Por lucas.cardoso

Brasília - O Brasil "fracassou" em proteger os direitos dos povos indígenas. A constatação foi feita por relatores da ONU em documentos que serão utilizados como base para um exame na sexta-feira, da política de direitos humanos do Brasil, em Genebra. "É motivo de preocupação o fracasso do estado em proteger as terras indígenas de atividades ilegais, especialmente em mineração e madeireiros", indicaram relatores das Nações Unidas, citados no informe distribuído para todos os governos.

'É motivo de preocupação o fracasso do estado em proteger', diz relator das Nações UnidasDIONEDSON TERENA

Nesta semana, em reuniões preparatórias para o exame do Brasil na ONU, governos já indicaram que o recente caso de violência contra indígenas no Maranhão reforçará o debate sobre a questão de demarcação de terras e os recursos para a Fundo Nacional do Índio (Funai). O grupo teria sido alvo de pistoleiros.

Mas antes mesmo do caso, os documentos da ONU distribuídos aos governos já apontavam como alarmante o "nível de violência contra os povos indígenas".

A sabatina faz parte de um mecanismo criado pelas Nações Unidas para analisar a situação de todos os países e que obriga os governos a darem respostas a cada quatro anos. Para se preparar para o questionamento, a ONU elaborou um raio-x completo sobre a situação brasileira. No documento, uma das principais preocupações se refere justamente à situação dos grupos indígenas.

Congresso

Para os relatores da ONU, existe ainda "uma tentativa contínua no Congresso de enfraquecer as proteções constitucionais e legislativas de direitos indígenas". Entre os exemplos citados está o novo código de mineração e a Proposta de Emenda Constitucional 215. A emenda pretende dar ao Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, hoje com o Poder Executivo. Um substitutivo ainda proíbe as ampliações de terras indígenas já demarcadas. Para os grupos indígenas, isso é uma tentativa de dar mais poder à bancada ruralista.

Um dos obstáculos identificados pelos relatores é a questão do financiamento da Funai. Ainda que a relatoria elogie o Brasil pelo papel "construtivo da Funai", ela se diz "preocupada" com o corte de recursos. De acordo com o informe, equipes da ONU no Brasil relataram que a Funai "tem sofrido um agressivo corte de orçamento e que hoje está em seu nível mais baixo nos últimos dez anos".

A saúde dos povos indígenas também é uma preocupação. De acordo com a ONU, apenas 57,9% das crianças são registradas em seu primeiro ano de vida. "A equipe (da ONU no país) ainda indica que crianças indígenas são as principais vítimas de mortalidade infantil no Brasil. Eles têm duas chances mais de morrer antes de completar 1 ano, com muitos casos resultando de doenças que poderiam ser prevenidas", indicou.

Documentos obtidos pela reportagem ainda mostram que governos como da Alemanha, Bélgica e outros já deixaram claro que estão preocupados com a situação da demarcação de terras e dos confrontos. Berlim chega a citar relatórios da ONU em que falam de uma regressão nas condições dos povos indígenas.

Resposta

O Brasil terá a chance de dar uma resposta a esses temas na sexta-feira, em Genebra. Uma delegação será enviada pelo governo de Michel Temer. De acordo com o Itamaraty, ela será composta pela ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, pelo subsecretário-geral de Assuntos Políticos Multilaterais, Europa e América do Norte do Itamaraty, embaixador Fernando Simas Magalhães, pela secretária-executiva do Ministério da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, e por Maria Inês Fini, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

Mas num documento preliminar, o governo já indicou que admite que o "desafio do Brasil é de ir adiante com a regularização das terras indígenas". Ao mencionar uma série de medidas sociais para atender às necessidades dos povos indígenas, o governo ainda reconhece que eles "continuam entre os grupos mais vulneráveis da população brasileira no que se refere à renda, mortalidade infantil, desnutrição, saúde, educação e acesso a saneamento".

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