Imagens das câmeras corporais foram analisadas pelos defensoresDivulgação / Polícia Militar

Rio - A Defensoria Pública do Rio de Janeiro enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um relatório com denúncias de omissão de socorro, tortura psicológica, agressões e ameaças por parte de policiais militares entre o momento da prisão e a audiência de custódia. O documento foi feito após análise das imagens captadas pelas câmeras corporais dos agentes.

Em uma das ocasiões, um suspeito que havia sido baleado não foi socorrido e ainda ameaçado de morte. Segundo a denúncia, o intuito era obter uma confissão. Em outro caso, uma pessoa em situação de rua foi agredida com tapas e empurrões nas costas, mesmo sem apresentar resistência.
Segundo a denúncia, uma das imagens analisadas mostra PMs usando spray de pimenta depois de prender suspeitos de furto em um ônibus. A Defensoria Pública afirma que a conduta é "desproporcional, desnecessária e injustificável".

De acordo com o órgão, entre abril e dezembro de 2023, foram analisadas 215 ocorrências em que os presos relataram tortura ou maus-tratos. Em todas as ocasiões, as imagens das fardas foram solicitadas. No entanto, segundo a DPRJ, em 57 pedidos, a PM disse que não tinha as imagens. O órgão afirma que, em outros casos, a corporação alegou falha nas gravações, imagens perdidas ou não encontradas. Em apenas 56 casos a PM enviou o material solicitado; ainda assim, em 22 deles sem imagens do momento da abordagem policial. Apenas 32 arquivos tinham as imagens completas.
Quase metade de todos os ofícios enviados pela DPRJ (45% ou 96 casos) sequer havia sido respondida de maneira adequada, até janeiro último. A Ouvidoria da PM não acusou recebimento de 31 desses ofícios. Há ainda seis requisições da Defensoria sem retorno porque a PM alega que os policiais estavam a serviço do Programa Segurança Presente e, portanto, os registros das câmeras não estavam em poder da corporação.
Os dados fazem parte do "Relatório de Acesso ao Conteúdo Audiovisual das Câmeras Operacionais Corporais", produzido pelo Nudedh. "Há dois problemas centrais apontados no relatório: o elevado número de ofícios não respondidos, sendo que há um prazo de 15 dias úteis previsto na Resolução 2421/2022, da Secretaria de Estado da PM, e o alto percentual de respostas informando que as imagens não foram gravadas, foram perdidas ou apagadas após 60 dias, contrariando determinação legal de que sejam arquivadas e conservadas por um período mínimo de doze meses em caso de letalidade ou registro de ocorrência na delegacia", explica o defensor público e coordenador do Nudedh, André Castro.

O defensor André Castro também ressalta a dificuldade em obter imagens de ocorrências em que policiais militares estavam a serviço do Programa Segurança Presente: "Ele está vinculado à Secretaria de Estado de Governo, e é totalmente opaco nas informações. Sabemos que alguns dos agentes usam câmeras, mas nunca tivemos acesso a registro", afirma.

O Relatório de Acesso ao Conteúdo Audiovisual das Câmeras Operacionais Corporais contém a descrição do que foi encontrado em cada arquivo relativos aos 56 casos em que a PM atendeu à solicitação da Defensoria, e há indicações de mau uso e obstrução do equipamento, manipulação de imagens e violações de direitos das pessoas abordadas pelos policiais.
Ele revela ainda que as câmeras são facilmente desacopladas dos uniformes e a lente é obstruída pelos agentes. Além disso, em alguns eventos as imagens teriam sido manipuladas e até apagadas. O documento foi anexado ao processo que ficou conhecido como ADPF das Favelas, que determinou uma série de regras para operações policiais no Rio, e enviado ao STF. 
Propina em blitz
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou à Auditoria de Justiça Militar três policiais militares por terem cobrado propina em uma blitz da Lei Seca e ocultado imagens das câmeras corporais durante as abordagens. Eles são acusados de praticar os crimes de concussão e negativa de obediência, ocorridos em setembro de 2022.
De acordo com a denúncia, o crime de desobediência foi praticado pelo menos três vezes por cada um, durante o serviço. Eles estavam de plantão em apoio à Operação Lei Seca, em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, quando retiraram a câmera do uniforme para não serem filmados na abordagem. Os PMs abordavam os carros e exigiam R$ 300 para não apreenderem o veículo pela falta do Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo (CRLV) físico.
Procurada, a Polícia Militar disse que "a corporação não teve acesso ao relatório mencionado."