Rio - No dia 4 de setembro de 2000, o Diário Oficial da União publicou a Lei n° 10.000, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, com a seguinte descrição: "É instituído o Dia Nacional do Choro, a ser comemorado anualmente em 23 de abril, data natalícia de Alfredo da Rocha Viana Júnior, o Pixinguinha". Com isso, o ritmo mais antigo da música popular brasileira passou a ter um dia para chamar de seu. Esta terça-feira (23), quando São Jorge também é homenageado, foi a data escolhida para celebrar o nascimento de Pixinguinha (1897-1973), o expoente do 'chorinho' e um dos maiores nomes da MPB.
Inspirado na cultura europeia, o choro tem influências africanas em sua melodia, tornando-se um ritmo genuinamente brasileiro. Os primeiros grupos surgiram no final do século XIX, nos subúrbios do Rio. Ao longo dos anos, o choro se consolidou como uma das formas mais autênticas da música do país, incorporando elementos de improvisação e ritmos pulsantes.
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Ao DIA, o professor, escritor e historiador, Luiz Antônio Simas, contou sobre o surgimento do ritmo. "É um estilo musical que nasceu no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, através de músicos como Joaquim Callado e Chiquinha Gonzaga. O choro é um ritmo urbano, que traz referências da música de salão europeia com uma rítmica brasileira de fundamento africano. Certamente, o grande nome da história do choro é o Pixinguinha. Um carioca que nasceu no contexto onde a música urbana no Rio estava se formando. Por isso, o Dia Nacional do Choro homenageia o maior 'chorão' de todos os tempos. Um gênio absoluto", explicou o historiador.
Além de Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Callado, Jacob do Bandolim e Anacleto de Medeiros são os principais representantes das primeiras gerações, contribuindo diretamente para a consolidação do estilo musical. Aliás, a primeira turnê internacional de choro foi realizada pelo grupo 'Os Batutas', dirigido por Pixinguinha, em 1922. Durante seis meses, a banda se apresentou em Paris.
Em maio de 2012, a Prefeitura do Rio declarou o gênero musical como Patrimônio Cultural Carioca, pelo decreto 35.550. O documento considerou a relevância do ritmo como uma das primeiras manifestações musicais carioca e o legado musical dos artistas que produziram canções. Já em fevereiro de 2024, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu o choro como o 53° Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
O nascimento do Dia Nacional do Choro
Em 1998, o bandolinista e compositor, Hamilton de Holanda, abriu um calendário e, junto com sua aluna de bandolim, questionou o motivo de não ter uma data especial para o choro. Então, o músico conseguiu entrar em contato com o senador Artur da Távola, que propôs o projeto de Lei sobre o Dia Nacional do Choro. No dia 19 de maio de 1999, o documento foi aprovado pelo Senado Federal e, posteriormente, pela Câmara dos Deputados. Já em 4 de setembro de 2000, o Diário Oficial da União publicou o decreto.
Em entrevista ao DIA, Hamilton comentou sobre a relevância do choro. "É um tesouro nacional e merece ser cuidado e reverenciado para sempre. No Dia Nacional do Choro, lembramos mestres como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Chiquinha Gonzaga e tantos outros que deram vida a esse estilo único. Que possamos sempre honrar e preservar essa rica herança musical, celebrando com paixão e alegria", disse o músico.
A única escola de choro do Rio de Janeiro
A Escola Portátil de Música da UniRio, na Zona Sul, foi criada por músicos de choro em 2000, a partir da necessidade de passar adiante seus conhecimentos sobre o gênero. Atualmente, a equipe de docentes conta com cerca de 40 professores de flauta, clarinete, saxofone, trompete, trombone, contrabaixo, violão, cavaquinho, bandolim, pandeiro, percussão, piano e canto. Desde 2005, a escola tem mais de mil alunos matriculados por semestre.
A cavaquinista e compositora, Luciana Rabello, foi uma das fundadoras da Portátil, única escola de choro do Rio de Janeiro. "A escola começou há 24 anos. Antes, fazíamos uma oficina de choro com a garotada interessada na música. Com o tempo, essa roda foi crescendo e passou das 200 pessoas. Então, como não dava para fazer uma roda com essa galera, fizemos a Escola Portátil de Música", comentou.
"O choro está no mundo inteiro, mas é carioca. A Portátil tem uma filial na Holanda, por exemplo. Ele está aí há mais de 150 anos e segue evoluindo: é a trilha sonora de um povo. O Pixinguinha foi o grande formador disso tudo. Ele pega a bagagem da música do século XIX - que já era choro, mas não tinha esse nome - e constrói o 'chorinho' de hoje em dia. Ele era maravilhoso, um cara que não errava", destacou a musicista.
Também fundada por Luciana, em 2015, a Casa do Choro, no Centro, é um ponto de encontro entre a memória, o presente e o futuro da música brasileira. O espaço abriga shows semanais e eventos, como festivais e palestras, destacando o melhor do choro. Nos dias 23, 24 e 25 de abril, inclusive, haverá uma comemoração com apresentações de diversos artistas.
Trem do Choro
A influência do som de Pixinguinha fez com que Luiz Carlos Nunuka, de 71 anos, em parceria com os seus amigos, criasse uma roda de choro na Praça Ramos Figueira, em Olaria, na Zona Norte, em 2012. Desde então, o evento foi atraindo o olhar dos moradores da região e de amantes do ritmo, fazendo com que Nunuka pensasse em uma alternativa para enaltecer ainda mais aquele tipo de música: o Trem do Choro, criado em 2013. Neste ano, o evento completa 11 anos de existência e sai da Central do Brasil, da plataforma 13, em direção à Olaria, com vagões repletos de chorões.
Ao chegar em Olaria, o cortejo vai em direção a Praça Ramos Figueira, conhecida como o reduto do Pixinguinha, local perto de onde o músico morou por anos. O Trem do Choro de 2024 está marcado para sair nesta terça-feira (23), a partir das 8h30, na plataforma 13 da Central do Brasil. Este ano, serão homenageados Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Severino Araújo, Chiquinha Gonzaga, Altamiro Carrilho, Raphael Rabello, Joaquim Callado e Paulo da Portela. Cada vagão será representado por um nome.
"Fizemos o primeiro Trem do Choro em 2013. Antes, fui para a Escola Portátil de Música aprender a tocar choro. Ele é complexo. Para tocar, não é simples: precisa saber todas as notas e estudar. Eu sou nascido em Olaria e tenho uma família de músicos. Todo domingo, nos encontros dos meus familiares, alguém tocava choro", contou Luiz Nunuka, ao DIA.
A Câmara dos Vereadores realizou, nesta sexta-feira (19), uma homenagem ao Dia Nacional do Choro. Além de um debate sobre o cenário atual das rodas na cidade, houve entrega de Moções de Louvor e Aplauso para diversos homenageados, como Dudu Nogueira, Paulão Sete Cordas, Ronaldo do Bandolim e artistas do Instituto 100% Suburbano, que promove o Trem do Choro.
Nunuka explica que, apesar do Dia Nacional do Choro homenagear o aniversário de Pixinguinha, o músico não nasceu no dia 23 de abril. "Neste dia, homenageamos São Jorge e o aniversário de Pixinguinha, apesar dele não ter nascido nesta data. Mas, naquela época, as pessoas nasciam e só eram registradas meses depois", pontuou.
Certa vez, o crítico e historiador Ary Vasconcelos (1926 - 2003) fez uma definição certeira de Pixinguinha. "Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas, se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido. Escreva depressa: 'Pixinguinha'".
*Reportagem do estagiário Leonardo Marchetti, sob supervisão de Thiago Antunes
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