O Brasil e o mundo parecem se esquecer de que a guerra começou com o atentado do Hamas e querem fazer de Israel o único responsável pelas mortes em Gaza
Arte coluna Nuno 19 novembro 2023 - Arte Paulo Esper
As tentativas de livrar os terroristas do Hamas de qualquer responsabilidade e de construir uma “narrativa” que faça de Israel o único culpado pelas mortes que acontecem neste momento no Oriente Médio cresceram nos últimos dias. Cresceram tanto que algumas pessoas que têm apreço pela verdade se sentem cada vez mais obrigadas a impedir que a infâmia do dia 7 de outubro caia no esquecimento. É preciso, como vem sendo dito neste espaço nas últimas semanas, não esquecer a brutalidade atentado — que deixou mais de 1400 mortos, fez 240 reféns e foi comemorado pelos terroristas e por seus apoiadores como uma vitória na luta pela destruição de Israel.
É preciso não esquecer, portanto, que Israel não é o agressor, mas o agredido. Ao longo dos 43 dias que se passaram desde o início da guerra, os terroristas nunca deixaram de seguir tentando bombardear Israel com seus foguetes. Por mais rudimentares que sejam essas armas, elas são letais e poderiam ter feito um estrago muito maior do que fizeram. O morticínio do lado israelense só não foi maior porque o Domo de Ferro, o sistema criado para proteger Israel dos ataques, entrou em ação. Conforme cálculos feitos antes da guerra, os terroristas dispunham de pelo menos 8 mil desses foguetes.
Ninguém leva em conta a ameaça permanente que pesa contra Israel quando critica a força “desproporcional” da resposta contra as bases terroristas em Gaza. A pergunta a ser feita é: qual é a proporção adequada para se reagir a um ataque terrorista que incluiu o estupro de mulheres, a degola de recém-nascidos e a tomada de pessoas como reféns?
Essa questão, certamente, não passa pela cabeça dos que, cada vez mais, tentam apresentar Israel como um lobo voraz e tratam os terroristas como cordeirinhos indefesos. Do ponto de vista do Brasil, a situação ganhou novos ingredientes na semana passada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva rasgou o manto da falsa neutralidade do Brasil diante do conflito e elevou o tom para dar eco às teses que o Hamas, em nome do “povo palestino”, espalha a respeito da guerra. Ao fazer isso, o presidente dirigiu a Israel uma acusação gravíssima. “Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não estão na guerra”, disse o presidente (os grifos são nossos).
A preocupação do presidente com as crianças palestinas é justa, louvável e digna de elogios. A questão, porém, foi ele não ter considerado em nenhum momento que essas mortes poderiam ser evitadas caso os terroristas não utilizassem as crianças como escudos para se tentar se proteger da reação israelenses. Lula também não estendeu sua indignação ao caso dos bebês israelenses que foram incinerados vivos, decapitados ou que tiveram seus corpinhos transpassados pelas lâminas dos terroristas do Hamas. Nem tampouco aos que foram arrancados de suas famílias e levados como reféns para buracos em Gaza.
O discurso contra a “desproporção” da força empregada por Israel em seus ataques também menciona com frequência as mulheres palestinas mortas no conflito. Mas não considera as israelenses estupradas, degoladas ou abatidas a sangue frio pela brutalidade do Hamas. Num tema que não está incluído na guerra, mas faz parte do mesmo problema, Brasília também se cala diante do caso da iraniana Narges Mohammadi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz este ano. Ela foi condenada a 31 anos de cadeia e a 154 chibatadas por liderar manifestações a favor de uma jovem que morreu em razão das agressões que sofreu por não usar corretamente o véu muçulmano.
É preciso não se esquecer, em hipótese alguma, que os brasileiros que já morreram nessa guerra estavam do lado israelense. Três deles foram assassinados no dia 7 de outubro — mas a reação do governo brasileiro diante das mortes de Karla Stelzer, Ranani Glazer e Bruna Valeanu foi, na melhor das hipóteses, protocolar. Um quarto, nome, o de Celeste Fishbein, filha de brasileira, mas nascida em Israel, pode ser acrescentado à lista.
Outro brasileiro está desaparecido e pode ter sido levado como refém pelos terroristas. Seu nome é Michel Nisembaun. Ele tem 59 anos, é pai e avô. Além disso, muitos dos brasileiros que retornaram ao país trazidos pelo governo ou por seus próprios meios viviam em pequenas comunidades ou em kibutzim localizados na região invadida pelos fanáticos. Alguns chegaram a ver os terroristas praticando seus crimes — mas o testemunho deles parece não ter valor aos ouvidos de quem se mostra decidido a culpar a vítima pelas atrocidades.
“ANÃO DIPLOMÁTICO” — O silêncio de Brasília diante do drama desses cidadãos tem sido ensurdecedor e chega a ser incômodo. Mas seria bom que o governo pensasse um pouco no futuro e não engrossasse ainda mais o coro dos que querem livrar os terroristas de qualquer responsabilidade pelo conflito. Cada palavra dita agora pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo assessor para assuntos internacionais Celso Amorim, pelo ministro da Justiça Flávio Dino ou por qualquer outro funcionário do governo será lembrada mais tarde por todos que tiverem negócios a tratar com o país.
A diplomacia brasileira sabe disso muito bem. O Itamaraty ainda hoje fica incomodado com a fama de “anão diplomático” que o Brasil ganhou anos atrás — em razão das posições da ex-presidente Dilma Rousseff diante do conflito de Israel com o Hamas. Justa ou injusta, sempre é bom lembrar como essa fama teve início.
Em julho de 2014, terroristas lançaram contra o território israelense um ataque de foguetes que, naquela época, antes da entrada em operação do Domo de Ferro, costumavam fazer mais vítimas e fazer mais estragos do que hoje. A reposta foi implacável e os mísseis disparados contra as bases terroristas fizeram dezenas de vítimas do lado palestino. Dilma considerou a reação de Israel “desproporcional” e mandou chamar para consulta o então embaixador do Brasil em Tel Aviv, Rafael Eldad.
Além do Brasil, apenas um país, o Equador, na época presidido pelo esquerdista Rafael Correa, teve a mesma atitude. Pelos códigos da diplomacia, essa decisão indica um abalo sério na convivência entre dois países. Mais grave, só o rompimento de relações.
O tempo passou e hoje quase ninguém se recorda que o embaixador Eldad foi um dia chamado por Dilma para discutir a guerra. Por outro lado, e quase dez anos depois, todos se lembram da reação do porta-voz do ministério de Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor. O fato era, segundo ele, “uma demonstração lamentável de como o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático”. O presidente de Israel à época, Reuven Rivlin, chegou a telefonar para Dilma e pedir desculpas pelas palavras do funcionário, mas disso também ninguém se lembra.
Dilma voltou à carga em 2015, quando se recusou a receber as credenciais de Dani Dayan, indicado por seu governo para ser embaixador de Israel em Brasília. A razão da recusa foi meramente ideológica. Dilma não aprovava a atuação do israelense à frente da agência que cuidava dos assentamentos na Cisjordânia e, por essa razão, se recusou a conceder o “agreement” que daria a Dayan o direito de atuar como embaixador no Brasil. A atitude desencadeou uma crise diplomática que só foi resolvida no governo Michel Temer.
Mil e uma vezes mais sensato do que sua sucessora, Lula nunca chegou ao ponto de tomar medidas extremas como essas. Mas, por outro lado, sempre fez questão de se aproximar de países que nunca esconderam a intenção de varrer Israel do mapa. Em 2003, menos de um ano depois do início de seu primeiro mandato presidencial, Lula visitou em Trípoli o ditador da Líbia Muamar Kaddafi, inimigo declarado de Israel, a quem se referia como “amigo e irmão”. No mandato atual, o presidente tem no Irã — o patrocinador das organizações terroristas Hamas e Hezbollah — um de seus aliados mais próximos.
Nunca é demais insistir em apontar os riscos diplomáticos dessa postura, que aproxima o Brasil das ditaduras mais sanguinárias do mundo e o afasta dos aliados tradicionais entre as democracias ocidentais. No cenário atual, ainda é cedo para saber qual será a reação dos Estados Unidos, da Alemanha e de outras potências ocidentais diante das declarações feitas por Lula na semana passada. Mas, que ela virá é quase uma certeza.
EMPECILHOS DIPLOMÁTICOS — Lula mencionou as crianças mortas pelos ataques de Israel na noite de segunda-feira passada, na cerimônia montada pelo governo para receber na Base Aérea de Brasília as 32 pessoas, entre cidadãos brasileiros e seus parentes palestinos, que viviam na Faixa de Gaza e foram trazidos ao Brasil num avião da FAB. Foi um momento importante e o voo mobilizou o governo inteiro — como se as pessoas a bordo merecessem um tratamento especial em relação ao que foi dado aos outros 1445 brasileiros trazidos nos outros nove voos de repatriação realizados desde o início da guerra, numa operação bem sucedida, que foi elogiada no mundo inteiro.
Assim que as hostilidades tiveram início, aviões da Força Aérea Brasileira foram despachados para Roma e ali aguardaram o momento oportuno de voar para Israel e resgatar brasileiros. Oito desses voos de repatriação partiram do aeroporto Ben Gurion, próximo a Tel Aviv, e o nono, do aeroporto internacional do Cairo. Nesse viajaram 32 brasileiros de origem palestina que viviam na Cisjordânia e cruzaram a fronteira.
O governo de Israel não causou qualquer embaraço à saída dessas pessoas. Nenhuma delas, até onde se sabe, recebeu do governo brasileiro sequer um cartão de boas-vindas. Os brasileiros que desembarcaram em Brasília na semana passada, foram recebidos com honras pelo governo. O presidente Lula, em pessoa, estava à frente de uma comitiva que tinha cinco ministros de Estado e de dezenas de outras autoridades do governo federal. “Primeiro, vamos salvar as crianças e as mulheres. Depois, faz a briga com quem quiser fazer”, afirmou o presidente na ocasião, depois de chamar Israel de terrorista.
Seria espetacular se todos os problemas tivessem soluções simples como essa. A questão é que os terroristas são os primeiros a impedir que os civis deixem a zona de guerra. Para eles, quando maior for o número de mortes, melhor. Eles contam com isso para continuar na dianteira da batalha de informações que, nas últimas semanas, tem transformado Israel, que foi vítima de uma agressão covarde, no culpado por tudo que acontece em Gaza. Nesse trabalho bem sucedido, que conta com o apoio de políticos, jornalistas, militantes e inocentes úteis dispostos a duvidar de tudo que possa atribuir ao Hamas qualquer culpa pelo conflito, os terroristas chegam ao cúmulo de negar hoje aquilo que apresentavam como trunfo um mês atrás.
É o caso, por exemplo, da tal rede de túneis que, segundo os terroristas, se estenderia por inacreditáveis 500 quilômetros sob o território de Gaza — o que representa, como já foi dito aqui, uma distância superior à que separa o Rio de Janeiro de São Paulo. Antes da guerra, ninguém negava a existência desses túneis nem que muitos deles tinham entradas e saídas em hospitais e escolas. Isso era parte de uma estratégia “inteligente”, destinada a protegê-los do exército israelense, que pensaria mil vezes antes de atacar um hospital.
Ao longo desta guerra, foi mais do que comprovado por imagens aéreas que alguns desses hospitais eram, de fato, usados como base de operações. Em um desses hospitais, o As-Shifa, a sala de ressonância magnética era usada como depósito de armas. O Hamas passou, então, a negar que seus túneis levem a esses hospitais e a contestar a veracidade das imagens feitas no local por militares israelenses.
Na caça aos terroristas, infelizmente, muitas vítimas inocentes acabam tombando. Isso é lamentável. Mais uma vez, porém, é bom insistir em um detalhe abordado neste espaço na semana passada. Entre os mortos anunciados pelo “Ministério da Saúde” do Hamas, só há crianças, mulheres e inocentes. Nenhum dos mortos, a se acreditar nos comunicados que os simpatizantes dos terroristas acatam como verdadeiros, era um combatente com armas nas mãos.
É bom não se esquecer de que, antes do ataque desumano do dia 7 de outubro, os terroristas se gabavam de ter 30 mil integrantes dispostos a tudo para varrer Israel do mapa. Na hora de se deixar filmar matando israelenses pegos de surpresa, atirando em pessoas desarmadas e violentando mulheres diante dos filhos e dos maridos, eles são tigrões. Mas na hora de enfrentar soldados bem treinados, eles juram inocência, se dizem vítimas de uma força “desproporcional”, fazem cara de choro e se comportam como tchutchucas. Assim são os terroristas.
CONDENAÇÃO AO ANTISSEMITISMO — Depois do estrago diplomático causado pela acusação de que Israel havia cometido “vários” atos terroristas Lula tentou desfazer o estrago. Na quinta-feira, telefonou para o presidente de Israel Isaac Herzog e, segundo divulgou sua assessoria de imprensa, se comprometeu a apelar pela libertação dos reféns. Tomara, mas tomara mesmo, que ele aja nessa direção e faça um apelo contundente. O mais provável, porém, é que, caso volte a tocar no assunto, ele ponha Israel e o Hamas na mesma balança e livre os terroristas de qualquer responsabilidade sobre seus atos hediondos.
O presidente se comprometeu, também, a condenar o antissemitismo que, estimulado por declarações que jogam em Israel toda culpa pelas atrocidades, vem crescendo no mundo e no Brasil desde o início da guerra. Será difícil — uma vez que seus próprios companheiros petistas estão na linha de frente dos que defendem o Hamas e não perdem uma oportunidade de apontar o dedo na direção de Israel e do povo judeu para acusá-los de responsáveis por todas as atrocidades. Mas uma condenação do presidente ao antissemitismo, desde que soe sincera, talvez ajudasse a diminuir o mal-estar que suas palavras e de alguns de seus ministros vêm causando na colônia judaica brasileira.
No telefonema, Lula também teria pedido que Herzog intercedesse em favor da inclusão na lista de autorizados a deixar a Faixa de Gaza os nomes de mais 60 brasileiros que teriam ficado para trás na primeira leva e, mais do que isso, de seus parentes palestinos. Será difícil que esse pedido seja atendido — até porque, foi endereçado à autoridade errada. Na condição de presidente de uma República parlamentarista, Herzog pode até influenciar, mas não tem poder para tomar qualquer decisão nesse sentido. Quem age nesses casos neste momento é o gabinete de coalizão comandado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu — cujas prioridades diplomáticas, com certeza, não incluem tomar decisões que beneficiem um país cujos governantes dirigem palavras tão duras a Israel.
Nos dias que antecederam à viagem dos brasileiros, muitos no Brasil acreditaram na ideia espalhada por gente supostamente bem informada de que o governo israelense estaria criando obstáculos à saída do grupo — e dando preferência a outras nacionalidades na hora de escolher quem seria incluído na lista dos autorizados a deixar a Faixa de Gaza. Os diplomatas israelenses, porém, têm um ponto de vista diferente.
Parte da demora, conforme admitem fontes diplomáticas de Israel e do Brasil, se deveu à verificação da presença, em meio ao grupo de brasileiros, de pessoas ligadas à organização terrorista. Ainda que Israel interceda pela inclusão na lista de pessoas autorizadas a sair de Gaza os 60 nomes solicitados por Lula, é de se esperar que a triagem e a verificação de eventuais ligações com o terror sejam ainda mais rigorosas do que foram da primeira vez. E é bom que sejam mesmo.
Numa situação como a atual, em que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública —que, em última instância, é o responsável pela entrada e saída de pessoas do Brasil — não consegue ter controle sequer sobre a ficha policial das pessoas que se reúnem com os secretários da pasta, o pior que poderia acontecer ao Brasil seria receber terroristas do Hamas. Já basta os do Hezbollah, que tentaram entrar na semana passada para promover atentados contra a colônia judaica e foram presos pela Polícia Federal, numa operação cujo sucesso contou com a ajuda de agências internacionais de inteligência — inclusive do israelense Mossad. O Hezbollah e o Hamas, nunca é bom esquecer, são financiados pela ditadura iraniana. A pergunta a ser feita é: de que país é melhor ser amigo? Daquele que financia terroristas e os manda praticar atentados no Brasil ou de outro, que ajuda a impedir que eles entrem no Brasil?
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