Família de Arlindo Cruz se emociona ao vê-lo se alimentando sozinho  - reprodução
Família de Arlindo Cruz se emociona ao vê-lo se alimentando sozinho reprodução
Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - Depois de 14 anos de pesquisas, o Instituto do Coração Edson Saad (Ices), do Instituto do Coração da UFRJ, revela dados surpreendentes sobre vítimas mortais por acidente vascular cerebral (AVC) na cidade do Rio. Um deles aponta que, quanto menor e mais precário os índices sociais e de qualidade de vida dos moradores, maiores as chances de serem acometidos por AVC, doença da qual o cantor Arlindo Cruz luta há um ano.

Segundo os estudos baseados em artigos, dissertações de mestrado e doutorado, uma das linhas de investigações de causas fatais de AVC, mostrou, por exemplo, que quem reside em Santa Cruz, uma das regiões com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio, tem dez vezes mais chances de morrer de AVC do que quem mora na Gávea, na Zona Sul, onde os padrões de vida da população são mais altos.

"Os moradores da região de Campo Grande e Santa Cruz morrem dez anos mais precocemente do que os moradores da Gávea", denunciou o professor Nelson Souza e Silva, professor emérito da UFRJ e diretor do instituto.

Fatores como idade, sexo, renda e escolaridade influenciam não apenas na incidência como também na probabilidade de risco precoce de óbito. Ao analisar os dados, chegou-se à conclusão que a mortalidade por doenças cerebrovasculares se relacionam inversamente com o nível de IDH. A cada redução de 0,5 no índice, ocorre um aumento de 65% no número esperado de óbitos.

Além dos números de mortes, a diminuição do IDH também indica uma maior precocidade da ocorrência, representando até duas décadas de diferença entre as regiões de maiores e menores IDHs.

Nelson lembra que o conceito é difundido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para identificar as condições econômicas e sociais que influenciam a saúde humana e explica que os estudos precisam analisar longos períodos. "Se não olharmos as séries históricas, não percebemos em que condições as camadas populacionais nascem e morrem", detalhou.

Para concluir a pesquisa, foram analisadas as certidões de óbitos causados por doenças cardiovasculares em 33 regiões do Rio entre 2002 a 2007. AVC foi responsável por cerca de 20% do total de óbitos na cidade nesse período. O estudo afirma que os óbitos ocorrem mais precocemente na Rocinha, Maré, Jacarezinho, Complexo do Alemão e São Cristóvão. Enquanto a Zona Sul corresponde aos bairros nos quais as mortes por doenças cardiovasculares acontecem em idades bem mais avançadas, com diferença de até 20 anos.

Quanto mais escura a pele, maior é a probabilidade de ter a doença
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A longa pesquisa do Instituto do Coração Edson Saad concluiu também que, quanto mais escura é a pele do cidadão, maior a probabilidade dele sofrer AVC. O estudo dessa característica mostrou que esse tipo de risco, de acometimentos de doenças cerebrovasculares, foi quase sete vezes maior na Rocinha, quatro vezes em Ramos e Inhaúma, e três vezes em Irajá, na Zona Norte, quando comparados à bairros da Zona Sul.
"A cor da pele não deve ser entendida como o fator determinante da doença, mas sim um indicador das piores condições determinadas pelas desigualdades sociais existentes até hoje, ainda como consequência dos mais de 300 anos de escravidão, pelos quais, infelizmente, o Brasil passou e que ainda afetam a população afrodescendente", destacou Nelson Sousa e Silva.
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As condições do ambiente durante a gestação também geram maior probabilidade de doenças na vida adulta, conforme revela o estudo. "A pobreza certamente está associada ao adoecimento", apontou a pesquisadora Regina Helena Alves Fonseca, também da UFRJ. "O pobre morre mais, tanto das doenças crônicas como das infecciosas, e mais precocemente do que as pessoas detentoras de maior riqueza", completou Nelson.
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