Por monica.lima

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acredita na melhora da economia internacional para impulsionar o crescimento do Brasil em 2015. Ele estima entre 2% e 2,5% o PIB do próximo ano: “É a taxa que dá pra crescer enquanto persistir a crise internacional, foi também o que nós crescemos no ano passado”, assegura, sem esconder a esperança de que o país atinja 3%. “É possível, se Estados Unidos e Europa estiverem se recuperando”. O ministro, que deixará a pasta no dia 1º de janeiro, mesmo em eventual reeleição da presidenta Dilma Rousseff, garante que o governo não represou preços de produtos administrados e chama acusação de “equívoco” da oposição. “É a turma do tarifaço”, diz Mantega, acrescentando que o governo deixou o mercado funcionar e o preço da energia subir. “Quando a gente dá solução de mercado, falam que o governo deveria ter assumido. Aí, quando o governo assume, falam que está sendo intervencionista. Então, não sei como agradar a todos, é impossível”, critica o ministro.

"Brasil pode crescer até 3% em 2015"%2C diz o ministro da Fazenda Guido MantegaMaíra Coelho/Agência O Dia

Como o sr. está vendo o desempenho da economia brasileira neste ano?

O desempenho foi muito influenciado pelo cenário internacional nos últimos cinco, seis anos. Desde que se iniciou a crise de 2008, todos os países estiveram colocados no mesmo barco. Alguns melhores, outros piores, porém, todos refletindo uma dificuldade de recuperação da economia mundial. Isso vale não só para a economia europeia, para a economia asiática. Os Estados Unidos estão um pouco melhores do que os outros países. Temos a China desacelerando, uma queda no preço das commodities e, em função disso, todos os países têm falta de mercado para exportar. Há países que dependem muito da exportação. A Alemanha está exportando menos. No segundo trimestre, vários países tiveram PIB negativo. Parece que a Alemanha vai ter o terceiro trimestre com PIB negativo, e ela é a locomotiva da União Europeia. O desemprego continua elevado na União Europeia. A China, a cada trimestre, desce um degrau. No terceiro trimestre, 7,3% (de crescimento) anualizado.

Para os padrões deles, não é um bom resultado.

Exato. Ela está desacelerando. Agora, aqui na América Latina, vejo muita gente falando “não, porque o Brasil...”. Mesmo os países pequenos da América Latina também estão desacelerando. O Peru está com crescimento próximo de zero, no primeiro e segundo trimestres. O Chile crescia 5%, 6%, e está crescendo 2%. A Colômbia está começando a desacelerar.

Aqui, a Bolívia seria exceção.

A Bolívia produz gás. Mas, agora, o gás está caindo. Essa redução é muito recente, e ainda não afetou. Tivemos uma redução muito forte no preço do barril do petróleo, que estava a US$ 110, US$ 112 e despencou. Hoje, está a US$ 85, US$ 86 o barril. Isso vai afetar todos os exportadores de gás e petróleo. Temos um cenário problemático, e o Brasil está metido nele. A diferença é que estamos sólidos, enfrentando problemas passageiros, como a crise internacional e, portanto, nossas empresas estão exportando e faturando menos. As de commodities continuam exportando bem, embora com preços menores. Mas manufaturados estão com dificuldades. Além disso, tivemos uma estiagem que perdura até hoje e atrapalhou um pouco a produção agrícola, elevou preços, tivemos menos dias úteis etc. Mas, neste terceiro trimestre, estamos recuperando nosso crescimento.

Quais são os fatores que levam a essa recuperação?

Este segundo semestre começou com inflação mais baixa. Voltaram os dias úteis, então o pessoal está trabalhando mais, consumindo mais. Há uma nítida recuperação. Os dados de julho, agosto e setembro mostram a melhora em vários segmentos. O crédito está melhorando. Nós trabalhamos com muito pouco crédito para o consumidor no primeiro semestre.

Houve um certo trabalho de convencimento dos bancos, que estavam refratários.

Os bancos privados travaram o crédito. Digamos que eles foram atrás da orientação do Banco Central, que aumentou a Selic. Lembre-se que, no primeiro semestre, a Selic chegou a 11%. Restringiu a liquidez, e os bancos privados preferem aplicar na operação compromissada, ganhar com título público, tesouraria, do que emprestar para o consumidor. Então, tivemos menos créditos. O que aconteceu? Baixada a inflação — em julho, a inflação chegou a zero —, o Banco Central começou a liberar compulsório para crédito ao consumidor. Flexibilizamos o crédito consignado, que é um crédito seguro. Agora, o crédito está voltando. A economia está se movendo. A produção automobilística cresceu em julho, agosto e setembro. As vendas também aumentaram. Também houve aumento nas vendas de material de construção, dos supermercados, dos chamados indicadores antecedentes, do indicador Serasa, que mostra a demanda de empresas por crédito.

Este subiu bastante.

Bastante. Em julho, 14,8%; 0,5% em agosto e 6,6% em setembro. Isso mostra uma inclinação da curva para cima. Está havendo uma retomada do crédito, da atividade econômica, das vendas e, portanto, nós crescemos pouco no primeiro semestre...

Essa previsão do mercado de que a economia vai crescer 0,27%, 0,3% é pessimista?

Acho que é pessimista. Com certeza, temos uma recuperação, mas o mais importante é que os nossos fundamentos são sólidos, que o nosso mercado consumidor está intacto e crescendo. É isso que nos diferencia de outros países. Por exemplo, os Estados Unidos estão se recuperando, mas o comércio varejista caiu 0,3% em setembro. Aqui no Brasil, o nosso comércio varejista está mais fraco do que no passado, quando chegou a crescer 14%, em 2010. Era demais. E nós temos uma massa salarial intacta, que está crescendo. A diferença para vários países é que o Brasil manteve o emprego, que continua crescendo no país, e o aumento de salário todo ano. No mês de setembro, 130 mil novos empregos. No mês de agosto, acima de 100 mil empregos. As categorias têm 2%, 2,5% de aumento real a cada ano. Tem inflação? Tem. Mas o salário aumenta mais do que a inflação.

O senhor acha que a inflação, neste ano, vai fechar colada no teto ou pode ultrapassar o teto?

Mesmo as projeções conservadoras falam que ela não vai ultrapassar o teto. Vai ficar entre 6,3%, 6,4%, porque nós tivemos pressões inflacionárias excepcionais. A meta de inflação estabelece que, se não tiver nenhum fator excepcional, a inflação deveria ser de 4,5%. Mas, se tiver choque de oferta, ela tem uma elasticidade e vai ser maior. Tivemos problemas este ano, como a seca, que elevou os produtos agrícolas. O preço de energia está subindo, e tivemos que deixar isso acontecer, porque o Tesouro não consegue arcar com toda essa relação. Bom, demos uma solução de mercado. Quando a gente dá solução de mercado, falam que o governo deveria ter assumido. Aí, quando o governo assume, falam que está sendo intervencionista. Então, não sei como agradar a todos, é impossível.

Fala-se muito da necessidade de novos ajustes no ano que vem e, também, de tarifas, de preços públicos.

É um equívoco a oposição dizer que nós não reajustamos as tarifas, porque os preços que são de responsabilidade do Governo Federal foram reajustados. No IPCA, tem os preços livres e administrados. Neste ano, os preços administrados subiram mais de 4%. Normalmente, sobem menos do que o IPCA. É normal, os preços livres sobem mais. Corrigimos uma parte dos remédios que tem o preço administrado pela Agência Nacional de Saúde, o preço de planos de saúde. Os reajustes foram normais ao longo do ano. Na energia elétrica, foi até anormal. Subiu 14%, 15%, em 12 meses. Você ia falar de combustíveis, mas o nosso combustível tem como objetivo de médio prazo alcançar o preço do Golfo do México. Acontece que, hoje, o combustível no Brasil está maior do que no Golfo do México. Então, o preço já está assustado.

O sr. mesmo chegou a falar da necessidade de reajustar o preço dos combustíveis. Esse momento teria passado, em função da queda do preço internacional?

Estes que dizem que os preços estão defasados são aqueles que vão querer subir estes preços. Não sei como você vai ter uma inflação mais baixa se você der um tarifaço. É a turma do tarifaço. Eles acham que, aumentando alguns preços, você vai ter um aumento de arrecadação. Só pensam em duas coisas: fazer o primário elevado e ajustar rapidamente a inflação, o que significa juros altos e primário elevado rapidamente. Esta é a receita que poderá matar o paciente. O paciente pode não sobreviver. Este é o ajuste tradicional, do pessoal conservador, ortodoxo. Quem vai pagar a conta desse ajuste é o trabalhador. Durante esses anos, fizemos uma política anticíclica para que mantivesse um certo nível de atividade, para não deixar ela despencar, como despencou em vários países. Aqui, ela diminuiu, mas se manteve em um certo patamar para manter o emprego e a renda do trabalhador. Nisso, fomos muito bem sucedidos.

O preço seria a inflação no teto?

Não. Nós reajustamos o preço. Se nós temos um sistema de meta de inflação, quando há pressões inflacionárias extraordinárias que não são causadas pela estrutura econômica... Por exemplo, quando sobe muito o preço das commodities, como aconteceu durante bastante tempo, elas pressionam os preços dos alimentos. Tivemos desvalorização cambial. Dois anos de desvalorização cambial exercem uma pressão inflacionária. Não é a estrutura. Só a energia elétrica está acrescentando 0,4% no IPCA deste ano.

Então, não houve o tão falado represamento de tarifas?

Não houve. Mas, para o outro projeto, você aumentaria mais esses preços para poder arrecadar mais. O consumidor ia pagar mais caro e teria seu poder aquisitivo diminuído. O mais grave: fazer um ajuste fiscal muito rápido, que significa fazer o primário rapidamente — a gosto dessa estratégia econômica — ia causar desemprego. Em um primeiro momento, isso reduz o nível de atividade. Eles acham que as coisas se equilibram, a atividade volta e, aí, o empresário vai ter mais confiança. Balela, porque o empresário tem confiança quando ele vê o mercado. O empresário não fica divagando sobre nossa ideologia. Ele quer saber se tem mercado, se tem rentabilidade, é isso que interessa para ele. Se for feita essa estratégia e reduzir o ritmo de atividade, a confiança do empresário cai, porque ele começa a acumular estoques, a rentabilidade cai, ele vai investir menos e perder a confiança. A confiança não é uma questão de ideologia, como alguns acham. Veja o que está acontecendo na Alemanha, onde há um governo absolutamente austero, que combate a inflação, quer fazer superávit nominal, quer as contas mais salutares. Conseguiu. Há dez meses consecutivos, a confiança do empresário cai na Alemanha, porque eles estão entrando em recessão e não têm mercado. Caiu o nível de atividade, porque eles estão prometendo uma recuperação que não houve.

Aqui houve um problema de confiança dos empresários.

Tivemos uma desaceleração da atividade. Se você pegar os últimos cinco anos, o Brasil teve um desempenho muito melhor que o da Alemanha, muito melhor que os Estados Unidos e que a maioria dos países do G20. De 2008 a 2013, o Brasil teve um crescimento de 18% acumulado. Foi mais ou menos o que a Coreia, que é considerada um país bem arrumado, teve. Só perdemos para China, Índia, Turquia, Indonésia e Arábia Saudita nesse período. De 2003 a 2007, crescemos a uma média de 4%, principalmente depois de 2006, quando a economia passou a crescer mais ainda. Agora, no ciclo de crise em que estamos, crescemos menos, mas conseguimos não jogar a crise nas costas dos trabalhadores. São duas estratégias econômicas diferentes. A deles faz ajuste com os trabalhadores, reduz custos, diminui o salário e acha que a economia retoma o investidor. Mas ele não vai ter mercado, que é constituído pelos trabalhadores.

O sr. falou do primário mais curto, mas valorizou, durante muito tempo, o superávit primário. Isso não é mais uma preocupação?

Não, o superávit primário é importante. Tanto é importante que, no período anterior à crise, quando eu já era ministro, fiz um superávit primário maior do que o Armínio Fraga fez. Em 2008, fizemos 3,5% mais 0,5% no fundo soberano, fiz 4%.

Mas agora não seria prioridade em função dessa conjuntura.

Você tem que fazer uma política anticíclica. Quando o ciclo é favorável e a economia está crescendo mais, o Estado tem que gastar menos, tem que poupar. Quando o setor privado se encolhe, que é na crise, o Estado tem que fazer um papel anticíclico. Vai fazer um primário menor, porém positivo, e o Brasil sempre fez um primário muito alto em relação ao mundo, de modo a manter a queda da dívida pública. A dívida pública tem que estar estacionada ou em queda. A dívida líquida era 60% do PIB em 2002. Hoje, ela está em 35%.

O sr. considera a presença do Estado fundamental, então?

Num momento de crise, o Estado precisa ter uma atuação maior. Isso nada mais é que a política keynesiana, nós não inventamos nada. Nós, aqui, temos um instrumento importante, que são os bancos estatais.

O sr. acha que teremos condições de reduzir a taxa de juros?

Teremos condições. Com primário um pouco maior, com os preços das commodities não pressionadas, a questão da energia mais equacionada e, portanto, a pressão inflacionária menor, abre-se espaço para que o Banco Central normalize o crédito.

Qual é a previsão que o sr. faz para o crescimento deste ano?

As previsões são alteradas a todo tempo. Estamos com 0,9%. É claro que nossa projeção muda a cada dois meses, para melhor ou para pior. Nesse segundo semestre, por esses dados que vimos, a economia está crescendo aproximadamente 0,5% no terceiro trimestre, e no quarto trimestre, que já começou, podemos ter até mais que isso. Estamos, daqui para a frente, com a economia crescendo em torno de 2%, 2,5%. É a taxa que dá pra crescer enquanto persistir a crise internacional, foi o que nós crescemos no ano passado.

Mais do que isso já correria o risco de desequilíbrio.

Mais do que isso é possível, havendo a recuperação da economia internacional. Com a recuperação, mesmo que lenta, o Brasil pode, no ano que vem, crescer 3%.

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