Por tabata.uchoa
HÁ MAIS DE 15 ANOS EU CONHEÇO o Leonardo Vieira. Sempre soubemos nossa condição sexual, só que eu respeitava o fato de que um anúncio público traria consequências profissionais a ele. Mas Leo nunca viveu de mentira. Viveu ‘na dele’. Nunca quis mostrar o que não é.
Agora chegou a hora de falar pra quem gosta de viver a fantasia, a realidade de um ser humano maravilhoso. Na última segunda, Leonardo Vieira entrou pra a história do Brasil ao ser o primeiro ator em atividade a se assumir homossexual. No mesmo dia, à noite, sentamos numa daquelas mesas de xadrez da Lagoa e batemos um longo papo. O resultado está aí.
Leonardo VieiraManuela Scarpa


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Vamos começar do zero: como você soube que havia uma foto sua na internet? Foi quando vocë chegou da festa?
Eu estava tomando café da manhã e recebi uma mensagem de um conhecido: “já viu isso?”. Aí comecei a ver a repercussão disso.
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Você leu os comentários?
Não, eu não entrei no Ego, eu não entrei em nada, nem na minha rede social eu entrei mais depois que ele me mandou isso.
Porque você sabia que ia ter ofensas...
Ah, eu imaginava e também não queria mexer nisso antes de pensar com a pureza do meu coração e da minha mente sobre o que eu deveria fazer. Então eu falei: não vou deixar nada interferir na minha decisão.
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Você mudou sua rotina por causa daquela foto?
Não, mas as coisas começaram a acontecer. Eu vi as pessoas comentando e eu me machuquei. Era meu aniversário, eu me machuquei e não pude sair. Passei o Réveillon em casa. Foi tudo muito pacato. Não fui mais à praia não por causa da foto, mas por conta do machucado.
Quantos anos você fez?
Eu fiz 48 anos.
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Você se arrependeu de ter ido à festa?
Não! De jeito nenhum.
Você se arrependeu de ter dado aquele beijo?
Não! Claro que não. Muito pelo contrário.
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Você sabia que o fotógrafo que fez o flagra é gay?
Eu imagino que sim.
E você questiona algum tipo de deslealdade? Eu sempre soube que você era gay, você sempre soube que eu sou gay, mas eu não vou te expor porque sei que vai ser prejudicial para sua profissão. Você acha que vale tudo por uma boa foto na home da Globo.com?
Não, acho que não vale tudo. Aliás... não vale tudo por nada! As coisas tem que ser medidas. Existem consequências. Existe vida envolvida, família, saúde, trabalho...
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Sua família sempre soube da sua orientação?
Sempre soube.
Mas é chato para a sua mãe e seus avós verem aquela cena?
É chato, mas eles já faleceram, então não precisam passar por isso. São de outra geração e talvez tivessem mais dificuldade de entender. Talvez entendessem pelo neto que conhecem, pelo que sabem, meu caráter, minha honestidade, enfim, mas eu acho que não vale tudo. As pessoas têm que pensar na vida dos outros. O que falta talvez seja empatia. Se colocar no lugar do outro... Se esse fotógrafo se colocasse no meu lugar, ele não faria isso. Mas eu também não posso julgá-lo e nem condená-lo porque ele está fazendo o trabalho dele. É assim que ele ganha o pão dele. Ele deve ter os problemas dele e tem que pagar as coisas também. Espero que ele tenha feito um bom uso do dinheiro, inclusive.
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Qual é o limite do privado e do público na sua vida? Até onde você deixa a pessoa ir? A pessoa que eu digo é, um repórter, um fã ou sei lá quem.
Leo, eu acho que agora esses limites se ampliaram de forma absurda.
Vamos falar de como era antes e como é agora?
Eu sempre tive a maior discrição sobre a minha vida pessoal, você sabe disso. Já expus tudo isso na carta aberta que fiz (leia abaixo). Fui eu que a escrevi e eu demorei para escrevê-la. Comecei essa carta na segunda, terça e fui terminar na sexta-feira. Eu sempre fui muito reservado. Essa questão no princípio foi uma questão muito forte para mim, muito pesada .
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Até porque a impressa no início vivia muito do romantismo. Você é um galã de novela, a sua vida pessoal despertava um interesse muito grande...
É... Durante muito tempo a minha vida despertou interesse e eu tive que conviver com isso. Me colocaram numa situação de galã e eu fiquei apavorado na época. Pensei: meu Deus! Como é que eu vou lidar com isso? Digo que sou ou digo que eu não sou?
Quando você fez o teste, o diretor de ‘Renascer’ sabia que você era gay?
Não, não.
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Você foi capa da extinta revista ‘Amiga’. Como era o assédio?
Me perguntavam muito se eu estava ou não namorando. Na verdade, nunca foi difícil porque não tinha uma pergunta direta sobre ser gay.
Se na época alguém perguntasse se você era gay, o que você iria responder?
Ah eu ia ficar muito em dúvida... Já pensei em tanta resposta absurda que não vale nem a pena falar. Na verdade eu nunca cheguei a uma mesma conclusão do que eu ia responder.
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A Globo em algum momento enquanto você estava lá, falou para você não assumir?
Não, não teve nenhuma cobrança direta.
Mas era só sabido que não dá para o ator se assumir publicamente gay?
Não dá porque você mexe com o imaginário feminino.
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Você acha que o público não acredita em um ator que é assumidamente gay?
Eu acho que acredita, tem atores gays extraordinários! Kevin Spacey é um ator fantástico que eu tenho extrema admiração. Ele ganhou o Oscar fazendo um pai de família no filme ‘Beleza Americana’, William McLain também é um ator talentoso e respeitado. Eu acho que é possível um ator fazer um personagem que não seja gay brilhantemente, como também é possível um ator que não é gay, fazer o papel de um gay brilhantemente. Mas é uma questão difícil de você lidar socialmente mesmo com o público, o veículo, a indústria em si.
No seu texto você disse assim: “eu não saí do armário, eu nunca estive no armário”.
Você sabe que eu nunca estive. Nunca me escondi. Sempre andei com o meu namorado, sempre fui a restaurantes jantar com o namorado... Nunca me privei de nada! Sempre fui para as baladas acompanhado.
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Você ia em festas públicas, com a presença da impressa, com namorado?
Ah, já fui. No Carnaval.
E quando perguntavam quem é?
Eu falava que era amigo.
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É mais difícil assumir que é gay na Record?
Quando eu cheguei na Record, um dos bispos me recebeu. Éramos poucos atores inaugurando a Record. A gente estava chegando lá, estava inaugurando no Rio o Recnov. Não tem esse negócio de quem é gay, quem é isso, quem é aquilo... Eu nunca escondi. As vezes em que eu saí com alguma mulher em foto pública, é porque era minha amiga.
Você foi aconselhado a ter alguma namorada fictícia?
Não.
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A sua saída da Globo tem alguma coisa a ver com a sua opção sexual?
Você acha que tem?
Eu acho que tem.
É possível, mas é uma coisa que não dá para saber.
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Sabe por que? Porque bicha é vingativa. Você não concorda que bicha às vezes é mais vingativa do que o hétero?
(Nessa hora Leo ri) Eu acho que o sentimento de vingança é humano e está em todos nós. Tem gente que lida melhor, que sabe administrar isso melhor e tem gente que não. Eu acho que não é referente a opção sexual.
Você continua contratado da Record?
Não.
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Quando foi que terminou o seu contrato?
No final do ano passado.
O que é que vai mudar na sua vida agora?
Leo, eu adoraria ter essa resposta. Eu não sei o que vai mudar profissionalmente mas na minha vida pessoal não vai mudar nada.
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Você está namorando?
Não, infelizmente.
E você é um cara de namorar né?
Sou! Muito.
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Há quanto tempo você está solteiro?
Pouco tempo. A rajada veio de uma vez só, né?
Se não fosse a foto, você algum dia assumiria?
Acho que não.
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Mas você não acha necessário?
Acho necessário, concordo plenamente, mas foi uma coisa infringida. Jogaram no meu colo a situação.
Você poderia negar! Dizer que estava louco!
Que não estava beijando, que foi o ângulo da foto... (risos). Desde que começou essa coisa da fama que eu intuía que um dia eu ia ter que lidar com isso. Eu tinha o sentimento de que um dia isso fosse acontecer.
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Sabe que eu tenho algumas teorias sobre artistas gays e uma delas é que alguns sublimam a sexualidade em nome de uma carreira. Você concordaria em troca de um sucesso absurdo sublimar a sua vida sexual?
Leo, eu só posso falar por mim. Eu realmente não conseguiria. O amor é uma coisa importante para mim. Eu sou um cara que sou muito da verdade. Não consigo pensar que estou perdendo contrato de publicidade...
Você acha que pode perder?
Na verdade há muito tempo que não tenho um.
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Ou então podem surgir, né? Porque as pessoas que tem essa sua coragem são valorizadas. Você acha que o Brasil está preparado para ter atores gays assumidamente?
Não, eu acho que não. Tem um vídeo aí rolando na internet, nas redes sociais...
Mas você acha que o que você vê nas redes sociais representa o Brasil?
Não, não representa. Depois que eu publiquei a carta, estou recebendo muitas mensagens de solidariedade. Eu até me emociono.
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O que eu mais li na sua rede social foi “você me enganou”.
Eu não enganei ninguém. Nunca saí com mulheres para passar uma imagem de hétero. Quantas amigas lindas que eu tenho e eu poderia levar para sair?
Se você fosse heterossexual acha que estaria mais rico?
Ah, eu acho que sim.
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E em outra posição na carreira?
Eu acredito que sim. O preconceito existe e você deixa de ser escalado. É lamentável porque a arte é a libertação. Eu não optei por ser artista. Eu fui levado. Me sinto um artista desde criança. Aí você escolhe a arte, onde é o lugar da liberdade, e vou ter que ser quem eu não sou?
Você acha que você vai entrar para história?
Não tenho essa pretensão. Mas que seja importante a minha atitude pelo que ela representa, por estar ajudando pessoas que não são assumidas contra o preconceito, contra a homofobia, contra a discriminação.
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A sua causa para mim é como a da Titi, filha do Bruno Gagliasso. Mas as pessoas acham que você escolheu ser gay...
É uma coisa que a gente não escolhe. A gente escolhe quase tudo na nossa vida.
Você preferia ter nascido hétero?
Preferia. Eu falo isso na minha carta. A vida seria muito mais fácil. Eu não teria enfrentado os problemas que eu enfrentei com os meus pais. Foi difícil em casa para caramba.
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O que houve?
Meus pais são católicos, com uma formação muito conservadora. Meu pai é militar da reserva. Eu estava olhando a minha família agora no Natal... Tinham três, quatro militares juntos!
Mas você foi motivo de orgulho para a família não foi?
Fui durante muito tempo. Agora eu não sei.
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Por que Leo?
Do meu pai eu não tenho dúvida, porque de manhã eu acordei com ele me ligando e dizendo: “Leonardo sua mãe conversou comigo. Você não falou nada comigo, meu filho? Quero te dizer que você tem todo o meu apoio”. Eu ganhei meu dia.
Porque às vezes a gente pensa que não realizou totalmente o sonho dos pais, não é?
Eu tenho dois irmãos: um tem um filho e o outro tem duas meninas. Os netos estão garantidos.
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Você tem medo de virar um ícone gay?
Eu não tenho medo porque eu acho que não quero isso para mim. Quando for necessário eu vou estar defendendo a causa, mas não vou subir em trios da parada gay.
Você recrimina os atores que ficam no armário?
De jeito nenhum.
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Você recrimina os atores que fingem ter relacionamentos héteros?
Não recrimino. É muito difícil você assumir publicamente. A gente vive em uma sociedade que é baseada em hipocrisia.
Mas eu acho que é se corromper.
Mas todo mundo se corrompe. Não só os atores.
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Eu acho que a pessoa pode optar pelo silêncio como você fez e não fingir o que não é.
É. Eu não menti, não enganei ninguém.
Recado final: o que você quer falar agora para quem não sabia que você era gay.
O recado final é para as pessoas lerem a minha carta, que está de fácil acesso em todos os lugares. Eu peço que as pessoas que gostam de mim, que me respeitam, que sentem admiração por mim, que elas pensem nessas questões e que elas possam através das relações delas, dos seus familiares , seus amigos, propagar esse tipo de sentimento: solidariedade, felicidade, aceitação e respeito pelo outro.
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CARTA ABERTA DE LEONARDO VIEIRA
“Quero iniciar essa carta primeiramente desejando a todos um feliz 2017! Desejo que o ano novo seja cheio de realizações para todos, mas que seja principalmente um ano de mais tolerância, respeito e amor entre todos os povos, crenças, religiões, cores, classes sociais, ideologias e orientações sexuais. 
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O ano de 2016 terminou e com ele recebi uma tarefa para enfrentar em 2017, a qual quero dividir com vocês. Encarar essa missão será uma grande mudança em minha vida, talvez a maior e uma efetiva quebra de um paradigma. Ainda não sei que consequências estão por vir, mas quero transformar o episódio e as consequências que vivencio em algo que tenha algum valor para um número maior de pessoas.
No dia 28 de dezembro, comemorei meu aniversário e, para celebrar, fui a uma festa privada de um conhecido. Lá reencontrei um amigo que já não mora mais no Brasil e acabamos nos beijando. Um fotógrafo não perdeu a oportunidade e disparou uma rajada de cliques registrando a situação. O que era para ser um momento meu, acabou se tornando público. No dia seguinte, a foto do beijo entre dois homens estava estampada na capa de um grande site de celebridades e replicada em diversos outros espaços.
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Nunca escondi minha sexualidade, quem me conhece sabe disso. Não estou “saindo do armário”, porque nunca estive dentro de um. Também nunca fui um enrustido. Meus pais souberam da minha orientação sexual desde quando eu ainda era muito jovem. No início não foi fácil pra eles, pois somos de famílias católicas e com características bem conservadoras, mas com o tempo eles passaram a me respeitar e aceitar a minha orientação. Eles puderam perceber através da minha conduta que isso era apenas um detalhe da minha personalidade. Eles entenderam que o filho deles podia ser uma boa pessoa, honesto, bom caráter, bom filho, bom amigo, mesmo sendo “gay”. Hoje, a única preocupação da minha mãe é que eu não seja feliz. Eu posso afirmar para ela que sou feliz. Tenho um trabalho que me realiza, amigos que me amam e uma família que me conhece de verdade e que me aceita como eu sou, sem hipocrisias. Meu caso não é nem o primeiro e nem será o último.
Desde cedo já sabia que eu queria ser ator. Já fazia teatro amador na escola, antes mesmo de me descobrir sexualmente. Aos 22 anos, fui alçado para a fama como um foguete. Em quatro capítulos de uma novela fiquei famoso nacionalmente e me tornaram o galã do momento, um “namoradinho do Brasil”. Em pouco tempo estava em todas as capas de revistas e jornais. Passei a receber inúmeras cartas, convites para comerciais de televisão, festas, desfiles, presenças VIPs. A mídia me classificou como símbolo sexual e jornalistas me perguntavam como eu me sentia sendo o novo “símbolo sexual”. Eu era novo e não sabia responder, dizia apenas que estava feliz com a repercussão do meu trabalho. Eu nem me achava tão bonito e sexy assim para ser tido como um símbolo sexual. Sempre me achei um cara normal. Convivi com uma dúvida pessoal que me tirou a paz por um tempo. Como eu poderia ser um símbolo sexual para tantas meninas e mulheres quando a minha sexualidade na “vida real” apontava em outra direção? Como lidar com isso? O que fazer? Declaro minha sexualidade? A pressão era enorme de todos os lados, eu não sabia o que fazer e acabei não me declarando publicamente, mantive uma vida discreta e tratei o assunto em meio a círculos de amizade, trabalho e família como algo natural.
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Sempre achei que um ator deve ser como uma tela em branco. Ali colocaremos tintas, cores, formas e sentimentos para dar vida a diferentes personagens. Respeito, mas nunca concordei com atores que expõem sua vida íntima ou levantam bandeiras ideológicas, exatamente porque no meu entender isso poderia macular essa tela em branco e correr o risco de tirar a credibilidade de um trabalho. O público passa a ver o ator antes da personagem e para mim isso nunca foi bom. Um dos motivos de nunca ter feito o meu “outing” foi esse e isso não é uma desculpa. Provavelmente, se eu fosse hétero, manteria a mesma postura discreta em relação a minha vida privada.
Infelizmente, vivemos em um país ainda cheio de preconceitos e a homofobia é um deles. Revelar-se homosexual não é fácil pra ninguém e acredito que seja ainda mais difícil para uma pessoa pública. Sempre achei “assumir” um termo pesado demais. Assume-se um crime, um delito, um erro e uma falta grave. Será que estou errado em ser quem sou? Será que tenho alguma culpa para assumir? Esse termo “assumir” me perseguiu como se eu tivesse cometido algum crime e que eu teria que fazer o “mea culpa” e ser condenado. Nunca me senti criminoso ou culpado por ser homosexual, eu me sentiria assim se tivesse matado alguém, ou roubado alguém ou a nação. O fato de ser gay nunca prejudicou ou feriu alguém, a não ser a mim mesmo; e não escolhi ser gay. Se pudesse escolher, escolheria ser heterosexual com certeza. Seria muito mais fácil a vida, não teria que ter enfrentado as dificuldades que enfrentei com meus pais, não seria discriminado em certos círculos sociais, teria uma família com filhos (sempre sonhei em ser pai), não sofreria preconceito de colegas, não seria atacado nas ruas, não seria xingado nas redes sociais, não deixaria de ser escolhido para certos personagens, seria convidado para mais campanhas publicitárias e capas de revista. Tenho vivido e venho sofrendo preconceito durante toda a minha vida e na maioria das vezes ninguém percebeu, só eu senti na pele, mas nem por isso me vitimizei.
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Nunca deixei de fazer nada na minha vida privada por ser ator famoso. Sempre fui a lugares gays, namorei caras incríveis, tenho vários amigos e amigas gays e também frequento lugares héteros, tenho amigos héteros, vou ao supermercado, à feira… Sempre tive uma vida normal como todo ser humano merece ter. Nunca me senti especial por ser ator e sempre fiz questão de transitar livremente, mesmo que muitas vezes tivesse que parar um minuto da minha existência para tirar uma foto ou dar um autógrafo. Agora, pessoas do público as quais dediquei meu tempo, atenção e carinho, me atacam nas redes sociais de maneira vil e violenta, porque “descobriram” que eu sou gay. Eu nunca disse que não era, só não saí por aí com uma bandeira hasteada. Eu não traí a confiança de ninguém, sempre fui o que sou. Algo muito simples de ser entendido se em nossa sociedade essa questão ainda não fosse um tabu no ano de 2017.
Sobre o episódio do “beijo gay”, que a princípio parecia ser um “escândalo do último minuto” ou uma pedra no caminho, eu parei para refletir e vi que era, na verdade, um presente. Uma ótima oportunidade para tirar das minhas costas algo que me fez sofrer por muitos anos. Agradeço sinceramente ao site e ao fotógrafo que publicaram as fotos do beijo, pois assim me vi na obrigação de escrever essa carta e deixar clara a minha posição, tirando, assim, um peso que carrego há anos nas costas, além de poder ajudar a tantas pessoas que sofrem preconceitos, discriminação ou ainda não assumiram sua sexualidade. Estou me sentindo bem mais leve, mas poderia estar me sentindo bem mais pesado, caso eu não tivesse o suporte de minha família e amigos. Embora a publicação tenha me feito um grande favor, pode ter me prejudicado imensamente profissionalmente (só saberemos no futuro) ou poderia ter destruído minha família, se por acaso eles já não soubessem da minha situação. Infelizmente a mesma mídia que se diz contra a intolerância, a discriminação e o preconceito, alimenta esses sentimentos irresponsavelmente, sem medir as consequências. É incrível que obras como o ” Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, baseada em um beijo entre homens e transformado em sensacionalismo midiático, ainda sejam atuais.
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Essa carta aberta aqui não é um pedido de desculpa, pois não acho que deva pedir desculpas por ser gay. Pelo contrário: sempre tive orgulho de ser quem eu sou. Essa carta é um manifesto contra a homofobia. Descobri estupefato que homofobia não leva ninguém à cadeia. Este crime, que pode ser devastador na vida das pessoas, não tem defesa à altura. Algumas cometem suicídio e outras matam por simples preconceito, que, aliado à violência verbal, psicológica ou física, é uma das mazelas de nossa sociedade.
Não gostaria de me colocar no papel de vítima, mas sou e não posso deixar de querer meus direitos como cidadão de bem e exigir justiça para mim e, quiçá, para tantos outros homosexuais em meu país que também sofrem com isso diariamente e por anos em suas vidas. Homofobia precisa ser tratada com seriedade pela justiça e pela sociedade.
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O objetivo dessa carta não é só esclarecer, de uma vez por todas e a quem interessar possa, a minha orientação sexual, mas também alertar para o verdadeiro crime psicológico e letal que as pessoas cometem ao perderem tempo de suas vidas para atacar os outros na internet ou nas ruas.
O que ainda me surpreende é a violência, a guerra, a discriminação, a intolerância, a falta de respeito entre pessoas iguais que se atacam pela diferença, seja pelo fato de alguém ser gay, hétero, preto , branco, rico, pobre, evangélico ou muçulmano. Se sou gay, isso não vai mudar em nada a vida de ninguém ou a de quem estiver lendo isso, mas meu caso talvez possa ajudar pessoas que sofrem com a discriminação sexual ou com qualquer outra forma de discriminação e preconceito. Não consigo entender porque as pessoas ainda se preocupam tanto com a sexualidade alheia e fazem disso motivo de discórdia e violência.
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Existem mulheres e homens na internet dizendo coisas horríveis a meu respeito. Tenho sofrido ataques homofóbicos pelo fato de ter sido fotografado beijando um homem. Se eu fosse hétero jamais me envolveria com uma mulher preconceituosa e deselegante, porque também não me envolveria com um homem preconceituoso e deselegante. Ser um ser humano com bom caráter, honesto, amigo, leal, educado, gentil, generoso e outras qualidades é muito mais importante do que quem você beija ou se relaciona sexualmente, independentemente se você é homem ou mulher.
Por isso estou indo esta tarde à comissão dos direitos humanos entender quais são os meus direitos como cidadão e quem sabe assim servir de exemplo para que meu caso não seja mais um e isso possa mudar algo em nossa legislação.
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Para terminar esse manifesto gostaria de homenagear e agradecer algumas pessoas que, antes de mim, tiveram a coragem de dar sua cara à tapa e declararam suas orientações sexuais sem medo de enfrentar as consequências: Kevin Spacey, Rick Martin, Ian McKellen, Alessandra Maestrine, Marco Nanini, Ney Matogrosso, Daniela Mercury e tantos outros. Deixo aqui meu muito obrigado e todo meu respeito a todos que lutam por esta causa: a da liberdade para que todos possam ser quem são.
Bom, a vida continua e quem quiser conferir meu trabalho, estou em cartaz no teatro Folha em São Paulo, a partir do dia 11 de janeiro, sempre as quartas e quintas, às 21 horas, na comédia Nove em Ponto, de Rui Vilhena.”
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Leonardo Vieira