Nuno5fevARTE O DIA

Para quem imaginou que o ano de 2023 terminaria como começou e que toda a agenda nacional seria consumida pelas discussões em torno da confusão que houve em Brasília no dia 8 de janeiro, chega a ser reconfortante notar que há pessoas interessadas em construir pontes ao invés de aprofundar o fosso que tem dividido o país nos últimos anos. E que, em lugar de insistir no discurso de ódio que há anos reduz a política brasileira à disputa do “nós” contra “eles”, buscam superar as divergências e encontrar um caminho que beneficie a sociedade — sem querer saber em quem o eleitor de um determinado estado votou ou deixou de votar nas últimas eleições.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece não ligar para as divergências e se mostra disposto, como prometeu na campanha, a governar para todos. Neste ponto, vale uma observação! É preciso não confundir aquilo que o presidente fala com as decisões que ele toma. Em seus pronunciamentos, Lula não perde uma oportunidade de criticar o ex-presidente Jair Bolsonaro nem de ameaçar com punições exemplares os responsáveis pelo 8 de janeiro. Quando ele age, porém, nada disso parece ter importância. Lula tem demonstrado à frente do governo sua conhecida capacidade de superar divergências e de não fazer distinções entre os que votaram e os que não votaram nele. E sua habilidade em atrair antigos aliados e transformá-los em aliados. Nesse aspecto, ele e seu governo merecem o reconhecimento geral!
Ao chamar, na sexta-feira retrasada, dia 27 de janeiro, os governadores das 27 unidades da federação para uma reunião destinada a discutir projetos para o desenvolvimento do país, Lula não parecia preocupado em saber a que partido os convidados pertenciam nem em quem os eleitores de cada estado votaram nas eleições do ano passado. Caso tivesse se deixado influenciar por fatores como esses, um dos nomes excluídos da lista teria sido o do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro.
Filiado ao PL, o partido de Bolsonaro, Castro fez campanha aberta contra Lula nas eleições passadas. Eleito em primeiro turno, ele continuou pedindo votos para o correligionário. No final, Bolsonaro, ficou com 56,5% do total de votos válidos. Lula, por sua vez, conquistou no segundo turno a preferência de apenas 43,5% dos eleitores fluminenses.

SINAIS POSITIVOS
O que esses números têm a ver com o que pode acontecer agora? Nada. Eles são apenas reflexo da situação que marcou a disputa eleitoral do ano passado e que mostrava, no estado do Rio, uma forte rejeição a Lula e ao PT. A questão, agora, é saber como estará o ânimo do eleitor em outubro de 2026 — e isso dependerá, mais do que de qualquer outra variável, da maneira como Lula tratar o Rio em seus quatro anos de mandato. Os sinais, até agora, são positivos.
Lula sabe, e demonstrou isso em suas passagens anteriores pelo Planalto, que o Rio tem um poder de irradiação suficiente para influenciar a popularidade de qualquer governante. Ele e seu governo têm muito mais a ganhar do que a perder caso tratem o estado com atenção e generosidade (tomando, desta vez, o cuidado de não permitir que o dinheiro público destinado a projetos fluminenses seja subtraído nas tenebrosas transações que custaram caro ao povo em governos passados. E que deixaram o estado em petição de miséria).
O Rio e sua economia precisam ser revigorados por projetos capazes de ativar os negócios gerar empregos, melhorar a distribuição de renda e, por consequência, elevar a qualidade de vida da população. Se o presidente e o governador deixarem para trás as diferenças e se entenderem em torno de um plano para o estado, a população ganhará e eles também ganharão. Do contrário, todos (eles inclusive) perderão e o Rio não conseguirá romper o círculo vicioso que o empurrou para a situação de deterioração que o consumiu nos últimos anos.

SERRA DE PETRÓPOLIS
Os movimentos feitos pelos dois lados até aqui são animadores. Na reunião com Lula da sexta-feira retrasada, e que contou com a presença dos chefes de governo das 27 unidades da federação, Castro apresentou a lista dos projetos de infraestrutura que considera prioritários para o desenvolvimento do estado nos próximos anos. A pedido do presidente, ele fez como os demais governadores e escolheu quatro projetos que podem ser postos para andar imediatamente.
Os projetos escolhidos, juntos, demandarão investimentos da ordem de R$ 14,9 bilhões e estão longe de resolver todos os problemas da economia do Rio de Janeiro. Mas podem sem dúvida alguma, ser um bom começo. Caso eles sejam mesmo implementados e concluídos num período de tempo relativamente curto, poderão desencadear uma revolução logística que dará suporte a outros investimentos e gerará a reação em cadeia que se nota quanto o círculo vicioso passa a girar na direção contrária e se torna virtuoso. Isso significará a ampliação da oferta de empregos, uma maior geração de renda e a melhoria da qualidade de vida da população
A primeira obra da lista que Castro levou a Lula é a duplicação da rodovia Washington Luís, a BR-040. Em toda sua extensão, a estrada liga o Rio a Brasília. Do ponto de vista fluminense, o trecho mais crítico é a subida e descida da Serra de Petrópolis. A obra chegou a ser iniciada no governo Dilma Rousseff mas, em razão da fragilidade do contrato de concessão assinado na época, foi interrompida em 2016 e nunca mais andou. Existe uma pendência jurídica em torno do trecho e o Ministério dos Transportes está preparando a retomada do trecho — que deverá passar por uma nova licitação.
De acordo com os dados do Programa de Parcerias e Investimentos do governo federal, os estudos para a nova licitação do trecho entre o Rio e Belo Horizonte já foram concluídos e as consultas públicas em torno da questão, encerradas. O projeto encontra-se em poder do Tribunal de Contas da União para emissão do parecer final. Caso o cronograma traçado seja cumprido, o edital para a nova licitação do trecho deve ser publicado ainda no primeiro trimestre — sendo que o leilão deverá acontecer até o final de junho. Tomara que o governo Lula compreenda que a urgência da solução é mais importante do que a autoria do projeto e não queira devolver o projeto à estaca zero só porque ele foi iniciado pelo governo anterior. Tomara.

FONTE DE ENERGIA
A importância da recuperação da Washington Luís em toda sua extensão é enorme e, quando concluído, facilitará a interligação do Rio com outras regiões importantes para a economia do país. Integrada a dois dos outros projetos que constam da lista de prioridades de Castro, a rodovia ampliará e melhorará de forma significativa a estrutura logística do estado — reduzindo os gargalos e aumentando a segurança do transporte. O primeiro desses projetos é a chamada TransBaixada — via expressa de 24 quilômetros, doze em cada direção, que ligará a Washington Luís à BR-116, a Via Dutra.
Ela será construída à margem do rio Sarapui e passará pelos municípios de Duque de Caxias, Belfort Roxo e São João de Meriti. Os municípios de Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis também serão beneficiados. Não é uma obra fácil. Em primeiro lugar, cortará uma região densamente povoada e com problemas sérios de segurança pública que precisam ser enfrentados pelo Estado. O projeto prevê a construção de seis viadutos e sete pontes. Também está prevista a implantação de uma ciclovia ao longo de todo o trajeto e um sistema de drenagem para prevenir alagamentos. Embora relativamente curta, a estrada será importante para agilizar o transporte de passageiros e de cargas não apenas entre os municípios da Baixada mas, também, entre duas das principais rodovias do pais.
Outro projeto estratégico para a economia fluminense é a implantação de uma ligação ferroviária entre o Rio e Vitória, a capital do Espírito Santo. Com uma extensão total de praticamente 580 quilômetros, estrada terá 404 quilômetros de trilhos em território fluminense. Na prática, ela ligará o porto do Rio ao porto capixaba — passando, no meio do trajeto, pelo porto de Açu, no norte do estado. O último dos quatro projetos são os 300 quilômetros da rota 4b do gasoduto que interligará a Bacia de Santos ao Porto de Itaguaí. O projeto também prevê a instalação de uma usina de tratamento de gás no município de Seropédica e será fundamental para oferecer à indústria do Rio uma fonte de energia abundante, barata e muito mais limpa do que as térmicas convencionais.

PROJETOS MADUROS
É lógico que existem outros projetos que poderiam ser apresentados ao governo federal como prioritários para o estado e que, em seu devido tempo, começarão a andar. A implantação de uma linha do metrô interligando Niterói, São Gonçalo e Itaboraí é um deles. Mas, como bem lembrou o governador ao apresentar sua lista, é preferível avançar com projetos que estão mais maduros e são de fácil execução do que dar prioridade a uma obra que não conta sequer com os estudos técnicos concluídos.
Outros projetos vistosos também não foram listados — não porque não sejam importantes, mas porque estão avançados a ponto de não precisar mais de um empurrão federal para ir adiante. A solução do problema dos aeroportos do Galeão e do Santos Dumont é um deles. Tudo indica que o desfecho do problema está próximo e que o próprio mercado cuidará de encontrá-la. O Rio não pode perder mais tempo enquanto vê os estados vizinhos fechando acordos, oferecendo vantagens e firmando com as principais companhias aéreas do mundo contratos de longo prazo que as mantëm ligadas a seus aeroportos.
A beleza natural, a tradição da cidade e a diversidade econômica do estado são, sim, importantes para atrair turistas, executivos e negócios para o Rio. Mas, sozinhos, não serão suficientes para melhorar a economia do estado. É preciso, além disso, oferecer infraestrutura, garantir a segurança e boas condições operacionais. E adotar políticas concretas de estímulo aos investimentos. Pelo que se viu nesse primeiro mês de novas administrações, o governo federal e o governo estadual demonstraram a intenção de trabalhar juntos pelo bem do Rio. Tomara que essa parceria se consolide e se amplie nos próximos anos. Tomara.