Ministro, por que a economia não cresce? Quando vamos voltar a crescer 2% ou 3%?
A economia brasileira está crescendo menos porque estamos com o curso de uma crise internacional que ainda não terminou. Praticamente todas as economias do mundo tiveram uma desaceleração do crescimento, quando não crescimento negativo, que é o caso dos países europeus. O Brasil crescia mais, de 2008 a 2013 nós crescemos em média 3% ao ano, que para um período de crise está muito bom. Mas você não pode olhar só o crescimento. Mesmo com essa crise aumentamos o emprego, aumentamos a renda da população, o nosso mercado interno continuou crescendo. Mas somos afetados por essa lentidão da economia internacional.
Mas a crise internacional está arrefecendo...
Ainda este ano tivemos problemas nos Estados Unidos, no Japão, na União Europeia. Ainda não superamos essa crise internacional. E essa crise restringe os mercados. Então, a economia europeia não está consumindo. Os japoneses estão tendo uma queda de PIB forte no segundo trimestre. As economias latino-americanas todas estão desacelerando nesse período e a economia chinesa, que tem impacto quase tão grande quanto a americana, está dando sinais de desaceleração. Ela crescia acima de 10%. Chegou a crescer 14%. Agora ela cresce a 7,5%. E vimos agora que a produção industrial está crescendo menos lá. Tivemos desalavancagem da produção industrial agora, no mês passado, mostrando que as coisas não estão muito bem. Está difícil, o mundo está complicado e mesmo assim o Brasil consegue ter desempenho social e econômico bastante razoável. Agora, este ano tivemos alguns fatos específicos, passageiros. Tivemos uma seca forte, que elevou o preço da energia elétrica, criou uma pressão inflacionária, elevou alguns alimentos, algumas culturas, que foram afetadas pela seca. Já está se dissipando, mas teve. Aí você teve também a transição do Fed para um novo regime monetário, a política com menos estímulos monetários. Isso causou uma turbulência.
Quais são as perspectivas de recuperação?
Agora, no segundo semestre, já temos uma recuperação. Temos muitos dados de julho mostrando aumento de produção industrial, comércio, serviços, transportes, papelão ondulado, indústria automobilística. Este terceiro trimestre vai ser bem melhor do que o segundo. É uma melhora moderada porque ainda não temos a economia internacional se recuperando. Temos impacto de economia internacional de mais ou menos 60% no nosso PIB. Ou seja, se não tivesse a crise internacional, estaríamos crescendo pelo menos 60% a mais do que estamos crescendo, segundo cálculos do Fundo Monetário Internacional e de outros pesquisadores. O Brasil, apesar da crise, se manteve sólido.
Críticos dizem que uma política fiscal frouxa contribuiu para o estímulo à inflação, levando o BC a subir a taxa de juros....
A crise internacional nos levou a fazer polticas anticíclicas e por isso o resultado fiscal fica menor. Reduzimos tributos para indústria, produção, investimento e para alguns segmentos de consumo, para tornar as empresas mais competitivas. Fizemos a desoneração da folha de pagamento, que é importante. E ela viabilizou a manutenção do emprego. Então, mesmo com a atividade mais fraca, as empresas mantiveram os trabalhadores empregados porque passaram a gastar menos com a folha de pagamento, que este ano vai custar entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões no meu orçamento. Em compensação, mantém o emprego e facilitará a retomada da atividade na expansão do ciclo. Tudo que nós desoneramos teremos de volta com a expansão da economia, que não é imediata. Quando as economias estão em crise, você faz o estímulo e elas reagem depois. Nós não fizemos uma política fiscal frouxa, o superávit que fizemos no Brasil, mesmo esse que fizemos no ano passado, de 1,9%, é um dos maiores do mundo e, mesmo com superávit fiscal menor, estamos reduzindo a dívida líquida do país. Ela hoje é menor do que no governo Lula, e no governo Lula era menor do que no governo FHC.
Quando o Brasil poderá voltar a crescer 2% ou 3%? Há um horizonte?
Acho que no ano que vem teremos condições melhores. No início do ano, temos de fazer um ajuste. Temos de fazer um pouco o que foi feito em 2011, quando, depois da expansão de 2010, elevamos o primário. Em 2010, o primário foi de 2,7% e aí aumentamos para conter um pouco a economia, que estava muito aquecida, tinha uma pressão inflacionária, o BC subiu os juros. Acho que devemos fazer do ponto de vista fiscal parecido com o que fizemos. Mas não num patamar de primário de 3,1%. Isso é possível, mas você quebra a economia. Até tem gente que está mal intencionada e quer fazer logo 3%. Hoje, a taxa que colocamos no orçamento que enviamos ao Congresso é um primário de 2,0% a 2,5%. A taxa de juros já está lá em cima. Uma das razões do nosso crescimento menor hoje é a política monetária. Praticamente, não tem crédito para consumo.
Qual taxa de crescimento o governo trabalha para 2015?
Entre 2% e 3%.
Mas é possível?
Sim, porque uma parte dos problemas deste ano poderão estar superados no próximo ano. Vai ter mais dia útil, não tem tanto feriado, não tem Copa, não vai ter seca, e espero que a economia internacional possa estar um pouco melhor.
Armínio Fraga, ex-presidente do BC e guru econômico de um Aécio Neves, fala em fazer um superávit primário de 3% em dois anos, voltar inflação para o centro da meta, resgatar credibilidade orçamentária, tornar empréstimos do BNDES mais transparente, reduzir o papel do BNDES. Qual sua opinião?
Ele fala de uma correção rápida de preços. Não sei como ele vai reduzir a meta. Aliás, ele estava dizendo que ia reduzir a meta e parou de falar. Não sei se mudou a estratégia. Ele fala em corrigir rapidamente os preços administrados. Isso vai gerar uma pressão inflacionária. Primeiro, acho que é desnecessário, porque temos corrigido preços de energia elétrica, de plano de saúde, de remédios, de correio. Este ano fizemos vários reajustes de preço, mesmo sendo ano eleitoral. Mas se ele quer corrigir mais, então vai ter pressão inflacionária. Me preocupa o que ele vai fazer com os juros. O juro mais baixo que ele praticou foi 20%, o juro real dele era em média 15%. Ele vai aumentar os juros para segurar a inflação, certamente. Se elevar os juros, vai derrubar a atividade. Então, poderemos ter uma recessão por excesso de política monetária. Ele vai subir a inflação como ele fez de 1999 a 2002. A inflação subiu. Ele pegou a inflação a 9% em 1999 e entregou a 12,5% em 2002. Essa fórmula aí eu não sei, faltam detalhes...
Mas teve desvalorização cambial...
Sim, mas olha o câmbio no nosso governo. No início do governo Dilma, chegou a R$ 1,60 e hoje está a R$ 2,40. Então, nós não usamos âncora cambial como no governo anterior. Quando se desfez a âncora cambial, a inflação voltou. A inflação que nós trabalhamos é diferente. Juro menor, fizemos um primário bastante razoável que diminuiu a dívida. Fizemos um primário menor num período contracíclico, de política pró-crescimento para evitar recessão. Ele vai criar o desemprego, porque aumentou o desemprego. Entregou o governo em 2002 com 12% de desemprego. O nosso está em 4,9% de desemprego. Reduziu a renda. Saiu a Pnad hoje e o rendimento médio mensal só aumentou em 2013, e no governo Dilma a renda subiu mais até do que no governo Lula. Quando ele era presidente do BC, a renda caiu. Então é juro alto, inflação mais alta, renda diminuindo e desemprego aumentando... É uma política que usa um tratamento de choque monetário e fiscal. E isto acaba em crescimento baixo, em desemprego. Às vezes, eles gostam de desemprego para diminuir o custo do salário. Não é o que nós pensamos.
Esse modelo ortodoxo parece encantar o mercado...Por que?
Quando você fala em mercado, tem que separar as coisas. Você está falando do mercado financeiro ou do mercado como um todo? Você está falando do setor produtivo? Por que os empresários não gostam de juros altos. Quem gosta de juros altos é o setor financeiro, que faz arbitragem, tesouraria, que quer ganhar dinheiro sem dar crédito. Mas o setor produtivo não gosta. A bolsa não gosta de juros altos. Temos de fazer uma distinção. O Armínio vem do setor financeiro, trabalhava no setor financeiro lá fora. Tem gente que acredita que a melhor coisa para o país é trabalhar com juro alto porque isso é a melhor coisa para a inflação, para o fluxo de capitais. São visões bastante diferentes.
Os mais críticos interpretam que o custo de um ajuste fiscal de um novo governo Dilma será mais elevado que o de outros candidatos...
No governo Dilma, é um ajuste dentro do mesmo modelo de desenvolvimento econômico e social. A economia exige ajustes, e, em momentos como este, de recomposição da crise, é preciso fazer um ajuste maior, porém mantendo a estrutura básica da estratégia econômica e social. Ou seja, manter política industrial de conteúdo local — que certamente outras posições iriam demolir, porque para alguns é palavrão falar em política industrial. É manter a política agrícola. Nosso ajuste custa menos para a população, mantém o nível de emprego, a renda, o mercado interno. Não vamos abortar isso. Os outros dizem: “Nós vamos fazer uma reforma tributária”. Mas por que o Arminio não fez a reforma tributária quando ele ficou quatro anos no governo? Poderia ter feito e não fez. É muito fácil falar “eu vou fazer”. A reforma tributária mexe com o pacto federativo, que é muito delicado.
A elevação dos juros pelo FED (Banco Central americano) é a questão que mais preocupa no cenário externo hoje?
Não. As principais questões no cenário externo são a desaceleração da China, a situação da União Europeia, cuja economia está empacada, é o problema do Japão, que está andando para trás, é a economia alemã, onde a confiança cai há oito meses. Esses são os principais problemas. No ano passado, o FED fez um movimento que já criou uma turbulência na economia internacional e o Brasil foi posto à prova. O Brasil se saiu muito bem, mostrou que tem resiliência à crise. Não perdemos fluxo de capital externo, ao contrário de outros países. Não perdemos um tostão de reservas, que continuaram intactas. É uma retaguarda que temos que nos dá muita força. Isso (o aumento dos juros pelo FED) só deverá ocorrer em 2015, se acontecer, porque não acredito que a economia americana tenha uma grande tração hoje.
Os assessores econômicos de Marina Silva vêm falando da abertura da economia. Qual seria o impacto de um modelo mais liberalizante na indústria?
Aí você está falando do economista que falou em “desmamar” a indústria. Pelo que eu entendi, eles vão diminuir a ação dos bancos públicos. Portanto, vão reduzir subsídios que hoje são dados à compra de bens de capital, máquinas e equipamentos. Máquinas e equipamentos hoje têm subsídio. É por isso que a agricultura vai bem. É por isso que o investimento ficou mais barato. Eles querem diminuir isso. Querem provavelmente recolocar tributos que nós tiramos da indústria, subsídios e tributos que nós desoneramos. Eles querem onerar de novo e ainda abrir a economia, o que significa facilitar a entrada de produtos estrangeiros. O que vai acontecer? Vai acontecer que vai quebrar a indústria. O Brasil não é um país fechado, mas não é tão exportador quanto a China, a Alemanha ou o Japão, que dependem mais do que nós do mercado externo. Quando a economia internacional encolhe, eles têm um impacto maior do que a gente. Dependemos mais do mercado interno do que do externo. É muito fácil você abrir a concorrência aqui, vamos ser inundados por produtos de fora. E o empresário brasileiro vai virar um mero importador de produtos que ele vai revender no mercado doméstico. Vai cair o emprego, a produtividade, a indústria não vai produzir inovações. Se é isso que significa “desmamar” a indústria, os empresários que se cuidem.
Há um problema de credibilidade no governo atual?
Como medir a credibilidade? Há um pouco barulho nesse tema, que alguns fazem porque querem pautar o mercado. Em todos os países houve queda da confiança dos empresários. Mas não caiu a confiança dos investidores externos no Brasil. Nos quatro anos de governo Dilma, atingimos o maior patamar de investimento externo. Se isso não é prova de confiança, eu não sei o que é. Conversa fiada não é prova de confiança.
Qual a sua opinião sobre a ideia de um BC indpendente?
É muito bonito no papel, mas na prática mostra uma série de riscos. Já temos hoje uma autonomia operacional do BC. Tanto é que o Banco Central subiu a taxa de juros em pleno ano eleitoral. Na verdade, existe, acima do presidente do Banco Central, a figura do presidente da República. Você não elege o presidente do Banco Central. Na regra atual, há uma meta, que é pública, transparente, discutida, que o BC tem que cumprir. E o BC hoje tem autonomia. O que me preocupa é colocar lá um presidente do BC que não responde ao presidente da República e que fica autônomo fazendo o que quer. Um exemplo histórico: em 1998, este país tinha uma âncora cambial que já durava quatro anos. Se foi boa no primeiro ano, já era um desastre naquele ano. Ia estourar e só não estourou porque eles empurraram para depois da eleição. Agora, imagine se o presidente da República não pudesse demitir aquele presidente do BC, como demitiu?