Por monica.lima

Rio - Após obter reconhecimento internacional pelo Marco Civil da Internet, o governo quer avançar na discussão da proteção de dados pessoais. No Brasil, hoje, existem apenas leis setoriais sobre essa questão, como para os dados financeiros e de saúde. No anteprojeto da Lei de Proteção de Dados, que se encontra em fase de consulta pública, está em debate a implementação de uma lei geral, que contemple todas as situações que envolvam a coleta e processamento de dados pessoais.

O projeto começou a ser discutido em 2009, paralelamente ao do Marco Civil da internet. Como os casos de espionagem vieram à tona, o debate sobre a proteção de dados ficou em segundo plano, sendo retomado só agora. Na primeira semana de funcionamento, a plataforma criada para receber sugestões da sociedade acerca do anteprojeto de lei teve 194 comentários. Secretária Nacional do Consumidor, Juliana Pereira da Silva ficou surpresa com a intensa participação dos cidadãos. “Como gestora pública, gostaria que o debate tomasse corpo na sociedade e não ficasse restrito aos especialistas. É muito importante que o Estado ofereça instrumentos para a população participar das decisões”, comenta.

Especialista em Direito Digital, Renato Leite Monteiro está participando dos debates para a formulação da nova lei e apresenta suas principais disposições. “A lei trará a possibilidade de o cidadão decidir o que deve ou não ser feito com seus dados pessoais, além de um ecossistema mais abrangente e inteligível”, esclarece.

Ele destaca, ainda, que o alcance da lei não se restringirá às pessoas físicas. “O segundo objetivo é fomentar a economia digital, que utiliza dados pessoais. Poucos são os serviços que pagamos para utilizar na internet, e eles monetizam os dados pessoais de forma que possam auferir lucro com esses dados. Sem uma regra geral, cada serviço atua da forma que achar mais interessante para si. Quando as regras estão claras e idênticas para todos os players de mercado, você fomenta a segurança jurídica. A economia se beneficia disso”, esclarece.

Outro especialista em Direito Digital que acompanha as discussões do anteprojeto de lei, Renato Opice Blum chama atenção para as implicações negativas enfrentadas pelo mercado por conta do atraso jurídico do Brasil no setor. “As empresas que precisam ter dados — seja para armazenamento ou processamento e tratamento — têm dúvidas sobre o que podem fazer: se há alguma restrição, necessidade de aviso em caso de vazamento do dado, qual é a lei que se aplica, etc. A resposta que a gente acaba dando é essa colcha de retalhos genérica do Brasil”, comenta.

Opice Blum argumenta, ainda, que esse quadro tem desdobramentos na economia. “A consequência é dupla: o desestímulo do investimento nessa área ou o medo. A empresa que quer ter uma parametrização melhor do seu consumidor acaba não tendo parâmetros certos, objetivos, para seguir, e acaba não tendo o ‘business intelligence’ adequado. Acaba não podendo melhorar seus produtos e serviços”, explica.

Uma das modificações previstas pelo anteprojeto é o estabelecimento de um limite de tempo para o armazenamento de dados pessoais de usuários e o direito de acesso aos dados pelas pessoas físicas. Hoje, só há um prazo mínimo. Nesse sentido, as empresas de telefonia seriam as mais afetadas pelas mudanças. Procurado, o SindiTelebrasil, que representa as empresas do setor, afirmou que ainda está avaliando o projeto para definir seu posicionamento. A secretária Nacional do Consumidor faz questão de ressaltar que o mercado não tem razões para preocupação.

“A proposta está totalmente alinhada com as premissas internacionais. Além disso, hoje, é muito difícil fugir dos debates que interessam verdadeiramente à sociedade. O mercado precisa levar isso em consideração”, declarou. Iniciada no dia 28 de janeiro, a fase de consulta pública tem duração de 30 dias. Analisadas as contribuições, as formulações serão condensadas em um texto único, a ser transformado em projeto de lei e encaminhado ao Congresso, antes de receber uma relatoria.

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