Por monica.lima

A estudante santista Carina Vitral, 26 anos, que cursa o 6º período de Economia da PUC-SP e é a mais jovem membro do Comitê Central do PCdoB, mal foi eleita como nova presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e já encarou uma briga feia nos corredores do Congresso Nacional, durante a votação da maioridade penal. A muito custo, vencendo empurra-empurras e jatos de spray, assistiu à sessão que discutia o tema. “Foi uma bafafá, porque os conservadores queriam me expulsar e os jornalistas me reconheceram e isso foi pauta nos jornais”. Carina está cheia de planos e com muita clareza sobre a agenda de lutas políticas da UNE: a reforma política, a maioridade penal, a defesa da Petrobras e a crítica ao ajuste fiscal — especialmente os cortes na área de Educação.

Qual será o principal objetivo do seu mandato, de dois anos?

A gente tem um desafio grande, que é conquistar uma nova agenda de direitos para um perfil de estudantes bastante específico, que ascendeu à universidade nos últimos anos e, agora, precisa de novos direitos, para complementar os direitos das cotas, do Prouni e do Fies. Essas políticas, somente, são insuficientes para manter os estudantes até o final do curso na universidade. Por exemplo, nos casos do Prouni, em que você não paga a universidade, e do Fies, no qual você não paga para estudar ao longo do curso, os custos da universidade ainda são muito grandes. Você tem a tarifa de ônibus; o gasto com material didático e xerox; alimentação. Se você juntar todos esses custos, dá mais de uma mensalidade.

Enquanto movimento estudantil, é natural que as principais pautas da UNE sejam voltadas para os estudantes. Mas, historicamente, a entidade se envolveu com as grandes questões do Brasil...

De fato, a UNE é chamada a opinar sobre muitas coisas. Estamos diante de uma crise econômica mundial, que atinge o Brasil com força. Além disso, tivemos uma eleição atípica. Um projeto político venceu a eleição, mas, pelo ambiente político, parece que quem venceu foi o outro lado. A política econômica, por exemplo, quem está capitaneando é o outro lado. É um ambiente complexo, no qual o grande desafio é como fazer o Brasil avançar em um ambiente tão difícil, política e economicamente.

Qual seria o caminho?

A UNE tem quatro bandeiras unitárias e prioritárias. A primeira é a reforma política. Existe uma urgência grande de mobilização social em torno desse tema, mas a composição conservadora do Congresso após as eleições fez com que isso tivesse sido apreciado pelo Legislativo sem aprofundar a democracia. Muito pelo contrário, tentou-se constitucionalizar aquela que é a rainha da corrupção, o financiamento empresarial de campanha. Outro tema é a redução da maioridade penal. Conseguimos avançar muito na Constituição de 1988, com a criação do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), uma das legislações mais avançadas do mundo. Agora, tenta-se praticamente jogar o ECA fora. Nos últimos anos, houve um aumento dos direitos da juventude, seja indiretamente, pelas famílias que foram beneficiadas por medidas de redistribuição de renda; seja diretamente, por políticas com o Prouni e as cotas. Ao contrário dessa situação, tenta-se impor um retrocesso sem precedentes. Essa parcela da juventude, que são os jovens de baixa renda, majoritariamente negros, de periferia, é o público alvo da redução da maioridade penal. Seria um grande retrocesso, em especial para a juventude negra, que já é exterminada todos os dias na periferia. Também consideramos importante a discussão da Petrobras. Apesar de toda a crise política iniciada pela operação que envolve denúncias graves sobre práticas de corrupção, com a participação de servidores públicos, é uma empresa sólida e forte. Trata-se da maior empresa brasileira, responsável por parte significativa do crescimento econômico do Brasil. O uso político disso é muito forte. Tanto que o senador José Serra apresentou um requerimento de urgência para análise de um projeto seu que aprecia o fim do regime de partilha. Seria outro grave retrocesso, porque uma das maiores estruturações do Estado brasileiro nos últimos anos foi a nova lei do petróleo, que tem uma política clara de valorização da Petrobras e da soberania nacional. O projeto do Serra retira a obrigatoriedade de ter a Petrobras como operadora única do sistema, justo no momento em que vai iniciar a exploração.

E o quarto ponto?

É o ajuste fiscal. Para nós, especificamente, o corte de verbas da Educação é um tema bastante sensível. A universidade passou pela maior inclusão de todos os tempos. A gente tem novos desafios, que demandam, necessariamente, mais investimentos. A política de assistência estudantil se torna prioritária, porque a universidade precisa continuar se expandindo e consolidar os avanços dos últimos anos. Neste momento da universidade brasileira, retroceder e cortar R$ 9 bilhões, ainda que o orçamento deste ano fique maior do que o último, precisava ter havido uma expansão exponencial.

Mais de 60 universidades federais do país estão em greve. Qual é a posição da UNE a respeito dessa mobilização?

A greve nas universidades federais gira em torno de duas categorias: os técnicos administrativos e, em menor grau, entre os professores. Mas ainda estão acontecendo assembleias em todas as universidades que decidem ou não pela adesão da greve. A posição da UNE é sempre de apoio à greve das categorias, seja ela técnico-administrativa, seja ela dos professores, por ser solidária à pauta sempre muito forte da educação e por entender que essas categorias são essenciais para a universidade. É um momento político importante, quando precisamos de muita unidade no interior da universidade para contrapor, de fato, ao projeto do corte e do ajuste fiscal. Nossa posição é de apoiar esta greve. A luta dos estudantes pela melhoria da universidade não é uma greve, porque o aluno não trabalha, em si. O método da UNE é fazer manifestações. Prova disso é que, no primeiro dia de gestão, levamos centenas de estudantes para acamparem em frente ao Ministério da Fazenda, como um método importante de luta. Greve estudantil se faz com passeata, manifestação, ocupação de reitoria. É Isso que está na agenda da UNE para o próximo período.

Diversos questionamentos são feitos à greve enquanto mecanismo de luta, seja pela longa duração e pouca efetividade da última paralisação, em 2012, seja por só interromper a graduação. O que acha?

De fato, não podemos ser muito fechados a um modelo de luta. A greve não é o único modelo e ela precisa se justificar quando tem amplo apoio da categoria. Mas acho que esta greve de agora não tem a mesma força de outrora por outros motivos, como não ter uma pauta salarial forte, por exemplo. Essa pauta existe, mas a principal é o corte. Existe, também, entre as categorias, um certo interesse individual ou coletivo de melhorar o salário. Isso é sempre um motivo de maior mobilização. Agora, naturalmente, para a greve ter efeito precisa parar não só a graduação. Um professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) fez um artigo dizendo que não adianta nada os professores entrarem em greve na graduação e continuarem em seus laboratórios fazendo pesquisa e dando conta de seus outros trabalhos acadêmicos. É uma opinião pertinente.

Como a presidenta da UNE vê o argumento de que o maior prejudicado, em greves, é o aluno?

Não concordo com essa afirmação. Cada vez mais, os estudantes têm se sensibilizado para os momentos de greve. Em 2012, vivemos uma greve bastante mobilizada, com assembleias estudantis de apoio à greve muito forte e universidades que declararam greves estudantis. Apesar de os estudantes serem atingidos pela paralisação das aulas, ele é beneficiado, indiretamente. Quando o professor é valorizado, a aula vai ter mais qualidade. As pautas dos professores e técnicos administrativos vão além da campanha salarial e têm caráter global, de investimento na universidade. Embora as aulas parem, os estudantes são beneficiados, no fundo, porque terão uma universidade mais valorizada se a greve for vitoriosa.

Embora enquanto presidenta da UNE, você esteja manifestando apoio à greve, as últimas paralisações têm sido conduzidas por movimentos que se consideram à esquerda da entidade.

Os movimentos a que você se refere também participam da diretoria da UNE. No interior da universidade, as greves não partem da UNE porque se trata de uma entidade nacional. É natural que o movimento que dirige o DCE de cada universidade seja protagonista no momento de puxar uma greve. A UFF é um exemplo, já que o DCE é dirigido pelo mesmo grupo que compõe a direção majoritária da UNE. A ocupação de reitoria e a condução de toda a discussão da greve dentro da UFF são feitas pela mesma força que dirige a UNE. Por isso, depende muito da condução de cada movimento. De fato, esta greve, em si, é mais complexa. Não se divide entre os que são a favor ou contra, mas sobre métodos de luta diante de um corte de verbas na Educação. Em termos práticos, ter os estudantes na sala de aula para fazer debates, manifestações, passar em sala, é estratégico, porque apesar de a greve ter muita participação estudantil e um comando do movimento, a maior parte dos estudantes está em casa. Você diminui o diálogo. Quando, ao contrário, ele está na sala de aula, você passa em cada uma delas dialogando sobre as opiniões políticas do DCE, da UNE. Essa é a questão. Mas institucionalmente, tudo isso é UNE. A oposição da UNE participa da diretoria da UNE.

Em entrevista ao Brasil Econômico, a ex-presidenta da UNE, Vic Barros, argumentou que a entidade mudou sua forma de atuação de acordo com as mudanças na conjuntura política do país. A UNE tem uma relação complexa com o poder desde a vitória do Lula, em 2002. É possível cobrar e apoiar o governo ao mesmo tempo?

A postura da UNE é de independência, e não de apoio. O apoio se dá, especificamente, durante as eleições, quando é natural que uma organização política tenha que se posicionar. Em geral, a gente só faz isso no segundo turno, porque entendemos que, no primeiro turno, há alguns projetos de avanços. Nessas eleições, por exemplo, a gente apoiou a Dilma no segundo turno, após um fórum de consulta aos DCEs de todo o Brasil. Essa relação de independência analisa cada política, caso a caso. A conjuntura mudou, mas essa relação não. Há dez anos, por exemplo, quando houve a criação do Prouni, foi um momento de bastante sintonia entre a UNE e o governo. A gente não só apoiou o Prouni como ajudou a formular essa política, por conta da participação social na concessão de políticas públicas, por conferências e uma série de mecanismos que aproximaram o governo dos movimentos. É complexo, mas precisa haver duas linhas de corte. Primeiro, a independência política; segundo, o interesse dos estudantes. São esses os critérios para estarmos mais, ou menos, próximos do governo.

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