Para Bruno Lima Rocha, EUA repetem tática usada nos anos da Guerra FriaArquivo Pessoal
“Todo o imbróglio da Lava Jato se deu porque o Brasil estava tendo relações diretas com o FBI [Departamento Federal de Investigação dos EUA] por meio de autoridades do Ministério Público e até da Justiça”, lembra o cientista político, jornalista e professor de relações internacionais das Faculdades São Francisco de Assis (Unifin), Bruno Lima Rocha.
'Incomum e inadequada'
A carta enviada à Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro foi assinada pelo representante da Divisão Antidrogas dos EUA, James Sparks. Ela manifesta as condolências do governo norte-americano pela perda de quatro policiais durante a Operação Contenção nos complexos do Alemão e da Penha. A operação, entretanto, registrou 121 mortes. Na sequência, colocou-se à disposição para “qualquer apoio que se faça necessário”.
“Isso não é algo que caiba ao governo dos Estados Unidos fazer. Afinal de contas, eles têm uma série de problemas com drogas também, com o narcotráfico e com grupos ilegais como a máfia. E ninguém faz isso quando acontece alguma coisa como essa nos EUA”, argumentou Seabra.
Guerra fria
“Essa ideia de classificar como narcoterrorismo seria uma espécie de uma ingerência”, disse Rocha ao lembrar que, assim como Israel, os EUA sempre tentam entrar no nível da chamada "paradiplomacia", que, segundo o professor, é uma relação entre níveis de governos subnacionais: secretarias de Estado, prefeituras e demais níveis de governo que estão abaixo do governo dos países.
Dessa forma, acrescenta, toda força policial ou militar que tem elementos de ligação com instituições locais pode também acabar tendo uma série de vínculos com o governo dos Estados Unidos e os governos subnacionais do Brasil, “atropelando ou passando ao largo da diplomacia formal do Itamaraty”.
Narcoterrorismo
“O terrorismo tem motivação doutrinária, religiosa, ideológica, política. É um projeto de poder, e não um projeto de acumulação de riqueza. É uma situação muito arriscada, principalmente neste período pré-eleitoral, em meio às tensões vividas em todo o continente”, acrescentou.
Em outubro, Trump admitiu ter autorizado a Agência Central de Inteligência (CIA) a conduzir operações secretas na Venezuela, com o objetivo de pressionar o regime do presidente Nicolás Maduro, sob o argumento de que grandes quantidades de drogas estariam entrando em território norte-americano.
Soberanias violadas
“Eles bombardeiam e assassinam as pessoas, sem muito critério. A questão da Venezuela está mostrando que [os EUA] violam soberanias em nome de um terrorismo supostamente cometido pelo narcotráfico”, disse, ao lembrar que o México também está sendo ameaçado pelo vizinho.
“A presidente Claudia Sheinbaum, inclusive, já declarou que não aceita qualquer ação por terra da CIA dentro do território mexicano. E, de fato, há uma relação bem mais conhecida e complexa do narcotráfico mexicano com os Estados Unidos”, acrescentou.
Para o professor da UnB, a estratégia dos EUA vem desde os anos 50.
“Eles constroem um inimigo externo, infiltrado, e elaboram uma situação em que todo indivíduo é um possível transgressor. Definem um padrão do que é suspeito; do que é terrorista; e do que é insurgente. Adotam então estratégias que são informais, não estatais e ilegais”.
O que fazer
“Esta é uma questão própria nossa. Deveria ser de buscar uma solução nacional para o problema. Enfrentar o crime organizado na fonte de recurso, e não só na base da pirâmide, atacando os pequenos criminosos, sem chegar aos cabeças da organização”, disse.
Rocha defende que, diante do comunicado dos EUA ao Rio de Janeiro, o ideal é uma resposta conjunta de autoridades federais, como Polícia Federal e Itamaraty.
“Eles precisam dizer que o governo do Rio de Janeiro é um dos que não apoiaram a PEC da Segurança Pública, ao lado de operadores políticos que fazem demagogia policial penal. Precisam chamar atenção ao fato de que, ao lado de outros governadores de direita, eles estão tentando se subordinar a um governo estrangeiro”, acrescentou.
Ele sugere, também, tipificar essas atitudes, na forma da lei, como violação de soberania e crime de traição à pátria.
Resposta do governo do Estado
"É neste contexto que o DEA se coloca à disposição para qualquer apoio que se faça necessário. James M. Sparks, que assina a nota, trabalha no Consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro. Essa interlocução nada tem a ver com qualquer permissão a ações do governo americano em solo brasileiro. Até porque não é permitido pela legislação brasileira", diz o comunicado.
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