bairro de Manhattan, em Nova Iorque, símbolo da resistência afro-americana nos Estados Unidos. 
O canal, cujo site é https://cultne.tv/, conta com extensa programação e catálogo, incluindo coberturas de shows, eventos e podcasts, tudo relacionado à comunidade negra. "O conteúdo é de graça, porque as empresas têm que pagar essa conta. Devido ao conceito ASG (Ambiental, Social e Governança), elas estão investindo em equidade racial, pois entenderam que investir em cultura negra dá lucro. Agora as caras pretas aparecem em capas de revista, coisa que não tinha 20 anos atrás. Hoje não, hoje nós já vemos uma tendência de equidade. Ainda não é o que nós esperamos, mas é uma melhorada", conclui.
Rio registra aumento de casos de crimes raciais
Dados do 17ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em 20 de julho, mostram que o Rio de Janeiro é o segundo estado com mais registro de racismo no Brasil, perdendo para o Rio Grande do Sul, que conta com 2.486 casos registrados em 2023. O Rio de Janeiro vem na sequência com 322, número maior do que o relativo à 2022, que foi de 168. Os registros de injúria racial também aumentaram. De 1372, em 2021, foi para 1902, em 2022.
A delegada da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) Rita Salim considera que o crescimento nos registros de crimes de ódio anda junto com a maior difusão de informações e políticas públicas, no sentido de combater e prestar contas para a população de que racismo e injúria racial são crimes inafiançáveis e imprescritíveis: "As pessoas se sentem mais encorajadas a comparecer a uma delegacia de polícia. Não é que acontecia menos, mas agora as pessoas se sentem seguras a fazer o registro de ocorrência".
A maioria dos casos tramita em sigilo por envolverem crianças e adolescentes. Os únicos que não são investigados são aqueles em que não é possível identificar o autor.
Sobre maneiras de combater a violência racial, Rita diz que o caminho é a inserir informação de maneira pedagógica na vida das pessoas, além de o governo permanecer com políticas públicas: "Informação é o que vai fazer diminuir, vai tornar as pessoas conscientes de que existe pena de prisão para o comportamento racista dela. É importante que as pessoas sejam informadas constantemente que essa conduta discriminatória é tipificada como crime em lei".
Dom Filó deixa bem claro que os casos de racismo no Brasil serão combatidos quando o negro tiver poder de legislar: "Eu acho que passa pelo o que o negro precisa. Primeiro, o negro tem que ocupar os cargos de poder. Se ele não legisla, se ele não tiver a caneta com tinta, ele vai ficar vencido, o racista vai vencer a luta que você é ignorada por quem não tem poder. O segundo ponto é o acesso à educação. Leia-se, lei das cotas, que ficou comprovado que funciona, isso é um fato. Nós precisamos ter conhecimento e estar nos cargos de poder para ter poder de fala. Na minha visão, isso é uma reparação mínima", diz.
Acervo da história negra
Em valorização da cultura afro-brasileira, o canal Cultne.TV, lançado no último dia 1º de novembro no Samsung TV Plus, e 100% gratuito, é o maior acervo contemporâneo dos últimos 40 anos do movimento negro e maior acervo digital cultural livre da América Latina.
Os programas foram filmados pelo fundador Dom Filó e uma pequena equipe para contar a história negra a partir do olhar do próprio negro. Desde 1980, eles registram atores de resistência do movimento na geopolítica, educação, música, arte, religião, esporte e gastronomia, para que possam recontar a trajetória do povo negro e reforçar o seu protagonismo.
"O audiovisual é uma ferramenta poderosa para o movimento antirracista em todo o mundo. É muito diferente quando se tem um material deste calibre para mostrar em sala de aula. Eu não tinha essa referência. Eu tinha que estudar o que o colonizador escrevia. Hoje nós conseguimos, a partir do que colocamos no ar, ter um local de pesquisa", afirma Filó.
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