Rio - Manoel Gonçalves de Almeida, 72 anos, 11 filhos, mais de 20 netos, sabe tudo da terra desde que se entende por gente. Era mateiro na Usina de Baixa Grande, antiga dona de um mundaréu de terras improdutivas na baixada litorânea de São João da Barra, no Norte Fluminense. Mas o que este senhor de pouco estudo tem a ver com o sonho ousado do ex-megabilionário brasileiro Eike Batista de erguer ali naquele ‘fim de mundo’ o maior complexo portuário do país? Seu Manoel é o “guardião” do viveiro de mudas de espécies de restinga que o Porto do Açu teve que construir como uma das contrapartidas ambientais na região.
Com capacidade para produção de 500 mil mudas, já é considerado o maior viveiro do gênero na América Latina. Atualmente, produz e maneja 70 espécies de restinga e até agora, mais de 600 mil mudas já foram plantadas em 530 hectares da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Fazenda Caruara, que ocupa 40 quilômetros quadrados no entorno do porto — mais do que o tamanho de cidades como Nilópolis, São João de Meriti e Mesquita, na Baixada Fluminense. Com mais de 4 mil hectares de área protegida, esta é a maior unidade de conservação privada de restinga particular do país — a segunda colocada é sete vezes menor. Equivale a cerca de 60% da soma de todas as 69 RPPN’s registradas no estado pelo Inea.
Ali são desenvolvidas ações de resgate e monitoramento da fauna silvestre e de recomposição. São parte do Programa de Conservação da Biodiversidade da Prumo Logística, empresa responsável pela administração do porto, que hoje conta apenas com 0,26% de ações de Eike Batista. Por este trabalho, a Prumo já recebeu três prêmios socioambientais: o selo verde Chico Mendes, o Prêmio Firjan Ação Ambiental e o Benchmarking Brasil. No local, pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e Instituto Jardim Botânico realizam estudos sobre novas espécies de restinga.
O processo de replantio de mudas envolveu diretamente cerca 150 trabalhadores da região. Até hoje já foram produzidas mais de 800 mil mudas no viveiro, entre elas algumas ameaçadas de extinção, segundo a lista oficial do Ibama. Como a pimenta da praia, a almescla e a quixaba. “Aqui tem todo tipo de fruta”, conta ‘seu’ Manoel, nativo da região e que há nove anos trabalha no projeto. Enquanto limpa dezenas de araçás colhidos para preparar as sementes para o replantio, explica seu trabalho: “ Eu cato muda, planto, limpo semente, resgato bicho no mato. Já peguei tamanduá, cobra, porco-espinho para soltar depois que os biólogos cuidam deles”.
Na década de 1970, quando começou a trabalhar na antiga fazenda, ele também fazia de tudo. Mas era diferente. “Era tudo mato. Na época da usina, cortava e queimava tudo para fazer pasto para boi. Antes eu trabalhava aqui destruindo. Agora eu estou aqui para ajudar a (re)construir”, diz ele, com a simplicidade de quem nunca foi à escola, mas aprendeu a lição do respeito ao meio ambiente.
Ponte de R$ 50 milhões para lagarto do rabo verde
A RPPN Fazenda Caruara é uma baita contrapartida ambiental para um empreendimento gigantesco e polêmico como o Açu, inúmeras vezes contestado, inclusive, pelo Ministério Público Federal. Mas nem de longe é a mais “exótica” que o porto teve que fazer para garantir o licenciamento ambiental da obra, que já foi acusada de causar erosão e salinização da água e do solo e de promover desapropriações que provocaram protestos de famílias de agricultores.
Há nove anos, quando o projeto ainda era tocado por Eike, engenheiros tiveram que mudar o traçado inicial de uma ponte para que o largarto do rabo verde, uma espécie rara e típica da região, fosse preservado. “Com o novo projeto, foi necessário gastar mais R$ 50 milhões”, lembra Johnson Tatton, gerente de implantação do porto.
As luzes das embarcações que confundiam as tartarugas marinhas que desovavam na região também foram motivo de preocupação para o empreendimento, que transformou os antigos “caçadores de tartarugas” locais em parceiros no projeto de proteção à espécie. Diariamente, 11 moradores percorrem 62 km de praia. Animais debilitados são levados para um centro de recuperação com veterinários, biólogos e técnicos.
Ilha de progresso no meio do nada
Uma ilha de progresso no meio do nada, o Porto do Açu ocupa 90 km2 — mais que cidades como Armação dos Búzios, Queimados ou Japeri —e iniciou sua operação em 2014, já tendo recebido mais de 40 navios de 4 milhões de toneladas de minério de ferro. Emprega atualmente cerca de 10 mil pessoas, sendo 3,5 mil já na operação das unidades. Quando estiver em plena carga, a previsão é empregar cerca de 40 mil empregos.
O porto se transformou em um megacondomínio industrial e já atraiu 14 grandes empresas, entre as já instaladas - como NOV, Technip e Wartsila, Anglo American, InterMoor e Votorantim - e aquelas com contrato assinado, como Marca Ambiental, BP, InterRio, BG, Holcim, InterCement e Vallourec.
A Edison Chouest está construindo no Porto do Açu a maior base de apoio offshore do mundo e terá seis de seus 15 berços exclusivos para a Petrobras. O terminal de petróleo (T-Oil) deve começar a operar em agosto de 2016 com capacidade de movimentar 1,2 milhão de barris por dia. O primeiro cliente a assinar contrato para utilizar este terminal foi a BG, que fará transbordo de petróleo por 20 anos, com volume médio de 200 mil barris por dia.
Projeto é atrair empresas do setor de petróleo
“Nós somos a solução para a situação de crise que a Petrobras vive”, diz Johnson Tatton. Localizado a 150 km dos principais poços da Bacia de Campos, principal região produtora do país, responsável por 80% do petróleo produzido, o Porto do Açu gera, segundo ele, uma significativa economia de tempo e redução no gasto de combustível.
O complexo portuário hoje conta com três terminais: o offshore (T1) - dedicado a movimentação de minério de ferro e petróleo -, o onshore (T2) - no entorno de um canal para navegação com 6,5 km de extensão, 300 metros de largura e até 14,5 metros de profundidade- e o multicargas (T-MULT), além das unidades operacionais das empresas instaladas. O T-MULT iniciou sua operação em julho com a movimentação de bauxita para a Votorantim e o primeiro navio deixou o terminal no dia 22 de setembro.
Por conta da chegada de grandes empresas, a arrecadação de ISS da pequena São João da Barra, com seus pouco mais de 30 mil habitantes, já aumentou cerca de 7.500% nos últimos anos, chegando a mais de R$ 60 milhões em 2014, segundo a Prumo.
Ex-LLX, do grupo EBX, de Eike Batista, a Prumo é controlada pelo grupo EIG Global Energy Partners desde 2013 e passará a gerir também a área de 3,2 milhões de metros quadrados de área que pertencia à OSX, uma das empresas do grupo, que entrou em recuperação judicial. Ainda este mês, deverá ser iniciado o processo para venda de lotes nesta área, que seria destinada a um grande estaleiro do setor naval, para empreendimentos do setor marítimo.
As operações de minério de ferro no porto são realizadas por meio de uma joint venture (formada 50% por cada empresa) entre Prumo e Anglo American. A empresa também formou uma joint venture com a BP para a comercialização e abastecimento de combustível marítimo.
A jornalista viajou ao Porto do Açu a convite da Prumo Logística