O caso ocorreu na Rua Carlos Palut, próximo à Praça do Merck, na Taquara, na Zona Oeste, por volta das 2h10, neste sábado (30). De acordo com a vítima, o agente atirou na sua perna porque ele se recusou a subir até o apartamento para deixar a encomenda. Um vídeo, compartilhado na própria rede social de Valério, mostra o policial falando "você não subir é uma parada", atirando e reclamando da gravação.
Neste domingo (31), Ferrarini teve a prisão temporária decretada após representação da 32ª DP (Taquara), responsável pela investigação do caso. A advogada Thaís Loureiro, que defende o entregador, afirmou que, se não fosse a gravação, o policial penal poderia ter matado o motoboy.
"Ele está respondendo por tentativa de homicídio qualificado. Conseguimos comprovar que havia sim a intenção de matar e que ele só não finalizou, só não concretizou a morte, porque Valério iniciou as gravações. Caso contrário, com certeza, na clandestinidade, haveria sim a execução", disse.
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou, também neste domingo (31), que instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o agente, além de tê-lo afastado de suas funções por 90 dias.
"A Seap não compactua, em hipótese alguma, com atitudes dessa natureza. Atitude essa que não representa a grande maioria da polícia penal do Rio. Nossa Corregedoria acompanha o caso junto à Delegacia de Polícia e nos solidarizamos com o entregador Valério Júnior", declarou a secretária Maria Rosa Nebel.
O entregador, que recebeu atendimento no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, também na Zona Oeste, não sabe como será para conseguir dinheiro enquanto se recupera. "Está tudo bem comigo. Tô me recuperando, algumas dores, mas o remédio tá pra aliviar. Há preocupação de como irá ficar as coisas sem trabalhar, mas tá tudo tranquilo. A minha família está feliz que eu tô bem", disse nas redes sociais.
A investigação segue em andamento na 32ª DP.
Agente alega tiro acidental
Neste sábado (30), José esteve na delegacia para apresentar a sua versão dos fatos. Durante o depoimento, o policial alegou que a arma disparou acidentalmente na direção do chão, atingindo a perna do entregador. Além disso, o agente alegou que se sentiu intimidado por Valério e afirmou que ia prestar socorro. Os investigadores apreenderam a arma usada no crime para perícia.
Na decisão de decretação da prisão temporária, a juíza Nathalia Calil Miguel Magluta, do Plantão Judicial da Capital, do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), destacou que as imagens contradizem a fala de Ferrarini.
"Não há qualquer evidência, nem mesmo indício remoto, de que o representado estivesse, ao momento do disparo, sentindo-se verdadeiramente intimidado pela vítima, como afirmou. Ao contrário, o que se vê, nas imagens, é que o representado agiu de forma agressiva e, com a arma em punho, intimidou e ameaçou a vítima por motivo absolutamente fútil, já que a celeuma se referiu ao local apropriado para a finalização da encomenda. O representado, então, diante da gravação das imagens pela vítima, claramente irritado com a narração que ela pretendia iniciar naquele momento, terminou por fazer o disparo com sua arma de fogo de modo que, pelas imagens apresentadas, não há como reconhecê-lo, por qualquer prisma, como acidental", escreveu.
De acordo com a magistrada, os relatos e a confissão do próprio investigado comprovam o crime. Em sua justificativa, Magluta ressaltou que a liberdade do investigado apresenta risco à vítima e testemunhas.
"Evidente a necessidade de sua custódia cautelar a fim de que seja devidamente concluída a investigação em curso, evitando-se não apenas o risco de fuga, mas também eventual risco à vítima e a possíveis testemunhas do fato, já que toda a ação deu-se à frente da portaria do condomínio em que reside, em plena via pública", alegou.
Protesto
O crime gerou diversos protestos nas redes sociais e, inclusive, presencialmente. Neste sábado (30), um grupo de entregadores se reuniu na frente do condomínio onde o caso ocorreu para cobrar respostas do policial.
Políticos de diferentes partidos também se posicionaram sobre o assunto. "Isso é um absurdo, inaceitável, inconcebível. Esse crime não ficará impune. Um crime bárbaro. Medidas cabíveis serão tomadas", disse o deputado estadual Filippe Poubel (PL).
A vereadora Thaís Ferreira (Psol) pediu uma investigação rigorosa e punição ao agente: "A crueldade contra um trabalhador que apenas fazia seu serviço é inaceitável e revoltante. Exigimos justiça por Valério".
Em nota, o iFood comunicou que não tolera qualquer tipo de violência contra entregadores parceiros e lamentou o que ocorreu com Valério. A empresa destacou que conta com uma Política de Combate à Discriminação e à Violência para oferecer um ambiente ético, seguro e livre de qualquer forma de violação de direitos para todos.
"Quando as regras são descumpridas, são aplicadas sanções que podem ir de advertências até o banimento da plataforma", diz o texto.
A plataforma esclareceu também que a obrigação do entregador é deixar o pedido no primeiro ponto de contato, seja o portão da casa ou a portaria do prédio. Essa é a recomendação passada aos parceiros e aos consumidores.
Em 2024, a empresa lançou no Rio a campanha Bora Descer, que tem o objetivo de incentivar os clientes a irem até a portaria de seus condomínios para receber os pedidos de delivery, como forma de respeito aos entregadores.
"O iFood vai disponibilizar ao entregador Valério os serviços da Central de Apoio Jurídico e Psicológico, oferecido em parceria com a organização de advogadas negras Black Sisters in Law, garantindo acesso à justiça e assistência emocional ao parceiro. A empresa está à disposição das autoridades para colaborar no que for necessário. Esperamos que o caso não fique impune e que Valério Junior se recupere rapidamente", ressaltou.
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