"Comecei a viver agora depois de trabalhar tanto. O teatro está me revigorando. Está sendo uma experiência ótima". As palavras são de Maria de Lourdes Theodoro Frederico. Aos 94 anos, ela e sua filha, Elecir Maria Frederico, de 61, saem de casa, em Anchieta, para fazer aulas nas oficinas gratuitas de teatro e interpretação em TV do Teatro Moral da História, no Recreio.
A distância de mais de 30 quilômetros não é nenhum empecilho para mãe e filha que estão amando as aulas dadas todas às terças e quintas-feiras, das 19h às 20h. "É a primeira vez que faço teatro e estou amando. O velho é assim meio desprezado. Lá (no teatro) eu sou muito amada. Estava cansada de bordar, de fazer crochê. Estou adorando as aulas. É uma coisa muito boa. Eu me divirto. Às vezes rio tanto que minha filha me catuca", (gargalhadas), diz dona Lourdes, admirada com uma velhinha que brigava em cena. Eu vi numa peça e gostei muito".
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Para dona Lourdes, estar no teatro é uma experiência única. "Eu quero a vida, e isso significa cantar, dançar, falar, decorar texto… Fiquei muito feliz quando ele me chamou para participar. Eu já considero o Luiz (um dos professores) como meu neto. Só Deus sabe a alegria que eu sinto", conta a quase centenária. Filha de peixe, peixinho é. Portanto Elecir também está adorando a experiência de cursar teatro. "Tenho uma história antiga, mas como o tempo era curto eu não conseguia fazer aulas. Chegamos a pensar em nos matricular num teatro onde moramos, mas estava em obras e ficamos meio tristes".
Mas como os sonhos precisam ser realizados e a força divina sempre aparece, mãe e filha estavam assistindo a uma missa do padre Marcelo Rossi num domingo de manhã e logo depois souberam, pelo Globo Comunidade, que haveria aulas de teatro no Recreio com o professor Luiz Antonio do Nascimento. "Logo convocaram minha mãe e eu passei a fazer o curso também. As aulas são ótimas, tem parte teórica e prática. Fizemos uma peça antes das eleições", diz Elecir, que adora o convívio com as pessoas.
"Na época da pandemia todo mundo dizia que queria sair e encontrar as pessoas. Agora é tudo virtual. Quando a Covid acabou eu fiquei decepcionada com as pessoas. Ninguém se encontra. As pessoas estão muito violentas. Ter dois milhões de amigos virtuais para mim não funciona. Fazer esse curso é uma forma saudável de convivência", afirma ela, que adoraria interpretar a personagem Carminha, da novela Avenida Brasil e recentemente assistiu à peça O Cravo e a Rosa. "Interação total com a plateia".
Diretor artístico e professor do Teatro Moral da História, no Recreio, Luiz Antônio do Nascimento, de 37 anos, exalta a importância da atividade na vida dos mais experientes. "A longevidade nos emociona. Quando a dona Lourdes chegou, ela falou assim: é a minha filha que quer fazer teatro. Acho que para a velhinha aqui não dá mais, o tempo passou, mas que nada. Começou uma brincadeira para soltá-la e, ao longo do processo, o corpo dela começou a ficar mais ativo, conseguimos desenvolver o alongamento. No início, ela chegava na sala, ficava sempre sentadinha, fazia uma dinâmica ali ou outra, e hoje faz uma hora de aula sem cansar. Então, ela levanta, movimenta-se, faz todos os exercícios. É uma aluna extremamente participativa, então a gente vê o teatro como um lugar realmente para colocar os nossos sentimentos, as nossas emoções, mas acima de tudo trocar experiências", conta o professor.
Para Luiz Antonio, essa interação entre as gerações permite um desenvolvimento ainda melhor. "Então o que a dona Lourdes hoje oferece para a gente, do olhar, no tempo, na fala dela, em toda a vivência dela, é sensacional para o teatro. Então, ela faz aula com alunos de 18, de 20 anos. A gente fez questão de que a nossa turma de adulto fosse com todas as idades, exatamente para podermos trabalhar nas mais variadas camadas. No teatro conseguimos fazer essa troca. Então, turma de idoso e baby, que é a nossa turma de 4 a 6 anos, se mistura. E isso remoçou muito a nossa turma da melhor idade e traz uma responsabilidade para os menores, que é uma coisa muito gostosa".
De acordo com o profissional, quando existe acolhimento é meio caminho andado para as coisas darem certo. "Fico muito emocionado quando eu vejo a felicidade da dona Lourdes, a fala dela, e a da filha, Elecir, porque é o que motiva a gente, o nosso combustível. Eu comecei com seis anos de idade no meu ofício e hoje eu estou com 37, são 31 vivendo de arte. Eu nunca fiz outra coisa sem ser atuar, sem ser dirigir, sem ser produzindo, sem ser ativo em arte. A gente vem lutando muito para, de fato, ter a valorização da arte, ter a valorização do teatro no lugar que é dele de direito’’. “Nossa sociedade tem o costume de estabelecer limites de idade e achar que já é tarde demais para certas coisas. Nunca é tarde ou cedo demais para se arriscar nos palcos e Dona Lourdes é prova disso”, disse Livia Santhiago, atriz e professora da oficina.
Teatro Moral da História
Inaugurado em 2 de agosto deste ano, no Recreio dos Bandeirantes, o Teatro Moral da História realizou uma homenagem para o ator Jackson Antunes dando o nome em uma das salas. "O seu Jackson tem uma trajetória através da nossa companhia, uma parceria muito legal, muito sólida. Então, ele sempre esteve com a gente ao longo desses 15 anos de trabalho. e a partir do momento que a gente consolidou e a gente tinha um espaço, a gente quis homenagear ele e colocar o nome da sala".
Luiz Antônio explica que o Centro Cultural tem como principal objetivo valorizar as companhias que estão iniciando e não têm espaço, valorizar os artistas não só da Zona Oeste, mas do Rio de Janeiro como um todo. "Queremos consolidar valores, esse lugar do amor, da afetuosidade, que a gente tem construído e que tem sido muito especial. Eu acho que vai além do teatro. O teatro é sensacional porque ele dá tato, dá temperatura, a gente consegue conscientizar, levar muitas mensagens, mas, sobretudo, transpor os nossos sentimentos e as nossas emoções".
Especialistas falam da importância das atividades na terceira idade
Diretor Geral do hospitais Casa São Bernardo e Casa Santa Cruz, o geriatra Raphael Figueiredo Pereira fala sobre a importância das atividades. "Na terceira idade um dos pilares principais para um envelhecimento saudável é a atividade física, tantos exercícios resistidos como musculação, fisioterapia, pilates, como também exercícios aeróbicos como caminhada, corridas, pedaladas são essenciais para uma melhor qualidade de vida".
Segundo o profissional, a atividade física promove maior elasticidade e estabilidade corporal, além de melhoria na lubrificação das articulações, mas também melhor padrão cardiovascular do organismo humano, consequentemente uma vida mais saudável sem dores articulares, como em coluna ou joelhos, um controle dos níveis pressóricos e glicêmicos, consequentemente uma estabilização de doenças ou problemas crônicos que um idoso possa ter. Sem contar com o grande ganho que uma vida ativa proporciona que é manter a mente sã, pois corpo ativo significa boa saúde mental, prevenindo déficits cognitivos, retardando os quadros demenciais. Portanto, se um idoso busca longevidade com qualidade de vida muito importante manter-se ativo associado a uma alimentação saudável e um bom padrão de sono".
O neuropsicólogo Rodrigo Maciel afirma que diversificar atividades é extremamente benéfico para o cérebro porque isso estimula diferentes áreas e redes neurais, promovendo uma maior plasticidade cerebral. "Isso significa que o cérebro pode se adaptar e criar novas conexões (sinapses) em resposta a desafios variados. Portanto, essa diversidade é fundamental em pessoas na terceira idade para preservar funções cognitivas, como memória e atenção, além de promover o bem estar social e emocional, contribuindo com uma melhor qualidade de vida".
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