SÃO PAULO - A renovação da outorga do Sistema Cantareira, o maior complexo de abastecimento de água de São Paulo, prevista para ocorrer em agosto deste ano, vai precisar conter mais regras para atender à população e evitar disputas políticas, defendeu na terça-feira o diretor presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo, durante audiência pública de cinco horas de duração, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que debateu o racionamento de água.
"A nova outorga do Cantareira precisará ter regras. E aí não importa de que partido é o governo. Aconteceu tal coisa, a população deve saber porque existe um cuidado das empresas de saneamento de não passar risco ou intranquilidade [para a população]. Há sempre cuidado para que não se transfira essa intranquilidade, e isso se reflita na área eleitoral. Nunca discutimos água nessa intensidade, e agora estamos fazendo no momento das eleições, quando tudo fica mais difícil", disse ele.
A crítica de Guillo se estendeu à disputa pelas águas do Rio Paraíba do Sul pelos governos do Rio de Janeiro e de São Paulo. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), encontrou-se recentemente com a presidenta Dilma Rousseff, em Brasília, para tratar sobre a crise no Sistema Cantareira, e pediu para utilizar água do Rio Paraíba do Sul para ajudar no abastecimento de São Paulo. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, no entanto, tem defendido que esse projeto é inviável e poderia dar prejuízos para a população fluminense, que é abastecida pelo rio. Para Guillo, essa é uma questão que "não pode ser contaminada pelas eleições" e deveria ser resolvida em uma mesa de discussão.
"Estou apreensivo com o tom dos governadores. É natural, porque estamos vivendo um momento eleitoral, mas não podemos deixar contaminar essa discussão pela questão eleitoral. Todas as soluções, exceto o volume morto, não acontece em nenhum mandato das pessoas envolvidas, mas somente daqui a dois anos. Trazer uma discussão com essa intensidade em um momento como esse é muito complexo", disse o presidente da ANA.
Segundo o presidente da ANA, 2014 vai ser um ano "bastante difícil" para a população de São Paulo. "Esta crise deve continuar durante todo o ano de 2014", ressaltou ele, que ainda defendeu a utilização do volume morto do Cantareira como medida de curto prazo para ajudar na solução da crise de desabastecimento. "A utilização do volume morto é uma situação emergencial e necessária", defendeu.
Também presente à audiência pública, Paulo Massato, diretor metropolitano da Companhia de Abastecimento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), disse que, apesar da crise, não vai faltar água em São Paulo. "Não [vai faltar água), mas é preciso que chova. Aqui na Bacia do Alto Tietê está chovendo próximo à média. Na Bacia do Guarapiranga choveu até acima da média. Na Bacia do Alto Tietê, as represas que armazenam os afluentes do Rio Tietê estão em boa condição de regularização. O ponto crítico é o Sistema Cantareira. A bacia onde ficam as barragens do sistema é menos de 20% do total da Bacia do Piracicaba e 80% já está abaixo das barragens. E não está chovendo nessa cabeceira. Normalmente, é um local que chove muito, mas este ano não está acontecendo isso", disse ele.
Massato negou também que vá ocorrer racionamento de água ou rodízio. "Tenho pavor de racionamento. Tenho pavor de rodízio. Todos os dias fazendo manobra na rede, aumenta muito o risco de ter um acidente no nosso sistema. Não gostamos de rodízio ou racionamento. Estamos buscando todas as alternativas para manter a qualidade de vida da população. Até agora foi possível atender, reduzindo a produção com as águas do Cantareira e aumentando no Guarapiranga e no Alto Tietê. Onde dá para transferir a água de um sistema e ajudar a do Cantareira, vamos fazer".
Ele admitiu que alguns lugares da região metropolitana de São Paulo podem estar sofrendo com a falta de água, mas disse que isso não tem relação com a crise no abastecimento. "Alguns locais têm falta de água. Nosso call center registra entre mil e 1,5 mil reclamações de falta de água todo dia, mas é o mesmo número que vem sendo registrado antes da crise do Cantareira. Isso [a falta de água] acontece porque fazemos manutenção, falta energia elétrica, ou porque dá algum problema na nossa tubulação", falou.
Para Massato, a crise no Sistema Cantareira está ocorrendo por uma questão climática. "Sei que vocês querem achar todos os problemas, mas no mundo todo, se você for para a Inglaterra agora, ela está sofrendo a pior inundação dos últimos 100 anos. Se você for para a Costa Oeste dos Estados Unidos, eles estão passando pela maior crise de falta d'água. Se for para a Austrália, ela passou pela maior temperatura já registrada. Tem um fenômeno global que atingiu o mundo todo, inclusive a região metropolitana de São Paulo. Quem não quer enxergar, tem um fenômeno global. No momento em que deveria estar chovendo 280 milímetros, em dezembro, janeiro e fevereiro, choveu 60 milímetros. No momento em que deveria estar se enchendo as represas, elas estão esvaziando. É uma crise climática", disse o diretor da Sabesp.