Por marta.valim

O projeto de construção da hidrelétrica São Luis do Tapajós, no Pará, prevê a remoção de três aldeias da etnia Munduruku e impactos relevantes e irreversíveis sobre o modo de vida dos indígenas da região. As informações constam do Estudo do Componente Indígena do empreendimento, atualmente em análise pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O governo anunciou, na semana passada, o adiamento do leilão da usina, após idas e vindas na conclusão do estudo referente aos impactos nos Mundurukus. Com potência prevista de 8,04 mil megawatts (MW), a usina de São Luis inaugura uma nova fronteira hidrelétrica no país.

O Estudo do Componente Indígena foi refeito por solicitação da Funai e entregue formalmente ao Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no último dia 12. Quatro dias depois, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou o adiamento do leilão, previsto anteriormente para o fim deste ano, alegando que “necessidade de adequações aos estudos associados ao tema do componente indígena”. A Funai tem um prazo de 90 dias para analisar o novo documento.

Segundo o relatório apresentado ao Ibama, as aldeias Sawré Maybú, Dace Watpu e Karu Bamaybú terão de ser realocadas para o enchimento do reservatório da usina, com a mudança forçada de uma população que varia entre 85 e 200 indígenas, dependendo da época do ano. O documento diz que os impactos provocados pela usina, somados a uma série de empreendimentos em curso na região, podem acirrar os conflitos fundiários na área, que hoje vive do garimpo de ouro mas caminha para se tornar polo logístico do agronegócio.

Os efeitos sobre a comunidade indígena não se restringem à remoção das três aldeias: segundo o estudo, o enchimento do reservatório e a atração de novas atividades econômicas terá uma série de impactos de alta relevância, permanentes e irreversíveis no modo de vida dos Mundurukus, como alteração nos locais de caça, pesca e nos deslocamentos dos indígenas pelo Rio Tapajós e igarapés.

“O rio Tapajós e sua bacia garantem para os Mundurukus meios de deslocamento e de mobilidade, que permitem a conexão com todos os parentes ao longo de sua extensão, por meio da navegação pelo rio e pelo conhecimento de furos, igarapés, entradas que levam a lugares sagrados, a habitações, roças, bem como a áreas de extração de bens da floresta. É pelo rio que os Mundurukus acessam as áreas mais distantes para extrair o alimento”, diz o Estudo do Componente Indígena.

A etnia tem hoje uma população de 13.103 pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) citados pelo estudo. Destes, 11.299 vivem às margens do Tapajós e usam o rio para se transportar e pescar. Em um estudo anterior entregue ao Ibama, o consórcio responsável pelos estudos da hidrelétrica já havia apontado os impactos sócio-ambientais do empreendimento, que também levará à remoção de comunidades não indígenas e terá efeitos sobre a mineração de ouro na região.

Lideranças Munduruku estiveram em Brasília no final do ano passado para protestar contra a construção da usina. Na ocasião, divulgaram uma carta, na qual pedem a suspensão de todos os empreendimentos hidrelétricos na Amazônia. Antes, em junho, retiveram três pesquisadores do grupo que analisava os impactos ambientais do projeto no município de Jacareacanga.

A resistência indígena, porém, pode se tornar um dos principais entraves ao projeto do governo de expandir as fronteiras hidrelétricas para a região da Amazônia, uma vez que atrai a atenção da comunidade internacional — antes das obras de Belo Monte, por exemplo, o cineasta James Cameron esteve no país para apoiar etnias afetadas pelo empreendimento.

Em nota, a Funai informou que só vai se pronunciar após concluir a análise preliminar do documento. O Estudo do Componente Indígena aponta uma série de medidas compensatórias para mitigar os impactos e conclui que, com a execução das medidas, é possível “garantir condições de manutenção e fortalecimento dos povos indígenas com sustentabilidade”.

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