Eduardo Paes mostrou aparelhos comercializados na Feira de AcariReprodução
Seop e forças policiais planejam ocupação da Feira de Acari após proibição
Por conta da influência do crime organizado e do impacto no ordenamento urbano, decreto colocou fim ao tradicional comércio popular
Rio - A Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) vai se reunir com a Guarda Municipal e as forças policiais, ao longo da semana, para planejar a ocupação da Feira de Acari, na Zona Norte. Nesta terça-feira (23), um decreto que proibe o funcionamento do tradicional ponto de comércio popular foi publicado no Diário Oficial do Município, com a justificativa de que não é autorizado e teria ligação com organizações criminosas. A ação será realizada no próximo domingo (28), dia em que o local costuma funcionar.
O decreto municipal afirma que relatórios de inteligência da Seop apontaram a ligação da feira com o tráfico de drogas, roubos de cargas, furto de energia e contrabando, e constatou a venda de produtos de todos os tipos, entre eles alimentos não perecíveis e animais silvestres, de origem desconhecida e pela metade do preço de mercado. O secretário municipal de Ordem Pública disse que a ocupação vai precisar do apoio das Polícias Civil e Militar, já que a região sofre com a influência do crime organizado armado.
"A gente já tem algumas reuniões de planejamento já feitas e algumas que ainda vão acontecer ao longo da semana, justamente para poder organizar a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Seop e a Guarda Municipal, fazerem essa articulação com as forças do Estado, que são fundamentais, porque ali a gente enfrenta o crime organizado armado. Então, a prefeitura precisa desse apoio das forças policiais, já para no domingo a gente ter uma ocupação tranquila do espaço, sem nenhum tipo de confronto ou problema. A gente espera, com essa ocupação, fazer com que o decreto seja cumprido, especialmente para impedir aquela desordem que a gente testemunhando ali e que a gente mapeou", afirmou Brenno Carnevale.
Em 2023, 30% dos roubos de carga registrados no Brasil ocorreram no Rio e, em 2022, o prejuízo com o crime no estado foi de R$390 milhões. "A gente tem empresas de frete que não querem vir para o Rio, por conta desses roubos, motoristas que ficam em poder de criminosos, que tem o objetivo de sequestrar e furtar cargas, e pessas sofrendo prejuízo, como emprego, renda, riqueza que o Rio de Janeiro perde por conta desse mercado criminoso. Quando a gente tem em um espaço público esse material roubado sendo comercializado, isso é uma engrenagem do crime organizado, então, a gente precisa combater isso de uma forma muito enérgica. O roubo só existe porque existe quem compra o produto que depois é receptado".
Ainda de acordo com o secretário, além de uma medida de segurança pública, a probição também considera o ordenamento urbano e desosbstrução do espaço público, já que a Feira de Acari provoca estacionamento irregular, impacta o trânsito da Avenida Pastor Martin Luther King Jr., afeta a operação dos trens e dificulta a circulação de pedestres pela região.
"A gente tem um espaço público e as pessoas foram, ao longo do tempo, colocando suas atividades para serem exercidas de uma forma não autorizada e isso acabou virando um grande polo. Infelizmente, a gente tem mapeado que algumas pessoas, de fato, vendem produtos com origem desconhecida, que a gente não consegue cravar, mas outras, nitidamente, a gente consegue assegurar que são produtos roubados. As pessoas que estão ali trabalhando sem se envolverem com as mercadorias roubadas, elas precisam ter autorização. A gente não pode aceitar que o espaço público comece a ser ocupado por pessoas que simplesmente apareceram ali".
Depois do anúncio da proibição feito pelo prefeito Eduardo Paes, na segunda-feira (22), cariocas utilizaram as redes sociais para criticar a medida. Alguns comentários chegaram a pedir que houvesse uma fiscalização mais ostensiva das atividades, mas que o comércio seja mantido no local de forma regular. "A feira é sensacional, gera empregos, mas o ir e vir dos moradores, o trânsito ali, não anda. Deveriam era organizar, porque a Feira de Acari é patrimônio do Rio", comentou uma pessoa.
"A Feira de Acari é um marco em nossa cidade, já visitei esta feira e achei legal pela quantidade de coisas que vendem. Mandem fiscais para lá para saber a origem dos produtos", disse outra. "Todos sabem que tem coisa errada, mas tem muita gente trabalhando, muita gente que sofreu com as enchentes recentes, inclusive. O correto é fiscalizar e não proibir", afirmou mais um. "Uma coisa é fiscalizar a feira, outra é acabar com a feira sem pensar que muito pai sustenta sua família com as coisas que vende na feira".
A deputada Monica Francisco (PSOL) e a vereadora Thais Ferreira (PSOL) também comentaram a decisão. "O prefeito anunciou que vai acabar com a Feira de Acari. Tomara que seja uma iniciativa planejada, com respeito às/os trabalhadoras que atuam honestamente e não uma medida abrupta, sem planejamento", disse a deputada.
"Se o problema são os produtos desconhecidos, que tenha fiscalização! Nós vimos, nos últimos dias, as cenas tristes de casas com água até o teto. Muitos desses moradores têm a feira como única fonte de renda. Que alternativa será dada para essas pessoas?", questionou Ferreira. De acordo com Brenno Carnevale, os feirantes que atuam no local deverão se regularizar para serem realocados em outros pontos de venda da cidade.
"A orientação que a gente faz é para que essas pessoas procurem o Controle Urbano na prefeitura ou a própria subprefeitura, para que elas possam se inscrever e a gente possa alocá-las em um local que não vai prejudicar o fluxo de pedestres ou não fique às margens da linha do trem, até para que não seja um local arriscado e, obviamente, consiga desenvolver sua atividade econômica para se sustentar (...) A gente vai ter atenção especial à essas pessoas, mas a gente precisa dessa regularização, que ela informe o produto que vai vender, onde costumava trabalhar. Com esse levantamento, a gente consegue fazer essa realocação, isso não demora, a gente consegue fazer isso de uma forma muito breve", afirmou.
No ano passado, a Secretaria ocupou os calçadões de Campo Grande e Santa Cruz, na Zona Oeste, e apesar da influência da milícia, conseguiu manter apenas vendedores legalizados no local. A região do Saara também passa por fiscalizações diárias para coibir o comércio de produtos irregulares e fruto do crime, enquanto a Uruguaiana e outros locais são alvo do trabalho de inteligência para que a medida também seja adotada. Carnevale afirmou que apesar da expectativa, não há previsão para a retomada da Feira de Acari.
"A forma como a feira está sendo desempenhada hoje, e a gente tem um materal de inteligência bem robusto, está, nitidamente, contribuindo para a criminalidade. Esse movimento da prefeitura busca fazer valer o título de Feira de Acari, que pode ser que um dia, a gente vai trabalhar para que isso aconteça, volte a funcionar de uma lícita, sem produtos criminosos. É um esforço que a gente quer fazer, para que a gente tenha, de fato, um valor cultural, e não um problema para a cidade", declarou.
O espaço está inserido no imaginário popular. A música "Feira de Acari", do DJ Batata, foi um dos primeiros sucessos nacionais do funk, nos anos 1990. A canção ainda virou tema da novela "Barriga de Aluguel", transmitida pela TV Globo entre 1990 e 1991, o que deu reconhecimento nacional ao ponto de comércio, também mencionado na música "W/ Brasil (Chama o Síndico)", lançada em 1990 por Jorge Ben Jor.
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