Por douglas.nunes
Com acusações de envolvimento de grandes construtoras em esquema de corrupção investigado pela Lava Jato, as concessões de aeroportos federais à iniciativa privada, cuja maioria tem direta e indiretamente algumas dessas empresas entre os sócios, já estão sendo alvo de preocupações dentro do governo federal.
Duas fontes do governo que acompanham de perto o assunto disseram à Reuters que o temor principal refere-se à limitação do acesso dessas empresas a crédito, porque o agravamento da crise causada pelas investigações pode, no limite, prejudicar a capacidade de execução das obras nos terminais.
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Segundo uma das fontes, o governo vem monitorando de perto o caso. "Essas empresas têm um monte de investimentos para fazer nos aeroportos e qualquer quebra de fluxo de caixa para esses acionistas pode gerar um problema no caixa da Sociedade de Propósito Específico (SPE) que administra a concessão", disse a fonte, sob condição de anonimato.
A agência de classificação de risco Moody's alertou para o aumento do risco de liquidez de construtoras com executivos envolvidos na investigação da Polícia Federal, enquanto a Fitch disse haver risco alto de que as companhias sofram "defaults" em um esforço para preservar a liquidez num momento de incerteza e com a dificuldade de obterem crédito no mercado.
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A OAS Finance, da OAS, deixou de pagar neste mês juros sobre títulos de dívida no exterior. O grupo OAS é sócio indireto da concessão do aeroporto de Guarulhos (SP), uma vez que é acionista da Invepar, que integra o consórcio gestor do aeroporto paulista.
O aspecto financeiro é, por enquanto, a preocupação mais palpável, já que ainda há controvérsia sobre o impacto legal e regulatório de uma eventual condenação jurídica dos executivos de empreiteiras denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF).
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O MPF já denunciou 36 pessoas acusadas de participarem de um esquema de propina e sobrepreço em contratos da Petrobras, 23 delas vinculadas aos grupos OAS, Camargo Corrêa, UTC Engenharia, Galvão Engenharia, Mendes Júnior e Engevix.
A Engevix é sócia da concessionária Inframérica, que administra os aeroportos de Brasília (DF) e São Gonçalo do Amarante (RN). O terminal de Viracopos (SP) tem a UTC Engenharia entre os sócios.
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Assim como no terminal de Guarulhos, no aeroporto de Confins (MG) a participação é indireta: o Grupo Camargo Corrêa é acionista da CCR, integrante do consórcio responsável pelo aeroporto mineiro.
Para especialistas consultados pela Reuters, problemas de caixa e insolvência nas empreiteiras podem levar o governo federal a interferir nas concessões de aeroportos.
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"A empresa que perde condições técnicas e econômicas de habilitação pode ter o contrato de concessão rescindido por inexecução", disse o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), advogado Carlos Ari Sundfeld, especialista em direito administrativo.
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), as seis aeroportos com a iniciativa privada, parte de um plano de logística do governo da presidente Dilma Rousseff para melhorar a infraestutura do país, deverão receber juntos investimentos de cerca de 30 bilhões de reais durante todo o contrato. Cerca de 8,5 bilhões de reais já foram investidos até 15 de janeiro.
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A conta inclui dados relativos ao aeroporto do Galeão (RJ), administrado por Odebrecht Transport e Changi.
Venda é alternativa
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Exceto pelo aeroporto potiguar, que foi contruído inteiramente pelo concessionário, os demais transferidos à iniciativa privada incluem terminais em operação que são os mais movimentados do país.
Em meio às dúvidas sobre a solvência de algumas empresas nos consórcios, investidores que estão fora do segmento começaram a sondar os grupos na tentativa de comprar uma participação nas concessões.
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Uma das empresas que foi sondada é a Engevix, segundo uma fonte próxima à companhia. Essa mesma fonte afirmou, porém, que o grupo não tem intenção, no momento, de se desfazer da presença que possui em aeroportos.
Segundo essa fonte, eventuais dificuldades em conseguir recursos deverão ser superadas com a possível venda do controle de outra subsidiária, a Desenvix, que atua na área de energia, para o sócio norueguês da empresa, a SN Power.
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A OAS anunciou que estuda a venda de determinados ativos. "Neste momento a companhia está em conversas com diversos interessados na Invepar", disse a empresa.
Procurada, a UTC Engenharia afirmou que não negocia venda de participação no aeroporto de Viracopos.
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O Grupo Camargo Corrêa explicou que a construtora Camargo Corrêa --que é a empresa do grupo envolvida nas investigações-- não possui participações em concessões aeroportuárias.
A participação do grupo na CCR, sócia de Confins, se dá por meio da Camargo Corrêa Investimentos em Infraestrutura e da VBC Energia, empresas do grupo.
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Condenação jurídica
Outro aspecto que ainda gera dúvidas refere-se à consequência jurídica de uma eventual condenação de algum executivo ou mesmo de uma empresa envolvida na Lava Jato.
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A princípio, segundo as duas fontes do governo federal que acompanham o tema, uma eventual condenação na Justiça não geraria necessariamente algum tipo de punição contra as concessionárias de aeroportos.
Uma dessas fontes disse que o contrato de concessão assinado com o governo federal e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) tem como titular a SPE formada, e não os sócios das concessionárias. "Além disso, a investigação da Lava Jato está atingindo pessoas físicas, e não jurídicas", disse uma fonte.
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Segundo a Anac, a legislação estabelece que as condições de habilitação devem ser mantidas ao longo de toda a duração do contrato de concessão.
Procurada, a concessionária do aeroporto de Guarulhos disse que "vem cumprindo todo o cronograma de obras e de investimentos e que as operações ocorrem normalmente". A de Viracopos preferiu não se manifestar, enquanto a concessionária de Confins, a BH Airport, disse que as investigações da Lava Jato não afetam suas operações.