Priscilla Aguiar aplicou ácido hialurônico com uma biomédica e teve necrose no narizAcervo pessoal

A indústria da beleza segue em expansão, alimentada pela crescente oferta de procedimentos que prometem transformações rápidas e corpos ideais. O Brasil, segundo maior mercado de estética do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, vê uma alta demanda por cirurgias como lipoaspiração e aumento mamário, além de tratamentos não cirúrgicos como botox e preenchimentos. No entanto, a busca incessante pela perfeição estética tem exposto muitos pacientes, principalmente mulheres, a riscos, incluindo negligência e erros médicos.
Influenciada pelo que via nas redes sociais e com uma viagem marcada para Europa, a jornalista Priscilla Aguiar decidiu fazer uma rinomodelação e preenchimento labial em uma clínica de estética onde realizou o procedimento com uma biomédica estética. "Queria ficar mais bonita para a viagem. Foi uma decisão que tomei por impulso”, lembra. 
Ela conta que não conhecia o procedimento então realizou uma pesquisa rápida: “Vi que algumas pessoas tinham feito, tudo parecia muito simples, não vi nenhum caso de complicação. Também verifiquei se biomédicos eram autorizados a fazer e vi no site do Conselho de Biomedicina que sim. E eu sempre tive curiosidade de saber como ficaria o meu nariz se eu mudasse ele um pouco, desde criança essa era uma questão para mim. Então, eu decidi fazer a rinomodelação porque eu queria empinar um pouco a ponta do meu nariz”, conta.
No dia seguinte após a realização dos procedimentos ela notou uma coloração anormal e inchaço no nariz. “Eu fiz o procedimento numa quinta-feira, no final da tarde. Na sexta-feira, o meu nariz já estava esquisito, com uma coloração muito estranha, roxo, chegou a sangrar, e no sábado ele estava muito pior, sem cor e doendo muito, muito, muito. Então, no sábado, eu comecei a ficar realmente assustada e tentei contato com essa biomédica, quem me respondeu foi a secretária dela, e disse assim, pra mim: “a doutora recomendou que você colocasse um pouco de gelo”. Eu fiz o que ela recomendou, e a situação só piorou”, relatou.
Após muita dor e sem melhora, Priscilla foi à emergência, onde foi diagnosticada com necrose em três partes do nariz. Ela ficou internada por 12 dias e passou por um longo tratamento, que incluiu a aplicação de hialuronidase e um ano de sessões a laser para tentar minimizar as cicatrizes.
“Por um ano eu não podia pegar sol, eu não podia tomar banho de piscina, não podia tomar banho de praia. E fiquei muito, muito sensível com relação a absolutamente tudo. Então, eu engordei muito, eu já tinha um problema de autoestima que só piorou com isso. Então foi muito difícil emocionalmente lidar com isso tudo”, desabafa.
Priscilla criou uma página, com Rafaela Cavalcanti, que também foi vítima de um procedimento mal sucedido, chamada 'Estética de Risco' para compartilhar e alertar outras vítimas de procedimentos estéticos: “Pelo meu contato com ela, por todas as nossas conversas, por toda a dor que a gente sentiu, a gente resolveu criar a página. A ideia era contar a nossa história e também alertar sobre o risco dos procedimentos estéticos, mas se tornou algo muito maior”, conta a jornalista.
De acordo com a mais recente pesquisa global da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps), houve um aumento na cirurgia estética em todo o mundo. O relatório mostra que a lipoaspiração foi o procedimento cirúrgico mais comum em 2023 como em 2022, com mais de 2,2 milhões, seguido de aumento mamário, cirurgia palpebral, abdominoplastia e rinoplastia.

Já entre os procedimentos não cirúrgicos mais populares estão toxina botulínica, ácido hialurônico, depilação, peeling químico e redução de gordura não cirúrgica. O peeling químico entra no top cinco substituindo o endurecimento não cirúrgico da pele.
Redes sociais e a influência nos procedimentos
A dermatologista Laís Rios, especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia e membro da SBD, explica que as redes sociais influenciam diretamente o aumento na procura por procedimentos estéticos, transformando-os em objetos de desejo e até status social. Para ela, os pacientes buscam rejuvenescimento e embelezamento de forma natural:“os procedimentos estéticos mais populares atualmente são a aplicação da toxina botulínica e os preenchimentos com ácido hialurônico”, afirma.
Segundo Laís, quando os procedimentos quando bem executados, a melhora na autoestima e no bem-estar dos pacientes é evidente, refletindo-se em todas as áreas da vida. No entanto, a confiança no médico é essencial, especialmente quando há contraindicações.
Ela aponta que, por um lado, as redes sociais permitem que os pacientes se informem sobre as opções disponíveis e tirem dúvidas. Porém, também podem alimentar uma busca irreal pela perfeição, levando a transtornos psicológicos graves.
Para o dermatologista Tiago Silveira, especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), as redes sociais aumentaram muito a busca desses procedimentos “os artistas e influenciadores falam que realizam esses procedimentos e mostram o que é possível, o que é possível mudar, as vezes mostram procedimentos que os pacientes nem sabiam que existiam. Então, a gente vê antes e depois, a gente vê uma pessoa se tornando, às vezes, mais bonita com algum procedimento, ou até não ficando mais bonita, mas mostra que fez algum procedimento. Então, assim, a rede social levanta, acende aquela lâmpada no pensamento do paciente e fala, opa, será que se eu fizer isso vai ficar legal? Que, antigamente, a gente não tinha, não tinha essa divulgação tão grande, né? E isso afeta, com certeza, a percepção da beleza”, afirma.
Ele ainda acrescenta que os produtos são veiculados pela mídia, pelo que os artistas e influenciadores e isso pode criar uma dismorfofobia, que é quando a pessoa tem uma percepção irreal sobre seu aspecto físico, seu aspecto de beleza, o que incomoda esteticamente, e muitas vezes até pelo que está na moda hoje nas redes sociais, pelo acesso a informações sobre procedimentos estéticos. “As pessoas vão criando essa dificuldade de percepção do que é belo, do que não é, e às vezes iniciam a realização de procedimentos estéticos e aquilo meio que se torna uma bengala..Nesse caso, eu acho que cabe ao especialista, ao profissional que está realizando esse procedimento de saber tanto da fisiologia, da biologia, da anatomia desse paciente. A gente estuda também os padrões de beleza, a gente consegue saber, prever o que pode ficar bonito ou não, e cabe ao profissional que está realizando de vetar e bloquear esses exageros. Então, é muito importante a busca de um profissional adequado", afirma.
“Os procedimentos mais comuns, acho que o número 1 ainda é a aplicação de toxina botulínica para as rugas da face, e em seguida o que ficou muito popularmente conhecido como harmonização facial, e seria o preenchimento de diversas partes do rosto para buscar uma simetria, uma harmonia, o embelezamento de todo o rosto, desde a parte superior da fronte, da testa até a parte inferior do queixo, da mandíbula, do contorno do rosto, então preenchimento de várias áreas para buscar um embelezamento e harmonia da região, junto com a toxina botulínica, que é o Botox, que é famoso, a marca mais famosa que tradicionalmente a gente chama de Botox, mas isso é um nome comercial, que o nome do produto é a toxina botulínica, então acho que esses dois são os procedimentos mais buscados ainda. Eu acho que o que eles buscam alcançar, os pacientes buscam alcançar é isso, é embelezamento e melhora das proporções faciais da simetria".
O que é importante na hora de escolher o profissional
O dermatologista Tiago Silveira, especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), ressalta que a escolha do profissional adequado tem um impacto significativo tanto na segurança quanto nos resultados dos procedimentos estéticos. Ele observa que a falta de regulamentação rigorosa no Brasil permite que profissionais de várias especialidades e formações realizem esses procedimentos, mas muitos não se dedicam ao estudo profundo da área, especialmente no que diz respeito à prevenção e ao manejo de complicações. "Hoje em dia, vários profissionais de várias especialidades e formações fazem com liberação, só que a gente percebe que muitas vezes esses profissionais não buscam estudar profundamente o procedimento estético e, principalmente, a prevenção dos efeitos diversos e o controle e o manejo, caso o paciente tenha um efeito diverso," explica Silveira.
Silveira enfatiza a importância de escolher profissionais devidamente qualificados, como aqueles que possuem o Registro de Qualificação de Especialista (RQE) concedido pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. "Se o médico tem o RQE, eu acho que a gente já fica com um pouco de segurança, que esse médico vai conseguir realizar o procedimento com eficácia, dentro dos padrões de qualidade e segurança," afirma ele, destacando a relevância de verificar a formação e títulos dos profissionais antes de optar por qualquer procedimento estético.
Para ele, o médico tem que fazer uma boa entrevista com o paciente, em todos os aspectos de saúde, para saber se o paciente vai estar apto a realizar um procedimento com saúde e sucesso. “É preciso avaliar cada tecido, cada região onde o paciente quer realizar o procedimento para ver se vai também ter um resultado dentro do esperado e dentro dos critérios de segurança”, explica.
Ele destaca ainda que, enquanto a formação de um dermatologista especializado dura mais de nove anos, alguns profissionais se intitulam aptos após cursos rápidos de dois ou três dias. Isso, segundo ele, é perigoso, pois esses profissionais podem não apenas utilizar técnicas inadequadas, mas também recorrer a produtos de baixa qualidade, incluindo materiais ilegais e não aprovados pela Anvisa:"A gente tem visto muito no mercado produtos ilegais, contrabandeados, produtos que não têm liberação da Anvisa. Isso aumenta o risco de complicações e complicações graves," alerta.
Segundo o cirurgião plástico Leandro Ventura destaca a importância de estar atento aos sinais de alerta durante qualquer procedimento estético, desde os mais simples, como preenchimentos e toxina botulínica, até as cirurgias propriamente ditas:"Os alertas para qualquer procedimento estético, seja ele minimamente invasivo, como preenchimentos e toxina botulínica, até as cirurgias, são importantes. Muitas vezes vemos complicações que se agravam porque o paciente demora a buscar ajuda. Às vezes, a pessoa caiu nas mãos de um profissional menos experiente, que, mesmo sem más intenções, não soube lidar com o problema, ou até de um profissional mal intencionado, o que levou a uma complicação. Nessas situações, o profissional pode tentar esconder o problema, dizendo que está tudo bem, quando, na verdade, a paciente pode estar sentindo dor, notar uma coloração anormal na região operada, como vermelhidão ou escurecimento, e mesmo assim confiar cegamente no que o profissional está dizendo”, explica.
"No menor sinal de que algo está fora do esperado, entre em contato com o cirurgião. Ele é a pessoa mais indicada para orientar. E, reforçando o que eu já disse, se você perceber que algo está esquisito e não sentir confiança no profissional, busque outra opinião para não tratar a complicação tarde demais", aconselha Ventura.
Por isso, para ele, é importante buscar uma segunda opinião quando houver qualquer dúvida, mesmo que o profissional seja bem recomendado: "É claro que, quando você escolhe um bom profissional, é importante confiar nele. Mas, se houver alguma dúvida, peça uma segunda ou até terceira opinião. Muitas vezes, uma pessoa de fora pode enxergar o problema de forma diferente e ajudar a encontrar uma solução mais rápida, o que pode minimizar os danos. Algo que poderia necrosar, por exemplo, pode ser tratado a tempo, evitando complicações mais graves, como uma infecção", explica.
Além disso, Ventura salienta que a responsabilidade pelo sucesso do procedimento não é apenas do cirurgião, mas também do paciente:"Após o procedimento, o paciente também tem responsabilidades. É importante seguir as orientações do profissional, como repouso adequado, evitar esforço físico, manter a dieta sugerida e seguir todas as recomendações para garantir uma boa recuperação. Parte do trabalho é feito na cirurgia ou no consultório, mas a outra parte depende da recuperação saudável do corpo. O pós-operatório não é o momento de se expor a riscos desnecessários, como infecções, gripes ou alimentação inadequada. É fundamental cuidar bem da imunidade e evitar esticar cicatrizes, para garantir uma recuperação adequada”, orienta.
O cirurgião também ressalta a importância de verificar as credenciais do profissional e buscar referências reais, evitando confiar apenas em fotos e informações da internet:"É essencial verificar as credenciais do profissional e conversar com outras pessoas que foram tratadas por ele. Não se guie só por fotos da internet. Há muitas coisas falsas por aí, desde fotos manipuladas até perfis falsos criados para se autoelogiar. Isso é muito comum. Então, a pessoa precisa investigar bem antes de se decidir”, reforça o cirurgião.
Quem pode realizar os procedimentos
A escolha de profissionais para procedimentos estéticos no Brasil muitas vezes é guiada pelo preço e pela popularidade nas redes sociais, o que pode resultar em consequências graves e irreversíveis. A regulamentação da atuação na área estética é determinada pelos conselhos federais de cada profissão. Atualmente, algumas categorias da área da saúde como dermatologistas, dentistas, enfermeiros, biomédicos e farmacêuticos estão autorizadas por seus respectivos conselhos a atuar nesse campo.
Entretanto, a legislação define que apenas médicos podem realizar procedimentos invasivos, que envolvem intervenções mais profundas, como injeções e cortes. Esta é a determinação da Lei do Ato Médico (12.842/13), que, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), precisa ser observada para evitar riscos a pacientes, inclusive quando submetidos a procedimentos de finalidade estética.
Para o CFM, métodos realizados por indivíduos não médicos e à revelia da lei podem interromper vidas e deixar sequelas em homens e mulheres com promessas de resultados mirabolantes.
Após a morte de uma fotógrafa de 44 anos, em Cosmópolis (SP), depois de ter sido submetida a um procedimento estético para remover gordura localizada e diminuir a flacidez, os órgãos emitiram uma nota esclarecendo e alertando sobre os riscos de procedimentos estéticos realizados por profissionais não habilitados: "O Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) ressaltam que quem decidir passar por um procedimento estético, em especial os invasivos, deve buscar informações a respeito da capacitação dos profissionais envolvidos, buscar informações sobre o local onde será realizada a intervenção e fugir de promoções e ofertas com promessas milagrosas de resultados", disse o comunicado.
Em nota o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), informou que: "A atuação da Enfermagem estética é regulamentada pela Resolução Cofen nº 626/2020, a qual especifica o rol de procedimentos autorizados para realização, assim como define as exigências de especialidade dos profissionais habilitados "Art. 4º O Enfermeiro deverá ter pós-graduação lato sensu em estética, de acordo com a legislação estabelecida pelo MEC, e que no mínimo tenha 100 (cem) horas de aulas práticas supervisionadas”, disse a nota.
Segundo o Conselho Federal de Biomedicina, para atuar na área de estética, existe um processo criterioso de inclusão de habilitação, e somente o profissional biomédico com habilitação em biomedicina estética registrada no seu respectivo Regional está apto a realizar os procedimentos estéticos dentro dos limites estabelecidos pela regulamentação das resoluções n.º 197, 200, 241, 299 e 307 e Normativas 01/2012, 03/2015, 04/2015 e 05/2015, todas do CFBM, conforme o comando da Lei nº 6684/1979, que norteam a atividade profissional. 
O CFBM ainda ressalta que "o biomédico esteta tem atuação limitada aos procedimentos estéticos regulamentados pelo Conselho, o exercício profissional não permite o tratamento de patologias ou indicação de substâncias ou medicamentos que tenham como finalidade precípua o tratamento de patologias descritas no Código Nacional de Doenças. Por fim, vale ressaltar que que é dever do profissional biomédico ter ciência de seus direitos e deveres, conhecer e se manter atualizado quanto às legislações pertinentes ao exercício profissional e às resoluções, normativas e posicionamentos do Sistema CFBM/CRBM e demais entidades da categoria, assim como de outros órgãos reguladores da saúde".
De acordo com o Conselho Federal e Odontologia, existem duas resoluções publicadas pelo CFO, que estão vigente e que regulamentam a área na Odontologia que apresentam os procedimentos permitidos e os não permitidos aos cirurgiões-dentistas, são as resoluções 198/2019 e a 230/2020. O CFO recomenda que os pacientes realizem consultas e procedimentos com cirurgiões-dentistas habilitados e que sejam de sua confiança. O Conselho disponibiliza uma ferramenta para consulta da inscrição e especialidade do profissional no site do CFO:https://website.cfo.org.br/consulta-inscritos/