Rio - Da próxima vez que sobrar comida no prato ou que deixar alimentos estragarem no armário ou na geladeira, pense bem. Na América Latina, onde milhões de crianças sofrem desnutrição crônica, cerca de 15% dos alimentos produzidos a cada ano (80 milhões de toneladas) são desperdiçados, segundo informe do Banco Mundial.
Por pessoa, a quantidade equivale a um quarto dos componentes energéticos (450 kcal) de que o ser humano precisa diariamente para viver.
“Não há muito nível de consciência, nem sequer nos países mais ricos. Há consciência para produzir mais alimentos mas não para melhorar a tendência de perdas de alimentos, sobretudo em conscientização e educação”, diz José Cuesta, especialista em pobreza no Banco Mundial.
Na América Latina, o desperdício se produz por igual nas etapas de produção e consumo: cada uma dessas fases representa 28% do total de perdas, segundo cálculos da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Quanto à produção, o desperdício se deve principalmente à colheita ineficiente ou prematura, e às condições excessivas de chuva ou de seca, algo que acontece frequentemente no Brasil e Argentina, por exemplo.
O resto das perdas de alimentos na região é dividido pelas fases de armazenamento (22% do total), de distribuição e mercado (16%) e de processamento (6%). “O desperdício de alimentos supõe terríveis perdas no investimento em agricultura e nos insumos de energia necessários para produzir comida”, explica Cuesta. “Trata-se de rendimentos que o agricultor latino-americano deixará de receber por um produto que não poderá vender”.
E quanto mais comida as pessoas jogam fora, mais alimentos terão que comprar para suprir necessidades. Isso significa que as famílias utilizarão uma maior proporção de seus rendimentos em comida e menos em atividades como educação ou previdência. “Claramente as perdas alimentícias têm um impacto sobre a pobreza”, afirma Cuesta.
Talos, cascas e sementes na panela
Alguns projetos buscam conter o desperdício, como o Favela Orgânica e o Cozinha Brasil, que ensinam receitas que aproveitam integralmente os alimentos. Um nutricionista, um auxiliar de cozinha e uma unidade móvel foram os ingredientes para que o Serviço Social da Indústria criasse o Cozinha Brasil, serviço itinerante que estimula a inclusão de talos, cascas, folhas e sementes no cardápio.
Outra iniciativa foi criada no Rio de Janeiro pela ex-doméstica Regina Tchelly, do Morro da Babilônia, no Leme: o Favela Orgânica. Com alimentos recolhidos de feiras locais, ela ensina a cozinhar usando somente as partes normalmente descartadas de vegetais e frutas. “O objetivo é unir culinária alternativa a conhecimentos de permacultura, horta caseira e compostagem, aproveitando e devolvendo para terra o que ela nos dá”, diz.
Ricos em proteína, insetos podem acabar com a fome
A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) recomenda: coma insetos, contra o desperdício de alimentos e a fome no mundo. A instituição já lançou até um programa para incentivar a criação em larga escala de insetos, ricos em nutrientes, de baixo custo, ecológico e, por que não, saborosos.
Dois bilhões de pessoas em culturas tradicionais em regiões da África, Ásia e América Latina já os consomem, mas o potencial de é maior. Os trilhões de insetos, que se reproduzem sem parar na terra, no ar e na água, “apresentam maiores taxas de crescimento e conversão alimentar alta e um baixo impacto sobre o meio ambiente durante todo o seu ciclo de vida”, segundo a FAO. Cerca de 900 espécies são comestíveis. Ainda de acordo com a FAO, “até 2030, mais de 9 bilhões de pessoas vão precisar ser alimentadas”, num momento em que “a poluição do solo e da água devido à produção intensiva de animais de pastoreio levam a degradação das florestas”.