
Pelo que não afirmou, o Banco Central estimulou o debate entre economistas sobre a eficácia e as alternativas ao ciclo de alta da taxa básica de juros, iniciado em abril do ano passado, que resultou na Selic de 11% ao ano até agora.
A nota de justificativa da elevação da taxa em 0,25 ponto percentual, divulgada na última quarta-feira pela autoridade monetária, desta vez não repetiu o termo “...dando prosseguimento ao processo de ajuste da taxa básica de juros”. Em vez disso, informou que o BC “irá monitorar a evolução do cenário macroeconômico”, dando margem à interpretação de que o aperto está próximo do fim.
Diante de uma inflação com perspectivas de ultrapassar o teto da meta em 2014, de 6,5%, como previram os cinco analistas que mais acertam as projeções do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), os Top 5 do Boletim Focus, ficou a pergunta: “E agora, Guido?” Quais estratégias a Fazenda tem na manga para dar conta do controle dos preços, caso o Banco Central recue na sua atuação?
Além das ferramentas plausíveis para substituir a política monetária, é tema de questionamento entre os economistas consultados pelo Brasil Econômico a validade do trabalho desempenhado pelo BC nos últimos nove meses e os efeitos futuros de altas passadas da Selic.
Entre técnicos da área econômica que não quiserem se identificar, não há dúvida de que o ciclo de aperto monetário combinado com uma política fiscal mais comportada (“neutra” para o Banco Central, “levemente contracionista” para o Ministério da Fazenda), vai funcionar para conter a inflação, hoje em um patamar mais elevado. Além disso, o governo “torce” por uma taxa de câmbio mais branda ao longo do ano, já que o preço do real em relação ao dólar influencia outros preços da economia. Tem impacto, por exemplo, sobre o setor industrial importador de bens de capital e insumos. Se o dólar ficar mais caro, isso significará aumento de custos e, na sequência, de preços. Trata-se de uma “torcida” porque o câmbio é flutuante e o máximo que o BC pode fazer sem botar a perder a credibilidade da regra é controlar o excesso de volatilidade da moeda.
Dentro do governo, sabe-se que há pouca margem para reutilizar algumas ferramentas conhecidas. É por exemplo, reduzido o espaço para prosseguir com a contenção dos preços administrados (por exemplo, combustíveis e energia elétrica). O expediente foi utilizado como forma de suavizar a inflação, mas com impacto sobre a arrecadação. Agora, o desafio é oposto: como sair da contenção e realinhá-los com o mínimo de impacto sobre a inflação.
O discurso otimista do governo tem sido, na verdade, um exercício recorrente. Já em 27 de março, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, foi a público questionar: “será que se a taxa de juros estivesse hoje em 7,25% ao ano, nós teríamos um quadro em que prevalecem as setinhas vermelhas (indicando queda nas taxas de oito índice de inflação)? Eu entendo que não”.
Para o ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas, o Banco Central não tinha, realmente, outra alternativa nos últimos meses a não ser promover um ciclo de alta dos juros. “Com exceção da alta dos alimentos, que é muito instável, só é possível julgar a atuação do BC a partir dos preços livres e eles estão em desaceleração”, argumenta, para em seguida admitir que, neste momento, a posição da autoridade monetária não é a mais confortável.
Em sua opinião, ao afirmar que irá observar o cenário macroeconômico até a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o banco está sinalizando que vai observar os desempenhos dos preços dos serviços, mais resistentes à alta dos juros, e dos administrados para guiá-los em qualquer decisão.
“O Banco Central está sendo prudente e acredito que a inflação fique sob controle até o fim do ano”, projeta o especialista em política monetária Carlos Roberto Siqueira Castro. Em sua opinião, entretanto, é difícil antever a extensão dos efeitos da atuação do BC.
No caminho certo, porém na intensidade errada. Para a maioria dos economistas consultados, a política de aumento da taxa básica de juros para controle da inflação é o modelo de maior eficácia para se conter a alta dos preços. No entanto, teria faltado ao Banco Central (BC) autonomia na medida certa para promover uma ação mais firme, capaz de cortar o mal da inflação pela raiz.
“O aumento dos juros é sempre uma medida correta para se controlar a inflação. No Brasil não vem dando certo, porque o governo cometeu diversos erros ao longo do tempo, o que exigiu um esforço maior do Banco Central para manter a inflação dentro do teto da meta de 6,5%”, critica Márcio Garcia, professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Para o economista Otto Nogani, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), “o remédio do BC é muito pequeno para o tamanho da doença do país”. “O Banco Central deveria ter elevado a Selic de uma só vez para a marca de 11%. Uma dose radical, que daria condições ao banco de ir reduzindo os juros à medida que a inflação tomasse o caminho do equilíbrio”, avalia Nogani, que completa: “Da maneira com que o Banco Central vem atuando, em doses homeopáticas, a economia absorve rapidamente os efeitos da alta de juros e o resultado vem com um grande retardo, de cinco a seis meses”.
Segundo os especialistas, a política de preços monitorados, que mascarou a inflação, além do subsídio dado às empresas com isenção de impostos para que não repassassem ao consumidor o aumento de seus custos, produziu uma espécie de bomba inflacionária, com tendência de estouro a qualquer momento. Sobre essa bomba pesam ainda fatores incontroláveis, como a seca que pressiona os preços dos alimentos.
“Temos uma inflação represada, em média, de 1,5%, o que faz com que a inflação real chegue a 8%. Os agentes financeiros acreditam que esse represamento será repassado e esse sentimento de inflação futura barra a expectativa de que a inflação volte à meta, dificultando ainda mais o trabalho do Banco Central”, observa Márcio Garcia.
Outro ponto de resistência ao controle dos preços são os elevados gastos do governo. Para o especialista em política monetária Carlos Roberto Siqueira Castro, com o déficit primário de R$ 3,5 bilhões e o anúncio de aumento de impostos para ajudar a pagar a conta da energia elétrica, o governo vem afastando a confiança de empresários e investidores sobre os rumos da atividade econômica.
“É preciso que o governo faça a sua parte com o ajuste fiscal. Não adianta o BC tentar ser o único herói na luta por manter a inflação na meta, se o restante do governo não persegue o mesmo objetivo. É importante que se atinja um superávit primário para recuperar a confiança do investidor”, opina Siqueira Castro.
Lançar mão da liberação total da importação de bens e produtos à custa de impactos na indústria nacional — gerando um acirramento da competição e a redução nos preços de produtos e serviços, inclusive dos que possuem preços controlados — seria a saída mais curta, porém não tão saudável, diz Nogani. Para ele, a solução viria de uma mudança de posicionamento da equipe econômica, por meio de ações que visem a resultados de, pelo menos, dois anos.
“Estímulos aos investimentos no setor privado, de forma a termos uma cesta de produtos e serviços que atendam à demanda da sociedade, daria, sim, resultados mais consistentes ao controle da inflação. Esse estímulo deveria vir por meio do BNDES, mas o governo acabou usando o banco para privilegiar algumas empresas a se tornarem líderes em seus setores”, critica Nogani.
Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA-USP) Paulo Feldmann, a alternativa passa pelo equacionamento da dívida pública, para que o governo dependa menos do aumento dos juros para atrair capital. “A alta da taxa tem certo efeito para reduzir a inflação, mas não atacamos o real problema. É só um paliativo com o qual o Brasil se acostumou”.