Erika é acusada de movimentar dinheiro ilícito obtido por RivaldoDivulgação

Rio - Erika Andrade Araújo, mulher do delegado Rivaldo Barbosa, preso no domingo (24) por ser um dos mentores do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, é considerada 'testa de ferro' do marido nas empresas de fachada que eram utilizadas para lavagem de dinheiro. Segundo as investigações da Polícia Federal, no mesmo período em que Rivaldo assumiu a Delegacia de Homicídio da Capital, a renda do casal aumentou consideravelmente, e a mulher chegou a realizar transações milionárias.

De acordo com um relatório da PF, como delegado da DHC, Rivaldo recebia vantagens indevidas da contravenção para não investigar os homicídios por eles praticados, decorrentes das disputas territoriais para exploração do “jogo do bicho”, entre outros fatos juridicamente relevantes.

Com a quantia adquirida por meio dos esquemas ilícitos, ele teria aumentado consideravelmente seu patrimônio, adquirindo, por exemplo, diversos imóveis. Para auxiliar na lavagem de dinheiro, teria constituído, juntamente com sua mulher, Erika Araujo, empresas que operavam na área de consultoria.

Para facilitar a movimentação do dinheiro, Erika declarou ser sócia de duas empresas e trabalhar como “Inspetora de Qualidade”, possuindo uma remuneração de R$28.920,56.
“O que se observou, em poucos meses, foi um salto significativo da sua renda, tendo em vista que antes da constituição das empresas seu maior salário havia sido em torno de R$4.830,00, quando esteve vinculada à Prefeitura do Município do Rio”, diz um trecho do documento.

Ainda segundo as investigações, foi constatado que Rivaldo era o administrador de fato das sociedades empresárias e responsável pela interlocução com clientes e apresentação do portfólio de serviços.

“Erika aparentemente não tinha expertise na área de atuação de suas empresas. Ela foi encontrada trabalhando em uma loja de móveis de sua irmã (da qual foi sócia por um certo tempo), aumentando os indícios de que se tratava de uma interposta pessoa, uma testa de ferro, nos empreendimentos que, de fato, eram administrados por Rivaldo”, diz um trecho do relatório.

Empresas de fachada

Em dezembro de 2014, Erika e Rivaldo fundaram a empresa 'Mais I Consultoria', que tinha como objetivo atividades de consultoria em gestão empresarial. A instituição, no entanto, não tinha nenhum funcionário e inicialmente o endereço comercial era o da residência do casal. Porém, em fevereiro de 2016, houve alteração no contrato social e atualização do
endereço, que indicava uma sala comercial comprada pelos dois.

Ainda segundo as investigações, as movimentações financeiras nas contas da empresa iniciaram em janeiro de 2015 e a entrada de capitais praticamente se firmou em outubro de 2017. Já em março de 2018, dias após assumir a chefia da Polícia Civil, o casal solicitou oficialmente o encerramento das atividades dessa primeira empresa.

No entanto, em abril de 2016, Erika já havia fundado uma outra empresa, a ‘Armis Consultoria’, do mesmo segmento. O endereço, desta vez, era outra sala comercial e com o registro de 10 funcionários no período de maio de 2017 a outubro de 2019. No entanto, em entrevista realizada com funcionários do edifício onde situam-se as duas salas comerciais, eles destacaram que era como se as empresas não funcionassem.

Apesar disso, a investigação da PF destaca que poucos meses após a constituição das empresas, elas já estavam recebendo grandes aportes de capital de grandes instituições consolidadas no mercado.

Um desses valores chegou a ser citado na denúncia do Ministério Público do Rio, em 2018, em que o delegado e outros sete investigados foram denunciados por crimes contra a Lei de Licitações. Na época, o MP chegou a pedir à Justiça o afastamento de Rivaldo da chefia da polícia. Ainda na ocasião, a empresa de Rivaldo recebeu R$ 160 mil por consultoria à Light.

Movimentações milionárias
Com a quebra do sigilo bancário, foi constatado que a Erika fazia uma série de transações milionárias pelas contas das empresas. Além disso, investigações mostraram a grande quantia movimentada pelas empresas em pouco tempo no mercado.
Em um dos casos, por exemplo, a empresa 'Mais I Consultoria' declarou à Receita Federal um faturamento de R$20.000,00 por mês. No entanto, ao verificar o montante que adentrou às contas no período analisado (01/06/2016 a 18/06/2018), foi constatado uma movimentação a crédito de R$1.072.598,00 e o débito de R$1.141.159,00. Ou seja, um valor mais de duas vezes superior ao faturamento esperado (R$480.000,00) no período, tomando como base o valor declarado.
Ainda segundo as investigações, Erika consta como principal favorecida das operações. "Provavelmente Erika e Rivaldo tenham optado por concentrar as movimentações financeiras advindas das empresas nas contas de Erika a fim de não chamar atenção dos órgãos de controle, tendo em vista as funções de destaque ocupadas por Rivaldo ao logo da carreira pública", diz a PF.

Em outro exemplo, somente no período compreendido entre 01/05/2017 e 31/12/2017, a empresa Armis declarou ter obtido um lucro líquido de mais de meio milhão de reais (mais precisamente: R$558.886,09), mostrando seu absoluto sucesso no mercado pouco tempo após ser constituída.

Além disso, no relatório chama atenção o volume de operações financeiras via “depósito em espécie”, grande parte sem identificação da origem.

Outro ponto demonstrado após análise bancária foi que no período de janeiro de 2015 a dezembro de
2019, Erika movimentou a crédito impressionantes R$3.313.333,03. Desse total R$1.793.768,89 foram em decorrência de repasses das empresas por ela constituídas.

Quem também aparece nas transações é a família de Rivaldo, sendo o pai, a irmã e o cunhado. Isso porque eles também fizeram envios importantes para Erika.

Já a análise das movimentações bancárias do delegado mostra que ele teve na Polícia Civil e na Estácio de Sá, respectivamente, suas principais fontes de renda, tendo recebido da primeira instituição um total de R$1.294.508,06 e da segunda R$267.304,70, no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2019.
Relação com Marielle
Erika, junto ao delegado Giniton Lages, o comissário Marco Antonio Borges e o assessor do TCE Robson Calixto Fonseca, o Peixe, foi alvo de ação de busca e apreensão no domingo (24) e terá que cumprir medidas cautelares, entre elas está o bloqueio de contas bancárias, uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de deixar o país.
Conforme o relatório da PF, "embora Erika não seja investigada por atuar no homicídio ou na obstrução das investigações, seu patrimônio também deve ser atingido, considerando os robustos elementos de confusão patrimonial entre ela e Rivaldo Barbosa".
Ela é acusada de movimentar o dinheiro ilícito recebido pelo marido do deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil) e do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão — os três são acusados de planejar o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. 
Especificamente, Rivaldo Barbosa é acusado de tentar obstruir as investigações do assassinato da vereadora e de Anderson. Antes disso, ele era coordenador da Divisão de Homicídios da Polícia Civil.
À reportagem não conseguiu contato com a defesa dos acusados. O espaço está aberto para manifestações.