Rio - Expedições recentes realizadas pelo Instituto Mar Urbano (IMU) na Baía de Guanabara identificaram que a vida marinha voltou a crescer no estuário mais importante do Rio de Janeiro, após ações de despoluição. Durante mergulhos feitos por Ricardo Gomes, diretor do IMU e biólogo, no período da manhã e noite, o especialista observou que houve melhora visível na qualidade da água e que espécies de animais marinhos voltaram a habitar o local.
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Nos mergulhos noturnos, por exemplo, Ricardo flagrou momentos em que a água estava límpida, um cenário bem diferente dos últimos anos na baía, quando a visão era bastante turva e com cheiro desagradável. Por isso, com o tempo, diversas espécies de peixes e até tartarugas marinhas voltaram a ser vistas nas águas.
De acordo com as medições do Instituto Nacional do Meio Ambiente (Inea, há sete meses seguidos a Praia do Flamengo, a primeira das praias das encostas da Baía de Guanabara, apresenta condições para banho. O Instituto explica que a melhora se deu devido às mudanças feitas pela concessionária Águas do Rio, por conta das exigências do contrato. Desde novembro de 2021, a empresa passou a ter que investir na recuperação e melhoria dos sistemas existentes.
Em pouco mais de dois anos de operação, a concessionária afirma que evitou o desague de aproximadamente 82 milhões de litros de água contaminada com esgoto nas praias oceânicas e da Baía de Guanabara. Uma das ações da Águas do Rio foi a desobstrução do Interceptor Oceânico, túnel de 9 km de extensão responsável por coletar grande parte do esgoto da Zona Sul e direcioná-lo para o Emissário Submarino de Ipanema.
Além disso, a empresa também realizou o desvio temporário do Rio Carioca para dentro do Interceptor Oceânico, evitando que mais de 250 litros por segundo de água contaminada com esgoto sejam despejados diretamente na Praia do Flamengo.
"Golfinhos, raias e tartarugas-verdes. É cada vez mais comum encontrar esses animais na Baía de Guanabara nos últimos anos. Muito se fala dos problemas da baía, mas já posso afirmar que vejo um aumento na vida marinha e águas cada vez melhores para o mergulho, principalmente na enseada de Botafogo e Urca", aafirmou Ricardo Gomes, que há 30 anos mergulha e filma um dos mais belos ecossistemas do mundo.
O que dizem os especialistas
Os impactos humanos sobre as águas da Baía de Guanabara foram tão severos ao longo dos anos que muitos julgaram a região como "morta". A poluição, a baixa visibilidade e estudos que apontam a contaminação da água levaram a população a crer que não haveria mais expectativas para a biodiversidade marinha. Por isso, as descobertas feitas pelo IMU foram recebidas com entusiasmo por biólogos.
Ao DIA, Salvatore Siciliano, biólogo e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), reafirmou que algumas espécies estão de fato retornando para a baía, mas que ainda assim há um longo trabalho na região. "Uma espécie símbolo dessa ocupação é a tartaruga verde, por exemplo, que se alimenta das algas. Presenciamos um ambiente um pouco melhor que nos anos 80 e 90, mas a gente ainda precisa fazer muito para que esse ambiente se recupere na sua maior parte", diz.
Salvatore Siciliano lembra dos botos cinzas que apareciam na baía, mas que com a poluição foram desaparecendo. "Ver os botos cinzas era uma cena comum para quem atravessava de barca, eles acompanhavam o caminho todo e hoje praticamente não se vê mais. Algumas espécies conseguem reocupar, mas muitas podem não conseguir. Pode-se considerar que há uma luz no fim do túnel e esperamos que esse programa continue, mas temos muito a fazer em questão de resíduos, lixo, incluindo ações conjuntas entre os cariocas".
O pesquisador da Fiocruz observa também fatores que continuam prejudicando o processo de despoluição na região. "Depois de uma chuva muito forte, por exemplo, boa parte de lixo acaba sendo levado para os rios e vai em direção à baía. Com isso, uma grande quantidade de plástico, não só físico como químico, também vão para o estuário.
A bióloga e mestre em Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de P.O.A pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Jéssica Nigro, reforça a importância da Baía de Guanabara para a vida marinha. "A Baía de Guanabara é uma das mais importantes bacias oceânicas que possuímos. Ela tem característica de estuário, que são ambientes costeiros caracterizados por gradientes de salinidade, reguladores de temperatura e ampla distribuição de nutrientes, principalmente, pelas faixas de manguezais. Esses locais formam berçários da vida marinha e locais de alimentação. Nesse processo de equilíbrio da Baía de Guanabara, ela vai poder desempenhar essa função de diversas formas", diz Jéssica Nigro.
A bióloga explica que o aparecimento das espécies funciona como bioindicador, já que os organismos aquáticos começam a entender que o espaço oferece condições para o que eles necessitam e passam a usufruir desse espaço como local de reprodução, desenvolvimento e alimentação. Jéssica Nigro também os benefícios da despoluição no estuário.
"A despoluição é extremamente necessária para a localidade. Inclusive, vem sendo discutida há décadas porque muitas espécies estavam desaparecendo da baía. Quando o local volta a ter as condições favoráveis para manter a vida das espécies, elas tendem a retornar e isso pode ajudar aqueles que estão ameaçados de extinção, como é o caso das tartarugas marinhas e do o boto cinza (Sotalia guianensis), por exemplo", diz.
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