Possibilidade de golpe de Bolsonaro em 2022 é real, alertam especialistas
Na avaliação de especialistas e cientistas políticos, extrema-direita se fortalece com invasão ao Capitólio e presidente já está preparando a possibilidade de tentar algum tipo de golpe caso perca nas urnas
A postura de Trump e os eventos que se sucederam no dia da certificação da vitória de Biden foram repudiados por líderes de diversos países, como a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e mesmo o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que se elegeu com um projeto nacionalista e chegou, em diversos momentos, a ser comparado com o próprio Trump. Um único líder mundial, contudo, se manteve fiel ao lado do presidente dos EUA e fez declarações públicas o apoiando, mesmo com a invasão ao Capitólio: Jair Bolsonaro. Ao ser questionado sobre a situação de Washington, o presidente do Brasil respondeu: "Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual é minha resposta aqui". Em seguida, voltou a defender a tese de que as eleições foram fraudadas.
"Ele já está preparando a possibilidade de tentar algum tipo de golpe caso perca nas urnas", afirma o cientista político e professor da Uerj, João Feres Junior. "É de responsabilidadedas instituições brasileiras - sobretudo os militares - resistir a esse tipo de atentado contra a democracia".
Publicidade
"Bolsonaro repete discursos, estratégias, adota posturas muito parecidas com Trump", diz o professor Michael Mohallem, pesquisador do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "As grandes bandeiras de campanha, como a suposta liberdade dos indivíduos de se armar, a agressão à China... Muitas de suas estratégias políticas são cópias perfeitas das estratégias políticas adotadas porTrump. Isso é explícito, não é novidade para ninguém". "Além disso, ele defende o armamento da população, para, segundo ele, se opor a um governo autoritário. Se isso acontecer e pessoas estiverem armadas, o risco é muito maior", alerta o professor. "De agora até o fim das eleições de 2022, essa sombra vai nos acompanhar".
Para o cientista político Geraldo Tadeu, da Uerj, a invasão ao Capitólio dos EUA deve dar forças para movimentos extremistas não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. "Nós vimos a extrema-direita desafiar uma das democracias mais sólidas do mundo, o que significa que o resto da extrema-direita, mundo a fora, vai se sentir em condições de desafiar outras democracias - não tão sólidas quanto ela". "Desde 2018, Bolsonaro coloca em dúvida a confiabilidade da urna eletrônica e disse que não aceitaria nenhum resultado que não fosse a sua vitória: exatamente o mesmo discurso de Trump". "Não se sabe a força que o bolsonarismo tem hoje, depois da dissidência dos lavajatistas e dois anos de governo, em plena pandemia, mas acredito numa reativação desse movimento", avalia o professor.
Publicidade
O filósofo e pesquisador Moysés Pinto Neto também acredita que a possibilidade do cenário de caos se repetir no Brasil é grande, e explica o papel dos líderes ao influenciar essa grande massa de extremistas: "O papel dele (Trump) não é ser o autor desses movimentos. Cada movimento segue uma lógica própria e emaranhada em uma série de dispositivos tecnológicos e formas sociais, desde o fundamentalismo religioso até teorias da conspiração. Trump funciona como uma espécie de elo que liga todos eles".
"Uma grande fatia da população não tem mais contato com a realidade sem a mediação de correntes de WhatsApp, grupos de Facebook e todas essas estratégias meméticas, que funcionam mediando o contato com o real e com isso fazem com que a percepção das pessoas sobre esse real esteja totalmente vinculada a essa memética. Por isso, essas pessoas não conseguem lidar com o trauma de que a realidade nem sempre é aquilo que a gente quer que ela seja - e, diante disso, reagem muito violentamente", explica.
"Bolsonaro mostrou, na pandemia, que o choque com a realidade- nesse caso, a realidade do vírus - não desfaz as convicções das pessoas. Não por acaso, os bolsonaristas hoje são chamados de negacionistas: porque eles de fato estão em um processo de negação da realidade, de tal maneira que Bolsonaro não teria dificuldade de interpretar o papel de negar um resultado eleitoral", conclui.
Publicidade
Violência policial e o papel das Forças Armadas
Durante a invasão ao Capitólio, chamou a atenção a forma como os manifestantes conseguiram furar o bloqueio policial e tomar conta da situação sem maiores dificuldades. Nas redes sociais, muitos afirmaram que o tratamento teria sido diferente se fosse uma manifestação de esquerda - ou se os manifestantes fossem negros. "É verdade que a polícia americana é racistas, mas o que houve lá foi uma coisa um pouco mais complexa", afirma João Feres. "Primeiro porque o Capitólio só contava com a segurança local. Era o caso de chamar a Guarda Nacional, mas parece que o departamento de Justiça - que está nas mãos do Trump, inclusive - demorou a fazer isso".
Publicidade
Michael Mohallem faz uma avaliação parecida: "Ainda é precipitado dizer que houve conivência da polícia, mas me parece uma questão para ser analisada com mais cuidado nos próximos dias, com imagens e avaliações sobre tomadas de decisões durante a invasão. Mas é uma hipótese que deve ser considerada".
No caso de algo parecido ocorrer no Brasil, o consenso dos especialistas é de que a postura das forças policiais e do Exército é o fator mais definidor. "Me parece correto afirmar que, de forma geral, as forças policiais brasileiras tem muita proximidade com alguns dos ideais do bolsonarismo. Dito isso, a gente imagina que, se houver uma ruptura, é claro que essas instituições vão ser chamadas à prova", diz Mohallem.
"Bolsonaro foi a mais formaturas de novos policiais do que se encontrou com prefeitos, por exemplo", lembra Geraldo Tadeu. "No Brasil, o que vai fazer a diferença numa possível tentativa de golpe vai ser o papel das Forças Armadas, e sobretudo da alta hierarquia - porque a baixa oficialidade é bastante simpática às ideias de Bolsonaro", afirma.
Publicidade
"Isso é um teste para o Brasil", concorda João Feres. "Acho que as forças políticas brasileiras tinham que se conscientizar bastante disso. E não digo só a esquerda: o centro, a centro-direita e a própria direita brasileira - aqueles que não são antidemocráticos - deveriam fazer um pacto pela democracia e pelas instituições democráticas, para não permitir que algo assim se crie aqui no Brasil - para além do que já foi criado", conclui.