O desenho animado 'Os Jetsons' tinha carros voadores, videochamadas e robôs Reprodução

Imagine a seguinte cena: você acorda, vai até a cozinha e aperta um botão para que uma máquina prepare instantaneamente o seu café da manhã. Ovos mexidos? Tapioca? Seja o que desejar, você terá o seu desjejum pronto em poucos segundos. Em seguida, pega o seu carro e literalmente voa para o trabalho.
Sim, este poderia ser um trecho de algum roteiro de ficção científica. Porém, é uma realidade cada vez mais possível graças a avanços tecnológicos ocorridas no mundo todo.
Dois ícones mainstream do gênero, o desenho animado 'Os Jetsons', que teve o primeiro episódio exibido em 1962, e a série 'Jornada nas Estrelas' (Star Trek), de 1966, retratam invenções que atualmente temos acesso no nosso cotidiano, mostrando que era uma questão de tempo fazermos ligações de vídeo, e possuirmos telefone celular e tablet, por exemplo. Já os carros voadores de Os Jetsons estão em desenvolvimento. Mas será que toda inovação é boa?
Um projeto de eVTol (sigla em inglês para veículo elétrico de pouso e decolagem vertical), também chamados de 'drone de passageiro' ou 'carro voador', planejado para levar passageiros e cargas pelas cidades em viagens curtas, está em desenvolvimento pela Eve, empresa subsidiária da brasileira Embraer.
Porém, como se trata de uma área nova da aviação, ainda estão em discussão questões como as especificidades para que um aparelho possa voar, como serão as licenças para controladores e operadores de um equipamento e quais rotas poderão ser utilizadas.
A ideia é que o veículo funcione como uma espécie de táxi de aplicativo, tipo um Uber, com pagamento e reservas pelo celular. Ele decolaria e pousaria em bases chamadas de 'vertipontos', construídas especificamente para atendê-lo, onde também as baterias dos veículos poderiam ser recarregadas.
No entanto, a norte-americana Amy Webb, uma das futuristas e especialistas em novas tecnologias mais respeitadas do mundo, considera que os carros voadores são "uma modinha, não uma tendência real e significativa". Ela fez a declaração no evento Expert XP, no Brasil, em 2022. Na mesma ocasião, Amy afirmou que o ideal não é pensar em um carro voador, mas em formas mais eficientes de transportar pessoas: "Não estamos fazendo a pergunta correta. Qual o futuro dos carros? Não precisamos de carros. Precisamos nos movimentar". Para a especialista, o futuro do transporte estaria mais perto de um novo tipo de trem que se mova no ar ou de elevadores que se movimentam de forma horizontal.
Kenneth Corrêa, professor de MBA da área de inovação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) também não olha os carros voadores como uma invenção possível: "Acidentes de carros são horríveis, um caminhão que atropela uma pessoa, uma colisão entre automóveis, capotamentos. As estatísticas do Brasil mostram que acidentes de trânsito matam, no país, mais do que ataque cardíaco. E isso com carros que apenas vão para trás e para frente, no chão. Agora imagina com carros aéreos. Estamos andando tranquilos na rua e de repente acaba a bateria de um carro e ele cai na nossa cabeça. Ou algum motorista perde o controle e entra no nosso apartamento, por exemplo. Precisamos olhar todos os impactos que a invenção do carro voador pode trazer", avalia o professor.
Nos últimos anos, a indústria deu passos largos em direção ao desenvolvimento de tecnologias vistas em filmes, séries e desenhos animados. Mas engana-se quem pensa que a ficção científica previu essas invenções que surgiram décadas depois. Ela não adivinha ou acerta o futuro e, sim, o influencia. Os desenvolvedores se inspiram nas tecnologias abordadas na ficção científica e as fazem migrar das telas para o mundo real. "É como se fosse um ciclo que se retro alimenta", explica Kenneth. "Olhar para o futuro que ainda não está definido é uma ótima forma para se inspirar e desenvolver tecnologia", complementa.
Boa parte das inovações chamadas 'micro' exibida em obras de ficção científica, já é real. Isaac Asimov, um dos autores mais icônicos do gênero, disse que "a ficção científica de hoje é o fato científico de amanhã". Deveras, há inventores empenhados, e produtos considerados insanos ou improváveis idealizados no mundo sem limites se tornaram itens do nosso dia a dia. Veja, por exemplo:
Robôs: clássicos na ficção científica
O DJ Alok tem um novo hit: o 'Aulok', seu cão-robô que agora faz parte da família. Em vídeos publicados em seu perfil oficial no Instagram, o Aulok brinca no quintal com as filhas do artista e também interage com Alok quando ele joga longe uma bolinha para a máquina em formato de animal buscar. Porém, há utilidades mais relevantes para a tecnologia. Os cães-robôs da empresa Boston Dynamics têm feito trabalhos de ponta em canteiros de obras, usinas e ruínas.
Desde 2022, as escavações do Parque Arqueológico de Pompeia, em Nápoles, na Itália, contam com o auxílio do 'Spot' para explorar locais inacessíveis ou perigosos para humanos, como túneis instáveis. Desta forma, o robô ajuda no conhecimento de estado de andamento das obras nas áreas de recuperação ou restauro, garantindo a segurança do sítio e dos trabalhadores.
Trazendo um exemplo mais perto para a realidade do Brasil, em 2023, a Itaipu Binacional, a usina de Itaipu, passou a contar com dois cães-robôs para atuar em ações rotineiras. Os dispositivos, também chamados de 'Spot', têm câmeras, microfones e sensores que auxiliam na detecção de anormalidades em áreas críticas ou de difícil alcance. A operação é feita à distância, via tablet, e as informações captadas são enviadas por conexão 5G.
E se ao pensar em robô, você visualiza a Rose, a máquina que é a empregada doméstica da família Jetson, hoje em dia contamos com os robôs-aspiradores, dispositivos que varrem os cômodos da casa de forma independente e discreta, se comparado com a animação. Eles são os únicos robôs para o consumidor final.
Drones aéreos
Os drones têm muitas aplicações. Há drones civis, que fazem prestação de serviço, e há drones militares. Este último aparece em 'O jogo do exterminador', romance do americano Orson Scott Card lançado em 1985, uma situação similar que está acontecendo com a guerra na Ucrânia. No livro, o autor conta a história de um garoto prodígio que, imaginando que faz parte de um jogo, controla à distância uma nave que participa de uma guerra. É exatamente como funcionam os drones atuais no front de batalha: dependendo da munição, o equipamento pode ser utilizado contra tropas da infantaria e até tanques. O drone voa com a granada e a solta em cima do alvo. Uma das diferentes maneiras de controlar drone é utilizando óculos, como se o piloto estivesse dentro do equipamento.
Com aplicação civil, a empresa iFood está testando drones para fazer entregas mais rápidas. Com autorização concedida pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para uso diário comercial, os drones estão liberados para realizar entregas com cargas de até 2,5 quilos em um raio de 3 quilômetros, inclusive em ambientes urbanos, mantendo margens de segurança estabelecidas no projeto. Mas os drones fariam apenas uma parte do trajeto: eles levam os pedidos até um droneport (área específica e segura para pousos e decolagens de drones), onde são coletados por um entregador do iFood, que completa a entrega fazendo o transporte até a porta do cliente.
Telefone celular
Apareceu na série 'Jornadas nas Estrelas' (Star Trek), fenômeno criado por Gene Roddenberry, em 1966. Em um dos episódios, o Capitão Kirk se comunica com a tripulação através de um aparelho que, ao ser aberto, permitia que ele falasse com o interlocutor apenas chamando o seu nome.
O engenheiro norte-americano Martin Cooper, criador do celular, afirma que se inspirou no sitcom para lançar o produto. A invenção ganhou o mundo em 1973, e foi nomeado como DynaTAC 8000X, pesava cerca de 1 quilo e tinha uma bateria que durava apenas 30 minutos.
Tablet
Ainda em Star Trek, os tripulantes da nave estelar USS Enterprise usavam um tablet com touchscreen. Eles aparecem em alguns episódios manuseando um aparelho muito parecido com o que hoje conhecemos como tablet.
Além da tela sensível, o computador portátil de Star Trek tinha um lápis de plástico, semelhante à caneta que se usa em alguns modelos de tablets atuais.
O primeiro tablet foi lançado no mercado só em 1989, mas não houve repercussão. Duas décadas mais tarde, a Apple lançou o iPad.
A tecnologia futurista também aparece em '2001: Uma Odisseia no Espaço', filme de Stanley Kubrick, lançado em 1968. A cena mostra a conversa de um pesquisador com dois astronautas através de um computador fino, retangular e com uma tela que ocupa quase todo o espaço do aparelho. Ou seja, um aparelho de comunicação bastante similar aos tablets de hoje.
Telas planas gigantes
Os monitores dentro da USS Entreprise, nave estelar de 'Jornada nas Estrelas', eram telas planas e grandes, que a tripulação utilizava para reuniões. À época, as telas dos aparelhos de televisão das casas eram do tipo tubo, com tela de tamanho reduzido. Agora, as televisões têm telas planas e finas cada vez maiores.
Invenção longe de ser desenvolvida
Teletransporte
Em A Mosca (1986), filme do canadense David Cronenberg, o cientista Seth Brundle cria uma máquina capaz de teletransportar matéria. Quando vai testar seu invento em si mesmo, acaba permitindo que uma mosca entre com ele na cabine e, assim, tem seu gene misturado com o do inseto, iniciando uma mutação homem/mosca. Hoje, o transporte de papéis e ideias pelo espaço é feito via internet. Mas o teletransporte de seres humanos e objetos grandes continuará apenas na ficção científica: "Já houve quem conseguisse, dentro de um ambiente controlado de laboratório, fazer uma partícula ir de um ponto ao outro, mas não estamos nem perto de descobrir como teletransporta o segundo átono. Do ponto de vista de tecnologia, não temos nem o faro ainda. Teria que ser uma técnica totalmente inovadora", explica o professor Kenneth.
Se você se perguntava quando iria se teletransportar, bom, nunca. Mas os seus descendentes, quem sabe?