Feirantes protestam contra fechamento da Feira de AcariPedro Ivo/Agência O DIA

Rio - Após o decreto da prefeitura proibindo a realização da Feira de Acari, na Zona Norte, feirantes realizaram um protesto na manhã desta quarta-feira (24) em frente à estação de metrô do bairro. No local, os manifestantes defendem que o comércio, que funciona desde 1970, é uma fonte de renda para muitos trabalhadores honestos. Em vez do encerramento, ele pedem por fiscalização.

Durante a manifestação, muitos dos feirantes carregavam notas fiscais dos seus produtos para comprovar a origem lícita das mercadorias. O protesto ocorreu de forma pacífica e foi acompanhado pela Polícia Militar.

Ao DIA, Manoel 'Cadelivery', como gosta de ser chamado, de 53 anos, informou que trabalha na feira desde os 10/11 anos quando ainda ajudava seu pai. Cadeirante, ele usa o apelido de 'Cadelivery' após ter começado a trabalhar com entregas no período da pandemia.

O feirante explicou ainda sobre o motivo dos produtos baratos, justificando que as mercadorias vendidas abaixo do preço estão perto de vencer. "Trabalhei na feira minha vida toda, hoje sou cadeirante, nós vendemos produtos 'fifo', que são mercadorias com prazo de validade que está próximo do vencimento. Até os mercados estão fazendo isso, a gente compra direto dos fornecedores", disse.

Manoel reforça que a feira é um meio de sustento de muitas famílias. "Uma lasanha custa cinco reais porque vai vencer daqui a três ou quatro dias, às vezes a gente recebe dois reais de lucro, só que as pessoas não sabem e ficam generalizando, falando que tudo é roubado", desabafou.

O comerciante contou também que depois de muitos anos conseguiu montar um mercadinho na sua casa, mas que ainda leva produtos para a feira e segue trabalhando com entregas.

"Na pandemia eu tive que ir pra rua porque eu só ganho um salário mínimo do governo que não dá pra sobreviver. Sou deficiente então preciso de muitas coisas, sou diabético, hipertenso, obeso, tudo que a Covid gostava mas precisava trabalhar, coloquei uma máscara e fui fazer entregas. Coisas que você não consegue vender no mercadinho, eu levo pra feira que vende, eu tenho nota de tudo. A feira é nosso meio de ganhar dinheiro", explicou.

Em relação às enchentes, ele relatou que perdeu muitos produtos e criticou o prefeito Eduardo Paes. "Com a enchente, o mercadinho foi embora, aqui onde eu moro não costumava encher, mas levamos um susto, moro há quase 1km do Rio Acari, então essa enchente pegou todo mundo de surpresa. Paes desviou o foco da enchente e acabou com o ganha pão de várias pessoas. Eu como cadeirante quase morri afogado, eu não sei como minha cadeira não parou, eu agradeci muito a Deus, perdi muito dinheiro, mas minha família está viva", disse.

Outro feirante, Alex Borges, 53 anos, que trabalha há 35 na feira, também reforçou que muitas pessoas do local são honestas.
"A gente não pode colocar tudo no mesmo saco, tem os bons, tem os ruins, mas isso existe em qualquer empresa, em qualquer setor, mas a maioria ali é pai de família. Eu trabalho com venda de eletrônicos. As pessoas ali dependem da feira e eu acho que o prefeito agiu de covardia, porque isso não é uma coisa justa, eu como prefeito jamais faria isso com pessoas que precisam buscar o pão de cada dia", explicou.

Alex justifica que apesar de existir produtos frutos de roubo, muitas pessoas, assim como ele, possuem notas fiscais das suas mercadorias.

"Os moradores ali perderam tudo com as enchentes, foi uma catástrofe, uma destruição, a água subiu uns 2 metros. Tem muitas coisas boas ali, mais que ruim, mas não pode colocar todo mundo no mesmo saco, porque senão teria que fechar Congresso e Câmara dos Vereadores, porque também têm os bons e ruins. Então é questão de reconhecer as coisas", finalizou.

De acordo com o decreto do prefeito, fica proibido o funcionamento da Feira de Acari, em qualquer dia da semana, a partir da publicação. O texto alega a necessidade do ordenamento e desobstrução do espaço público; a necessidade do combate a eventos irregulares e sem autorização do município, a comercialização de produtos sem procedência e ao crime organizado. O documento diz também que relatórios de inteligência da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) apontaram a ligação da feira com grupos criminosos envolvidos com o tráfico de drogas, roubos de cargas, furto de energia e contrabando.

Segundo o decreto, foi constatado, em toda a extensão do comércio, a venda de eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos, animais silvestres, alimentos não perecíveis, medicamentos, calçados, venenos para ratos e roupas de lojas de departamento pela metade do preço que consta na etiqueta. Há ainda estacionamento irregular, impactando o trânsito da Avenida Pastor Martin Luther King Jr.; quiosques irregulares; barracas de churrasco operando sem regulamento sanitário; banheiros químicos; food trucks e mesas espalhadas, dificultando a passagem de pedestres.

A publicação ainda destaca que, em 2023, 30% dos roubos de carga registrados no Brasil se concentraram no Rio de Janeiro, somando 3.225 casos, de acordo com indicadores do Instituto de Segurança Pública (ISP), e que em 2022, o estado sofreu prejuízo de quase R$ 390 milhões por conta do mesmo crime, conforme levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Nas redes sociais, Paes disse que o secretário Brenno Carnevale foi orientado a se articular com as forças policiais para impedir a instalação da feira.

O espaço está inserido no imaginário popular. A música "Feira de Acari", do DJ Batata, foi um dos primeiros sucessos nacionais do funk, nos anos 1990. A canção ainda virou tema da novela "Barriga de Aluguel", transmitida pela TV Globo entre 1990 e 1991, o que deu reconhecimento nacional ao ponto de comércio, também mencionado na música "W/ Brasil (Chama o Síndico)", lançada em 1990 por Jorge Ben Jor.