Por douglas.nunes

O economista Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, conheceu de perto a agenda econômica do governo Lula, quando foi um dos principais auxiliares do então ministro da Fazenda Antonio Palocci. Respeitado por sua formação e experiência, Lisboa hoje é um crítico da política econômica do governo. Para ele, houve uma clara mudança de direção a partir de 2008, com prejuízo no combate à inflação. Lisboa acha que nenhum dos candidatos está sendo claro sobre o que será feito. “O debate está muito pouco transparente. A agenda onde de fato estão as dificuldades aparece pouco. Tanto de um lado quanto do outro”, disse, em entrevista ao Brasil Econômico.

Em sua avaliação, quais as diferenças e semelhanças entre as propostas econômicas de Dilma e Aécio?

O Brasil viveu uma agenda com o mesmo norte de política econômica do começo dos anos 1990 até 2008. Há diferenças, mas a trajetória de construção de agenda de política econômica guarda muitas semelhanças: as reformas fiscais; a renegociação das dívidas com governos estaduais; a organização da relação entre o governo e suas agências reguladoras, e entre o governo e o Banco Central. As reformas institucionais e microeconômicas procuraram aproximar o ambiente no Brasil ao que é prática nas principais economias desenvolvidas e em muitos países emergentes. Foi feita uma construção institucional ao longo desse período na qual a agenda de política econômica convergia para a agenda dos demais principais países.

E quando começa a mudar?

Isso começa a mudar, lentamente, no segundo governo Lula. Mas, a grande mudança é a partir de 2008. Mudou a abordagem e a agenda econômica. Retoma-se a visão que caracterizou o Brasil durante boa parte do século 20, que se pode chamar de nacional-desenvolvimentista, ou de nova matriz econômica, mas que é a visão de que o desenvolvimento requer uma intervenção clara e uma ação coordenadora por parte do governo. Um conjunto grande parte do diagnóstico de que o crescimento ocorre em resposta à expansão da demanda e do investimento, e cabe ao governo estimular a demanda e o investimento, promover a produção local, intervir para proteger a produção local e conceder estímulos a setores. Esse tema está presente e é o grande debate, do meu ponto de vista.

Pelo que o sr. diz, Armínio Fraga (já anunciado como futuro ministro da Fazenda, caso Aécio Neves seja eleitopresidente), faria mesmo uma administração semelhante à do primeiro ministro da Fazenda de Lula, Antônio Palocci, como ele mesmo declara...

Aí, o Armínio fala pelo Armínio. O que eu posso dizer é que certamente, de 1990 até a crise de 2008, você teve muito mais continuidade no processo evolutivo da agenda econômica do que ruptura. Há diferenças relevantes, mas o núcleo central guardava mais semelhanças — mais horizontalidade das regras, menos intervenções discricionárias, fortalecimento de políticas de Estado — como a política de metas para a inflação — e uma importante evolução da agenda social.

Por que, para o senhor, a mudança na agenda em 2008 é o grande debate?

Há três tipos de consciências que levam a três diferentes agendas: uma fácil, outra difícil e uma terceira, muito difícil. Acho que parte desse projeto teve uma maior leniência com a inflação, o que corrói o ambiente econômico e prejudica o crescimento de longo prazo. O atual governo, sendo reeleito, talvez tenha que conviver com taxas de juros um pouco mais elevadas, porque há um pequeno problema de credibilidade, mas reversível. Essa é a agenda fácil. A difícil envolve a agenda fiscal. Foram gerados vários benefícios que criam obrigações para o futuro que não estão tão transparentes. Houve uma deterioração fiscal e, pior, uma perda de credibilidade, de transparência e de clareza fiscais. É uma agenda de longo prazo que passa por duas etapas: primeiro, entender os mecanismos que permitiram a perda de transparência e fazer os aperfeiçoamentos institucionais que garantam à sociedade que isso não mais ocorrerá. É preciso retomar uma agenda, que se acha superada, de garantir a credibilidade dos números e fechar os mecanismos que permitiam essa perda de transparência. A segunda é criar uma trajetória crível de médio prazo para resgatar o ajuste fiscal. Para estabilizar a relação dívida- PIB, é preciso um superávit primário entre 2,5% e 3,5% do PIB. É preciso ter, de fato, instrumentos e entregas periódicas de resultados que sejam cumpridos, de forma que em médio prazo, possamos convergir para uma situação de estabilidade.

E a agenda muito difícil?

A muito difícil envolve, primeiro, as intervenções discricionárias — cada um paga um imposto diferente, uma desoneração aqui, lá não; criação de regras para setores específicos. Isso tem impacto negativo. Criam-se distorções tributárias que elevam a complexidade do sistema, que consomem gente, tempo, recursos. Pior que isso, criam custos e contenciosos judiciais, insegurança. Segundo, envolve a regra de conteúdo nacional para setores intermediários: ao proteger um setor — de bens de capital e insumos básicos — pode até ser bom em médio prazo, mas quem está à frente da cadeia produtiva ou vai pagar mais caro, ou terá um produto pior. Protege um, mas desprotege outros. Isso prejudica a produtividade da economia, cria complexidade e cria grupos de interesse. Sobretudo quando a política não funciona. Como desmontar essa proteção? O setor se mobiliza para evitar a retirada da proteção e isso gera um custo difuso, que não é transparente. Cria proteções a setores que não conseguem se modernizar, prejudicando os demais à frente na cadeia produtiva.

E por que é muito difícil?

É uma agenda disseminada, são diversos setores, há muitos grupos de interesse.

Um novo governo da presidenta Dilma Rousseff seria mais do mesmo?

Não sei. O debate está muito pouco transparente. A agenda onde de fato estão as dificuldades aparece pouco. Tanto de um lado quanto do outro. Há indícios de um lado e de outro. Uma agenda (de Aécio Neves) dá mais ênfase à previsibilidade dos indicadores ficais e à estabilidade dos preços, por exemplo. A outra (de Dilma Rousseff) também dá peso ao ambiente macroeconômico, mas admite intervenções discricionárias de curto prazo que são instrumento para o desenvolvimento. Uma aposta que a estabilidade é melhor para o crescimento, e a outra, que a discricionariedade é melhor para o crescimento. Mas é algo inferido pelas ações e declarações. Este debate não está claro hoje.

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