Há três anos que a portuguesa Daniela Santos, de 32 anos, não sabe o que é entrar no mar. Após notar o aparecimento de úlceras nas suas mãos, ela procurou ajuda médica e descobriu que tinha uma doença rara e autoimune chamada esclerose sistêmica, que provoca o endurecimento da pele e de órgãos internos e cujos sintomas se agravam em temperaturas baixas. Desde então, para evitar a piora do quadro, Daniela não conseguiu mais frequentar as praias de sua cidade.
“O meu primeiro sintoma foi a síndrome de Raynaud, que consiste a uma resposta exagerada ao frio ou ao estresse emocional, deixando as mãos os pés e outras partes do corpo bem desconfortáveis, com formigamento, dormência e, em casos mais graves, úlceras”, explica Daniela. “Hoje em dia, continuo com a síndrome, mas está mais controlada”, completa.
No final de junho, foi celebrado o Dia Mundial de Conscientização da Esclerose Sistêmica. A data ajuda a conscientizar acerca da condição que atinge uma em cada 20 mil pessoas, segundo dados da Agência FAPESP. Por razões desconhecidas, ela afeta principalmente mulheres entre 40 e 50 anos. Para quem é atingido pela forma mais grave da doença, a taxa de mortalidade pode variar de 30% a 50% dentro de cinco anos.
Com relação à incidência, por ser uma doença rara, é difícil ter um registro preciso dos casos. Mas, segundo a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), atualmente, há 105 pacientes portadores cadastrados para receber gratuitamente medicamentos para o tratamento da doença.
Rotina de cuidados
Daniela Santos, de 32 anos, convive com a esclerose sistêmica desde 2021 - Arquivo Pessoal
Daniela Santos, de 32 anos, convive com a esclerose sistêmica desde 2021Arquivo Pessoal
Daniela Santos relata que, por conta do diagnóstico, teve que sair da fábrica de calçados que trabalhava, pois ela lidava diretamente com produtos químicos, o que intensificava as lesões em seus dedos. “Quando uma úlcera estava cicatrizando, aparecia outra. Fiquei em casa para me adaptar à minha nova realidade”, relata.
Deixando os filtros de lado, ela resolveu criar um perfil no Instagram (@ViverComEsclerodermia) para compartilhar a sua história e a forma como lidava com a doença. O espaço se tornou um meio para trocar mensagens de apoio entre os seguidores que passam pela mesma situação e compartilhar informações de forma acessível.
“Ainda havia poucas informações sobre essa doença, que eu própria não conhecia. E também criei o perfil para as pessoas terem mais atenção ao seu corpo, aos sintomas e para não ignorarem eles”, explica.
No Instagram, alguns dos comentários nas postagens são de apoio, outros de desabafo: “Parabéns pela iniciativa”, iniciou uma seguidora. “Não só nos ajuda a perceber um pouco o que essa doença implica, como também certamente ajudará pessoas que se encontram na mesma situação e não têm a sorte de serem diagnosticadas com tanta rapidez”, completou.
A paranaense e técnica em enfermagem Danieli Passos, de 32 anos, passou pelo mesmo processo, mas os sintomas dela vieram antes, em 2008.
Da mesma forma que acontece com outras pessoas diagnosticadas com esclerose sistêmica, Danieli não conhecia a doença e o processo para descobrir não foi fácil. Os médicos da cidade em que ela atualmente vive, em Palmital, no interior do Paraná, não conseguiram identificar o que era.
“Fui encaminhada para outra cidade e lá o médico achava que era problema do coração. Segui com o tratamento e eu ainda ia fazer uma cirurgia”, relembra. “Nesse meio tempo, fui embora para Santa Catarina, e quando cheguei lá, procurei ajuda do médico, que ia fazer a cirurgia do meu coração. Mas depois de passar por três a quatro médicos diferentes, eles descobriram o meu verdadeiro diagnóstico.”
A paranaense, que também é um exemplo de criadora de conteúdo envolvendo esclerose sistêmica, começou a abordar o assunto no seu TikTok no ano passado. Desde então, ela já conquistou mais de 33 mil seguidores e atingiu um total de 363 mil visualizações em dois conteúdos relacionados ao assunto com maior destaque em seu perfil. Com vídeos curtos, ela relata alguns dos sintomas e responde dúvidas do público, criando uma espécie de ‘grupo de apoio virtual’ com seus seguidores.
“No TikTok, eu vejo que ajudei várias mulheres. Muitas vêm me perguntar como eu lido e tento falar para elas serem fortes e não desistirem”, ressalta Danieli. “Eu fiquei mais segura para poder orientar e ajudar outras mulheres que nem sabiam que tinham a doença. Através de mim, elas começaram a ficar mais atentas, procuraram um médico e conseguiram descobrir a esclerose mais cedo.”
Nova realidade
Danieli Passos, de 32 anos, foi diagnosticada com a doença aos 15 anos - Arquivo Pessoal
Danieli Passos, de 32 anos, foi diagnosticada com a doença aos 15 anosArquivo Pessoal
Ainda que o diagnóstico possa assustar, Danieli acredita que ele não deve limitar o paciente. Ela, por exemplo, conta que continuou levando a vida normalmente e sempre fez tudo que sentia vontade. “Quando falam que a doença não tem cura, para muitas pessoas, assim como foi para mim também, é um choque. Tem que saber lidar com o seu psicológico”, esclarece.
No entanto, em casos onde a doença é mais severa, a pessoa acaba tendo o movimento das mãos limitado, sente dores por conta das lesões e pode até passar por um afinamento dos lábios, dificultando a mobilidade bucal.
“Eu notei a diminuição do meu nariz, da minha boca e o amortecimento das minhas mãos. Quando amortecia, e eu estava fazendo alguma coisa, tinha que esquentar água e colocar as mãos de molho para voltar ao normal”, descreve Danieli.
Já para Daniela, a pior parte da doença são as dores, causadas pelas lesões que costumam aparecer nas extremidades do corpo, como mãos e pés, quando a pessoa é submetida a temperaturas mais baixas.
“As dores que sinto são incapacitantes. Quando tenho uma crise muito grande, não consigo fazer nada. Eu tenho que aquecer as mãos para voltar a fazer outras atividades”, revela.
Para evitar agravamento do quadro, a médica e presidente da Sociedade de Reumatologia do Rio de Janeiro, Carla Dionello, alerta que é fundamental seguir algumas recomendações, como se agasalhar e evitar se expor a ambientes muito gelados. “A mudança de hábitos é fundamental.
Então, é muito importante ter cuidado com o aquecimento das extremidades e usar roupas agasalhadas”, recomenda. Em períodos com temperaturas mais baixas, ela indica que o paciente use toucas, gorros, cachecóis e luvas.
Além disso, Dionello explica que os exercícios físicos são essenciais, pois “ajudam com a circulação sanguínea”, impedindo o enrijecimento do movimento das mãos e pés.
Desde que recebeu o diagnóstico, Daniela conta que algumas atividades do seu dia a dia mudaram, como por exemplo “usar luvas para tudo: fazer limpeza, abrir o congelador, no inverno ou nos dias mais frios”. “O frio é o meu maior obstáculo”, enfatiza.
O fenômeno de Raynaud
Conhecida pelo nome de síndrome de Raynaud, o termo é considerado um sintoma da esclerose sistêmica. “O fenômeno de Raynaud tem três fases: uma fase inicial que a pele fica esbranquiçada, em um segundo momento começa a ficar arroxeada e num terceiro momento volta a ver a coloração avermelhada usual”, detalha a médica Carla Dionello. “A descoloração dos dedos, sob o ponto de vista fisiológico, tem a ver com a circulação sanguínea, que fica alterada na esclerose sistêmica”, acrescenta.
“A esclerose sistêmica também pode causar um inchaço difuso nos dedos dos pés e das mãos e, eventualmente, também problemas digestivos, como dificuldade de engolir e o refluxo gastroesofágico grave”, alerta.
Com nomes semelhantes, a esclerose sistêmica pode ser facilmente confundida com esclerose múltipla. Porém, são doenças bastante diferentes.
“A esclerose sistêmica, que era chamada de esclerodermia, é caracterizada como uma doença autoimune, inflamatória, crônica, que atinge a pele e órgãos internos. Enquanto isso, a esclerose múltipla é uma doença neurológica, também de origem autoimune, que tem como característica surtos de alteração de movimento, mas que não tem a implicação de comprometimento da pele e de órgãos internos igual a esclerose sistêmica”, destaca Dionello.
O tratamento da doença envolve o uso de medicamentos orais e tópicos. “Todos eles estão disponíveis no mercado e alguns deles pelo sistema público de saúde”, afirma.
Segundo Carla, “como toda doença autoimune, o estresse piora bastante”. Para Danieli, o efeito é imediato. “Quando eu fico estressada ou nervosa, parece que as mãos começam a travar.”
Para manter a esclerose ‘estabilizada’, é necessário que o paciente consulte o seu médico regularmente, tome as medicações corretamente, faça exercícios físicos e consulte um fisioterapeuta para auxiliar com o movimento das articulações. As causas da doença, no entanto, não são completamente conhecidas, por isso, não existe uma forma de prevenir a doença, apesar de novos medicamentos estarem sendo testados atualmente.
* Reportagem da estagiária Luana Pilatti, sob supervisão de Ana Carla Gomes
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