Campo Grande (MS) - Recém-formada em Biologia, Neiva Guedes tinha 26 anos quando, num trabalho de campo, se encantou com um grupo de araras azuis que passou colorindo o céu do Pantanal. Ao saber que a espécie estava ameaçada de extinção, com apenas mil aves vivas, iniciou uma verdadeira luta pela sobrevivência da espécie. Desde 1990 à frente do Instituto Arara Azul, já conseguiu quintuplicar a população. A tarefa não é fácil. Num lugar onde se vê mais gado do que animais típicos da região, Neiva tem que driblar diversos predadores das aves, incluindo o mais cruel: o homem.

Com temperamento afável, as araras-azuis cativam quem se aproxima, mas viram presa fácil para traficantes de animais. Além disso, Neiva descobriu, em pesquisa feita no meio de onças e jacarés, que 90% dos ninhos de araras-azuis se estabelecem em apenas um tipo de árvore: a Manduvi. De madeira macia e de fácil manejo, ela é ameaçada pelo desmatamento e pela derrubada por fazendeiros dispostos a abrir espaço para a pecuária. A solução que Neiva encontrou foi criar ninhos artificiais e cuidar da recuperação dos naturais.
Hoje, este trabalho conta com ajuda de equipe formada por biólogos e assistentes, além de apoio financeiro de diversas instituições. A Fundação Toyota Brasil, por exemplo, fornece picapes para percorrer a região e recursos para a compra de materiais. Neiva estima que, até hoje, a empresa já tenha contribuído com mais de R$ 1 milhão. Para que o projeto não precise mais depender financeiramente de nenhuma instituição no futuro, ela inaugurou, semana passada, o Centro de Sustentabilidade, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Lá são vendidos brindes para arrecadar renda, e realizadas pesquisas e oficinas.
“Estamos orgulhosos de ajudar um instituto vitorioso, que retirou a espécie de extinção, e temos outros projetos nesse sentido, como a preservação do peixe-boi no Nordeste”, disse Ricardo Bastos, presidente da Fundação Toyota do Brasil. Também contribuem a Bradesco Capitalização, o empresário Roberto Klabin, e o diretor Carlos Saldanha, idealizador do filme ‘Rio’, que conta a história de araras-azuis vítimas do tráfico.
De acordo com Neiva, ainda não é possível prever se um dia as araras poderão voar por si só. “Conseguimos um belo avanço com a reprodução das araras-azuis, mas a natureza é mutável, então não sabemos quando elas não precisarão mais da nossa ajuda”, disse, segurando um filhote de 35 dias, como se fosse um bebê, na mata pantaneira.
Ave tem parceiro fixo e média de dois filhotes
As araras-azuis podem medir até 1 metro e pesar 1,3 kg. Alimentam-se de dois tipos de castanhas, e cada fêmea têm, em média, apenas dois filhotes. Em geral, apenas o mais forte sobrevive. Na época de incubação, 40% dos ovos são predados por gralhas e tucanos, ou por algumas espécies de mamíferos, como o gambá.
Esta aves também é ‘fiel’, ou seja, costuma acasalar com apenas um companheiro por toda a vida, que a segue em todos os voos. De acordo com o Instituto Arara Azul, a presença desta espécie é um importante indicador de saúde ambiental, e a conservação do Pantanal passa pela sua proteção. Hoje, o instituto monitora cerca de 455 ninhos espalhados por 57 fazendas no Estado do Mato Grosso do Sul.
Cientistas usam a inseminação artificial para tentar aumentar população de ave
Outra espécie, parecida, já é considerada extinta na natureza. Até a década de 90, as ararinhas-azuis ainda coloriam a região de caatinga da Bahia. Mas, em outubro do ano 2000, a última foi vista voando. Atualmente há apenas cerca de 80, mantidas por cientistas em centros de estudos de quatro países. A luta agora é para que se reproduzam e possam repovoar o sertão baiano.
Como reportagem do DIA mostrou em junho, dois filhotes nasceram naquele mês através de ténica inédita no mundo: a inseminação artificial.
O feito foi da Al Wabra Wildlife Preservation (AWWP), no Catar, Oriente Médio. A técnica é considerada essencial para a reprodução da espécie, já que estes animais não conseguem se acasalar em cativeiro. “Elas precisam se apaixonar para ter sucesso reprodutivo”, explicou o biólogo Ugo Vercillo, coordenador de Espécies Ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, que tem parceria com a AWWP.
Segundo ele, a inseminação artificial “nos deixa mais perto de reintroduzir a espécie na natureza”. A AWWP realizou a experiência em conjunto com a Parrot Reproduction Consulting, da Alemanha.
O principal motivo para o sumiço das ararinhas-azuis é a caça, realizada por traficantes que vendem as aves para colecionadores até no exterior.