Carcaças de veículos, possivelmente roubados, abandonadas às margens do Rio Acari, no Complexo da Pedreira.Érica Martin/Agência O Dia

Rio - Um "cemitério de carcaças de veículos" a céu aberto. Foi nesse estado que a reportagem de O DIA encontrou o Rio Acari, na altura da Favela do Bin Laden, que pertence ao Complexo da Pedreira, Zona Norte do Rio, nesta segunda-feira (10). No local, foram encontradas diversas peças automotivas possivelmente oriundas de veículos roubados e desmontados. 
Veja fotos abaixo:

A região de Acari, formada por 25 bairros, é uma das que apresentam maior incidência de roubo de veículos na cidade. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), apenas em agosto deste ano foram registrados 1.016 roubos de veículos no município do Rio de Janeiro. Na Zona Norte, a área que contempla Acari, Barros Filho, Costa Barros, Parque Colúmbia e Pavuna foi a que registrou maior aumento de ocorrências entre janeiro e agosto, passando de 674 em 2024 para 903 em 2025, um crescimento de 34%.
A situação não é nova. Em maio de 2018, a equipe de O DIA já havia visitado a mesma área e encontrado um cenário semelhante, com dezenas de carcaças de automóveis descartadas de forma irregular. Sete anos depois, o problema persiste.

Impactos ambientais

Os pedaços de metal, ferragens e estruturas automotivas se acumulam às margens do rio, bem próximo das casas dos moradores da comunidade, transformando o espaço em um local inseguro até para se morar. Frequentemente, a região sofre alagamentos provocados pelas fortes chuvas, especialmente no verão.

Para o biólogo Mario Moscatelli, que há mais de 30 anos se dedica à recuperação de ecossistemas costeiros degradados, os riscos de contaminação do solo e da água são altos, além dos efeitos negativos na qualidade de vida da população local.

"O resíduo, seja ele de qual tipo for, mas principalmente esse tipo de material, afeta diretamente a capacidade de escoamento das águas, resultando no acúmulo de mais resíduos e sedimentos, o que agrava o risco de inundações. Isso sem falar que todos os rios vão para algum lugar, geralmente baías, e, durante chuvas torrenciais, essas carcaças podem ser arrastadas, indo "repousar" no fundo dessas pobres baías. Tudo errado!", analisou o especialista.

Ainda segundo Moscatelli, esses objetos podem levar décadas para se decompor, dependendo do tipo de material. "Se tiver pneu envolvido, não há previsão de decomposição", alertou.
O geólogo e autor do livro "Planeta Hostil", Marco Moraes, listou os principais impactos impactos ambientais. "Incluem contaminação do solo por óleos e metais pesados, formação de película oleosa na água que bloqueia oxigênio e luz solar, morte da fauna aquática, poluição de lençóis freáticos, liberação de gases tóxicos pela queima de peças, e acúmulo de resíduos não biodegradáveis como pneus e plásticos que persistem por séculos", explica. 
O especialista comentou ainda sobre os riscos de contaminação para as famílias que moram próximas ao local: "Há risco significativo. Metais pesados presentes nos óleos são cancerígenos e podem contaminar água potável de poços. Exposição prolongada causa danos à pele e problemas respiratórios. Pneus acumulam água criando focos de mosquitos transmissores de dengue, zika e chikungunya, representando ameaça direta à saúde das famílias".

Limpeza no Rio Acari

Em outubro deste ano, a Prefeitura do Rio incluiu no Plano Verão 2025/26 as obras do PAC da Bacia do Acari. Conforme apresentado pelo vice-prefeito Eduardo Cavaliere, o projeto, com investimento de R$ 368 milhões, prevê melhorias no controle de enchentes e no saneamento de áreas densamente povoadas da Zona Norte.

"Ao todo, nove bairros receberão obras que vão beneficiar 79 mil pessoas. Haverá também a intervenção em 3,8 km do rio, entre Jardim América e Acari, com um desassoreamento exclusivo para o Rio Acari", informou a prefeitura na época do lançamento do Plano Verão.

Em nota, a Fundação Rio-Águas, responsável pela limpeza e desassoreamento do Rio Acari, informou que programou o início dos serviços de retirada das carcaças no leito, no trecho de Fazenda Botafogo, para ainda este mês.

Em 2023, a Fundação disse ter realizado um trabalho de limpeza no rio, retirando mais de 191 mil toneladas de material do canal, o equivalente a cerca de 16 mil caminhões basculantes de 12 toneladas, em uma extensão de 3,1 km de curso d'água.
Em relação a possíveis investigações sobre a origem das carcaças, que podem ser de veículos roubados, a Polícia Civil também ainda não se manifestou.
*Colaborou Érica Martin.