* Viviane Vaz - Especial para o Brasil Econômico
Bruxelas, Bélgica - Filho de um agricultor de Overmere, na região Norte da Bélgica, o comissário de Comércio da União Europeia (UE), Karel De Gucht, 60 anos, vai na contra-mão do protecionismo europeu e mundial desde que assumiu o cargo, em 2010. Estreou com manifestações contra o protecionismo de dois gigantes: os Estados Unidos, pela agenda “pouco clara”, e a China, pela desvalorização do iuan. Em 2012, causou rebuliço no circuito diplomático europeu ao afirmar que “a França não podia, sozinha, redistribuir as cartas do comércio mundial”. Em seu último ano de mandato, o político liberal e advogado continua a defender com convicção a abertura do comércio internacional em tempos de crise econômica. Em entrevista ao Brasil Econômico, De Gucht conta como andam as negociações comerciais entre o bloco de 28 países da UE e os quatro sócios plenos do Mercosul.
As eleições do Parlamento Europeu e o novo procedimento para escolher o presidente da Comissão Europeia poderiam representar um entrave ao avanço nas negociações de livre comércio entre UE e Mercosul?
Ambas as regiões passarão por processos eleitorais nos próximos meses. Há uma dimensão política que precisa ser levada em conta. No entanto, estamos negociando com base em um mandato jurídico claro e temos um roteiro — que foi acordado em Santiago do Chile em janeiro de 2013 e reconfirmado em uma recente reunião dos principais negociadores em Bruxelas — para a troca de ofertas de acesso a mercados, passo a seguir nas negociações nos próximos meses. Estou confiante de que seremos capazes de cumprir esse compromisso. Mesmo que não seja final, será um passo importante na negociação. Confiamos que uma troca de ofertas de acesso a mercados irá ajudar a mover o processo de negociação para a conclusão do acordo. Mais trabalho será necessário.
Grande parte das vantagens competitivas para o Mercosul se baseiam na produção agrícola. Em 2004, o bloco considerou a oferta europeia extremamente tímida. A UE está disposta a fazer concessões neste campo?
Quando recomeçamos as negociações em 2010, depois de seis anos, concordamos em um número de pontos que implicariam em uma melhoria sobre as ofertas de acesso a mercados trocadas em 2004. Nossa nova oferta vai refletir esse compromisso.
O que os negociadores europeus esperam do Mercosul?
A UE espera o Mercosul para apresentar uma oferta que seja melhor em comparação com a que eles submeteram em 2004. Mas ela deve ser melhorada , conforme acordo feito antes do relançamento das negociações, em 2010.
Em dezembro, os negociadores da UE pediram aos do Mercosul para esclarecer quais Estados membros tomariam parte dessas negociações. Esse pedido foi atendido? A entrada da Venezuela no Mercosul apresentou algum desafio para a Europa avançar?
Todos os países do Mercosul participam das negociações. A Venezuela entrou para o Mercosul só recentemente. Até o momento, representa mais o papel de um observador. De forma muito compreensível, seu foco principal é mais na sua plena integração dentro do Mercosul. Neste estágio, a Venezuela não vai participar da troca de ofertas de acesso a mercados com a UE.
Para analistas brasileiros, um acordo de livre comércio entre os dois blocos poderia elevar o comércio em € 9 bilhões ao ano e permitir mais investimento. O senhor concorda?
Prefiro não especular. Levando em consideração a turbulência nos mercados internacionais nos últimos anos, prefiro ser cauteloso com cifras. Qualquer estimativa depende de suposições e de um grande número de condições. No entanto, é verdade que um estudo independente de impacto econômico realizado em 2011 indicou que os ganhos comerciais estimados resultantes de um acordo poderia ser bastante substancial. De acordo com esse estudo, um ambicioso acordo poderia trazer um aumento das exportações da UE para o Mercosul entre 60% e 100%, podendo potencialmente expandir as exportações em € 31 bilhões. Também se espera que o comércio bilateral de serviços aumente significativamente entre 20% e 53%. Isto representa um aumento potencial no comércio de cerca de € 9 bilhões por ano. Muito dependerá também de outras negociações conduzidas por ambas as regiões com outros parceiros, mas o potencial inexplorado é muito significativo. O estudo prevê que as exportações do Mercosul para a UE também poderia aumentar de forma importante. Países do Mercosul poderiam experimentar um crescimento do PIB global de até € 3 bilhões e um crescimento das exportações para a UE de 40%.
O senhor alertou os dois blocos contra a tendência protecionista e defendeu que o livre comércio é a única saída ao crescimento. O senhor termina seu mandato com a sensação de ter feito o dever de casa?
Nenhum país nunca se desenvolveu com fronteiras fechadas: economias abertas crescem mais rápido e tornam-se mais competitivas, especialmente em tempos de crescimento lento em casa e políticas orçamentárias rigorosas. O comércio é uma maneira muito eficiente em termos de custo para impulsionar a economia. Promove a concorrência e a competitividade e beneficia consumidores e empresas. A UE tem sido ambiciosa com os acordos celebrados pelo mundo, da Coreia do Sul ao Canadá, e os novos em fase de negociação com os principais players nos mercados mundiais, como EUA, Japão e Mercosul.