"Conheci algo pior do que a morte: o desaparecimento de uma pessoa da família, no caso a minha filha. Todo familiar de desaparecidos precisa de uma resposta. Toda morte tem um ritual. É uma história que não fecha. A gente não sabe se a pessoa comeu ou se está sendo maltratada". O desabafo é de Jovita Belfort, mãe de Priscila Belfort, que sumiu há mais de 20 anos e até agora não se tem novas informações que levem ao paradeiro da jovem.
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"Depois desse tempo todo ficou faltando alguma coisa. Não temos uma resposta. Os últimos dias da Pri (como se refere à filha) não foram investigados. Ela estava na casa da minha mãe e da minha irmã e nenhuma das duas foram chamadas para falar. Precisava ver a questão melhor. Ninguém veio ao mundo para desaparecer. Isso é desumano", disse Jovita, Superintendente de Pessoas Desaparecidas e Documentação Básica, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.
A história do desaparecimento de Priscila Belfort , irmã do lutador Vitor Belfort, virou documentário que está sendo exibido pela Disney + sob o título Volta, Priscila, dirigida por Eduardo Rajabally. Jovita conta que ficou muito emocionada ao assistir e elogiou os profissionais que fizeram o filme. "Hoje posso dizer que a Priscila é uma princesa da Disney". Apesar de tanto tempo, ela ainda tem esperança de encontrar a filha viva."Se eu puder escolher o fim, será o melhor".
Se a mãe de Priscila acha que ainda tem muito a que ser descoberto, a posição da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro é outra. Em email enviado à reportagem, afirma: A informação não procede. Segue nota sobre o caso: "A Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) se solidariza com a dor da família. Desde os primeiros momentos, todos os recursos disponíveis foram empregados a fim de elucidar o caso e esclarecer o paradeiro da vítima. Inúmeras diligências foram realizadas e diversas linhas de investigações foram checadas. Vale ressaltar que todas as denúncias relacionadas ao caso foram e continuam sendo exaustivamente apuradas pela Delegacia Antissequestro (DAS)".
Dão da Providência é inocentado
No dia 9 de janeiro de 2004, Priscila Belfort, na época com 29 anos, acordou indisposta e sua mãe, Jovita Belfort, a levou de carona até seu trabalho, em um prédio da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio. De acordo com investigações, Priscila chegou ao escritório por volta das 11h e fez algumas ligações telefônicas. Um funcionário do prédio em que ela trabalhava a viu caminhando, por volta das 13h, na Avenida Marechal Floriano, próxima à Presidente Vargas. Foi a última vez que a irmã do lutador Vitor Belfort foi vista.
No mesmo ano, em maio, o Disque Denúncia ofereceu uma recompensa no valor de R$ 5 mil para pistas que levassem até Priscila. Foi a primeira vez que se pagou por notícias sobre um desaparecimento. Em julho, Evanilson Marques da Silva, conhecido como Dão, chefe do tráfico do Morro da Providência, que está em prisão domiciliar por bom comportamento, é preso e levantam a hipótese de que sua quadrilha estaria envolvida no desaparecimento de Priscila, o que não foi comprovado. Na época, o traficante foi solto e depois preso novamente por outros crimes.
Em setembro de 2004, houve operação policial no Morro da Providência, em busca de uma garagem desativada onde Priscila estaria, segundo ligações recebidas pelo Disque Denúncia. No final do ano, a 127ª DP (Búzios), na Região dos Lagos, recebe uma denúncia anônima garantindo que o corpo de uma mulher encontrado carbonizado em um carro seria o de Priscila. São realizados exames de DNA, mas o resultado é negativo.
De acordo com o Anuário da Segurança Pública 2024, o Brasil registra cerca de 80 mil casos de desaparecimento por ano. Em 2023, o número foi de 80.317, aumento de 3,2% em comparação com os números de 2022. A maior parte dos desaparecidos são crianças, adolescentes e idosos.
Trabalho em padaria
Graças ao bom comportamento do traficante Evanilson Marques da Silva, durante o período de reclusão no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, a juíza Alessandra Roidis permitiu que Dão tivesse direito à prisão domiciliar. A decisão foi tomada pela Vara de Execuções Penais da Justiça do Rio de Janeiro, e o traficante poderá passar as noites em casa, os finais de semana e trabalhar durante o dia fora do sistema prisional. Dão vai exercer atividades de auxiliar de serviços gerais em uma padaria no Centro do Rio, das 6h30 às 15h30, de segunda a sexta, utilizando tornozeleira eletrônica para monitoramento. Qualquer deslocamento para fora do estado ou mudança de endereço dependerá de autorização judicial.
O traficante foi preso em 2021 e recentemente transferido para o presídio Laércio da Costa Pelegrino (Bangu 1) após a descoberta de um túnel que seria usado pelos detentos do Comando Vermelho para escapar do Instituto Penal Vicente Piragibe, no Complexo Penitenciário de Gericinó.
Entenda um pouco mais
De acordo com um advogado criminal, que pediu para não ser identificado, o inquérito funciona dessa forma:
"As investigações são feitas através do inquérito. Quem preside o inquérito é a autoridade policial, um delegado ou uma delegada de polícia, e existe um prazo para encerrar o inquérito. Quando o prazo se encerra, eles mandam para o Ministério Público, que normalmente devolve para cumprir diligências. E fica nesse pingue-pongue: Polícia e Ministério Público. O inquérito se presta para colher elementos mínimos de autoria e materialidade do crime. O que é autoria? Quem praticou o crime? O que é materialidade? É a prova de que existiu o crime. A prova não. Elementos de prova de que o crime de fato existiu. O que se tem notícia é um desaparecimento e se supõe que houve um homicídio. Só que o homicídio é um crime que deixa vestígios. E cabe no inquérito acolher esses vestígios para ter a materialidade do crime de homicídio. Eles nunca conseguiram os vestígios, que naturalmente é o corpo. Da mesma forma eles nunca conseguiram elementos mínimos de autoria. Então, ficou o desaparecimento e um possível homicídio. Como não colheu, não conseguiram chegar elementos de autoria nem materialidade, o Ministério Público promoveu o arquivamento do inquérito policial. Só que, a qualquer tempo, o caso pode ser desarquivado, o inquérito pode ser desarquivado, desde que surjam fatos novos. Pode ser que o documentário Volta, Priscila tenha trazido fatos novos que justifiquem a reabertura do caso. Ou seja, que justifique o desarquivamento do inquérito policial. Aí o Ministério Público desarquiva e devolve para a delegacia para apurar esses fatos novos. E ver se com isso consegue chegar a alguma autoria e a materialidade do crime. Depois que colher esses elementos mínimos, aí vira uma ação penal, que não é o caso ainda".
De acordo ainda com o profissional, o prazo é de suma importância para as investigações. "Processualmente falando, ele pode ser descumprido, o que não significa dizer que impede as investigações. Salvo engano, é um prazo de 90 dias. Então, passaram os 90 dias, a delegacia manda para o Ministério Público. Aí volta por mais 90 dias e fica nisso. Como o inquérito foi arquivado e desarquivado, eles têm para encerrar definitivamente as investigações o prazo prescricional do crime. Ou seja, se há uma suspeita de homicídio, que é um crime grave, até a prescrição desse crime que pode se investigar. E o prazo para homicídio é longo, principalmente se for homicídio qualificado".
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