Rio - O cenário adverso da economia este ano deve quebrar com um ciclo de 12 anos de ganhos reais em negociações trabalhistas no país. Muito além da previsão de retração em 0,50% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2015 — segundo projeção de analistas ouvidos pelo Banco Central para o Boletim Focus — o desaquecimento do mercado de trabalho, a aceleração da inflação e a perda de poder de compra das famílias são vistos por especialistas como indicadores negativos e que devem minar o poder de barganha dos sindicatos. A perfomance dos acordos deve ser até pior do que a de 2009, quando a crise financeira internacional abalou o Brasil.
Balanço do primeiro semestre de 2014 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que 93,2% das categorias alcançaram reajustes salariais acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que ficou em 6,23%. Já o aumento real médio ficou em 1,54%. A prévia do resultado do ano passado só foi inferior ao consolidado de 2012, quando 95,6% das categorias conseguiram recomposição salarial acima da inflação, com ganho real médio de 2,15%.
Embora o mercado de trabalho no país tenha perdido fôlego a partir do segundo semestre, o coordenador de Relações Sindicais do Dieese, José Silvestre, antecipa que o desaquecimento não se refletiu nas negociações trabalhistas. “A partir das análises preliminares dos dados parciais e do acompanhamento de diversas categorias, podemos dizer que o país fechou o ano melhor do que em 2013. Tanto na proporção de pessoas que obtiveram ganhos reais, quanto no tamanho médio do ganho real. O que aparentemente parece uma contradição em função das últimas pesquisas de projeção do PIB”, afirma.
O especialista acrescenta que o baixo nível de desemprego, medido pelo IBGE, foi determinante para garantir a valorização salarial. A taxa média de desocupação no país medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) ficou em 6,8%, abaixo dos 7,1% de 2013 e dos 7,4% de 2012 .
No entanto, o saldo de vagas com carteira assinada registrado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no ano passado aponta para uma tendência pessimista. O resultado de 396.993 postos foi bem inferior ao de 2013, quando o país tinha alcançado 1,138 milhão.
“Na medida em que há uma piora da renda das famílias, com o aumento do desemprego, da inflação e dos juros, além da restrição ao crédito, os jovens ou a população que estavam no grupo dos não economicamente ativos passam a pressionar o mercado de trabalho, não mais tão dinâmico. Isso deve impactar em certa medida nas negociações”, avalia Silvestre, que projeta um resultado inferior ao ano de 2009. No período, 77% das categorias garantiram reajustes superiores à inflação. Já o ganho real ficou em apenas 0,70%.
Para o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), Rodrigo Leandro de Moura, os trabalhadores com dissídio a partir do meio do ano devem ser os mais prejudicados. Segundo Moura, com a aceleração do desemprego, que deve ocorrer de forma mais intensa neste primeiro semestre, o poder de barganha dos trabalhadores ficará limitado. “A construção civil e a indústria já estão demitindo e, agora, a perspectiva é a de que o setor de serviços contrate menos ou comece a demitir também”, diz ele.