
Por Deco Bancillon e José Negreiros
A recente desaceleração da economia já bateu pesado nos números da indústria e do varejo, que em 2015 devem registrar o pior desempenho desde o estouro da crise, em 2009. Mas, se há um setor que se mantém praticamente ileso mesmo diante da estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) é o de turismo. Em 2014, a cadeia que reúne agências de viagem, hotelaria e empresas aéreas movimentou R$ 200 bilhões. É uma contribuição importante, ainda mais diante de estimativas que apontam para o risco de o país sucumbir à pior recessão em 25 anos. “Sobretudo num ano tão desafiador como este, não há nenhuma outra fronteira de crescimento como a nossa”, assegura o ministro do Turismo, Vinicius Lages. O ajuste fiscal posto em prática pelo próprio governo, porém, poderá colocar o setor em risco: “Estamos aguardando o orçamento (de 2015). Se tivermos um corte significativo na nossa capacidade de promoção do país, vamos perder, de novo, a oportunidade de tirar proveito dessa janela que se apresenta”, alerta.
O sr. acaba de completar um ano como ministro do Turismo. Que balanço faz de sua gestão?
Tendo sido diretor do Sebrae durante um bom tempo, vindo de uma casa muito boa, a questão era saber se valia a pena enfrentar um desafio desses. Ainda mais diante da complexidade que se tinha do trabalho, que era pegar, logo de cara, a Copa. Quando entrei, o povo estava nas ruas, a situação era de crise. Além disso, este Ministério não estava envolvido, de corpo e alma, no protagonismo de defesa da Copa. Então, era preciso criar condições para poder entrar no jogo. O problema era lidar com o mundo da política, um desafio imenso, e eu sabia que podia arrebentar minha biografia.
Foi difícil sobreviver às pressões políticas de Brasília?
Eu entrei num momento de reforma ministerial, que, como todas as reformas, deixam tensões. Sobretudo em relação à Câmara. Este é um Ministério relativamente pequeno, que existe desde 2003, e que teve como ministros quatro deputados federais. O único que não foi deputado (Luiz Barretto, atual presidente do Sebrae) tinha uma ligação histórica com o PT. Então, havia uma relação de política muito forte aqui. Mas também havia uma vontade de ter um perfil mais técnico, como o meu, e que, de alguma forma, o Walfrido (dos Mares Guia, ex-ministro) tinha representado bem. Aliás, ele sempre foi meu guru, meu inspirador. A própria presidenta (Dilma) deixou claro que queria uma pessoa com o perfil como o meu. Eu sabia que estava legitimado pelo campo técnico, mas precisava ganhar quilometragem na área política. Embora eu venha de uma família de governadores, senadores, deputados federais e estaduais, nunca tinha me envolvido numa relação política com estruturas de poder desse nível. Tive que encurtar essa aprendizagem. Mas, com os bons resultados na Copa, ganhei força para dar o segundo passo, que era reposicionar o Ministério em relação ao trade (empresas do setor) e à própria Esplanada.
E como foi esse segundo passo?
Um dos desafios era inserir o turismo além da coluna social e do caderno de viagens, inserir na coluna econômica. Tentamos mostrar que existe outro lado quase nunca lembrado pelos jornalistas. Todos os anos, quando se falam dos feriados nacionais, o foco sempre é o prejuízo causado à indústria e ao varejo. Nunca olham para o nosso lado e se dão conta de que essa quantidade de feriados vai gerar um impacto enorme na economia do setor de serviços. O turismo é o sexto item da pauta de exportações, gerando quase US$ 7 bilhões em divisas, apenas considerando os gastos de turistas estrangeiros no país. As pessoas não se dão conta, mas o turismo também compra carros, ar-condicionado, móveis, televisão. Fora os milhões de empregos gerados.
O sr. acredita que o turismo possa compensar o mau desempenho de outros setores, como a indústria?
Não chega a neutralizar completamente, porque o maior movimento de viagem não compensaria o estrago causado pelo fechamento de fábricas e comércios nos dias de feriado. Mas há uma contribuição importante que precisa ser levada em conta. Este ano, vamos gerar mais de R$ 200 bilhões para o país. Acontece que a economia de serviços é muito efêmera, e nós estamos acostumados com a concretude da soja, do avião, do carro. Então, nossa ideia é mostrar que a economia do turismo é contributiva, que ajuda o país a crescer. Esse assunto, inclusive, já tratei diretamente com a presidenta. Ela também entende que é preciso mudar essa visão preconceituosa sobre o turismo.
Este ano haverá mais feriados do quem em 2013 e 2014. Qual será o impacto na economia?
A Fundação Getulio Vargas calculou e disse que esse número seria de algo como R$ 18,6 bilhões. Isso sem levar em conta datas festivas clássicas, como Réveillon, Carnaval e Semana Santa, por exemplo. Este ano, nós teremos 10 feriados em dias úteis. Mas, como em alguns deles será possível emendar (o feriado), é possível dizer que teremos 20 dias a mais no calendário de viagens. Então, se o brasileiro conseguir se programar, conseguirá viajar tranquilo este ano, sem precisar gastar as férias.
Mesmo diante de uma conjuntura econômica tão desfavorável quanto em 2015?
Certamente, e isso é o que nos move a tentar convencer outros setores, mesmo do governo, da importância do turismo para a economia. Num ano tão desafiador como este, não há nenhuma outra fronteira de crescimento da economia tão importante quanto a nossa. Nenhum outro setor vai gerar tantos empregos e investimentos quanto o nosso. Mas, ao mesmo tempo, nenhum outro setor é tão travado, quando se leva em conta as duras regras de licenciamento e a burocracia para o investimento privado. Sobretudo em áreas protegidas, há regras draconianas, que praticamente inviabilizam o investimento, mesmo em atividades como o ecoturismo. É preciso mudar isso.
O governo trabalha para resolver isso?
Estou trabalhando em uma agenda com a ministra Isabella Teixeira (do Meio Ambiente). Nós estamos mapeando as áreas prioritárias para o desenvolvimento do turismo e verificando todos os detalhes, como modelos de concessão e a lista de atividades permitidas para investimentos privados em áreas de proteção ambiental. O que estamos colocando é que não precisa degradar. Às vezes, só um pedacinho do espaço já resolve, como em Foz do Iguaçu, onde a área de visitação ocupa apenas 3% do parque. Ou como o Parque Nacional da Floresta da Tijuca, que bateu recorde de visitação ano passado, com 3,1 milhões de turistas. Ainda é pouco, comparável ao enorme potencial do Brasil. Só os parques naturais dos EUA receberam 280 milhões de visitantes em 2014. No Brasil, foram pouco mais de 6 milhões.
Qual o legado deixado pela Copa e o que esperar das Olimpíadas?
Do ponto de vista de posicionamento de imagem, a Copa foi um evento sem precedentes para o Brasil. Mas, por causa dos desafios que a gente tinha de enfrentar a crise (e os protestos), acabou que o país não conseguiu tirar todo o proveito possível do evento. Agora, não temos dúvida de que, para os Jogos Olímpicos, vamos poder nos organizar melhor. Até porque o calendário de obras está fluindo, o Rio está se preparando. Então, o legado será muito bom, e não apenas para a imagem da cidade. Em geral, toda sede de jogos olímpicos teve uma exposição excepcional. Com o Rio, acreditamos que os ganhos serão ainda maiores do que foram para cidades que são apontadas como exemplo, como Barcelona. Antes dos Jogos, Barcelona recebia 800 mil visitantes por ano; hoje, são 8 milhões.
Mas não se vê uma campanha de mobilização nacional para explorar o turismo nos Jogos...
Se você lê o ato olímpico, o turismo não está lá. Nós fomos apartados. Eu falei isso para a presidenta. É preciso inserir o turismo amplamente nesse debate. E mais do que isso: a gente não deve ficar preso só à realização dos Jogos Olímpicos. Até porque é só um mês, passa logo. Temos que tentar aproveitar melhor o evento. Por isso, pretendo antecipar o calendário, lançando ainda em meados de 2015 o ano olímpico. Talvez a gente não tenha outra oportunidade na história tão grande quanto essa.
Como conciliar mais gastos com a promoção da imagem do país num ano de duro ajuste fiscal?
Estamos aguardando o orçamento (de 2015). Se tivermos um corte significativo na nossa capacidade de promoção, vamos perder, de novo, a oportunidade de tirar proveito dessa janela que está se apresentando. E não falo apenas de campanha para turista estrangeiro, mas, sobretudo, para os próprios brasileiros. Nosso mercado interno é enorme. Só 62 milhões de brasileiros viajaram até agora; tem mais um 70 milhões que podem viajar nos próximos anos. Se a gente não faz campanha, como essas pessoas conhecerão o próprio país?
O que o ministro Joaquim Levy, da Fazenda, pensa disso?
Já conversei isso com ele. Eu disse: “Ministro, o turismo pode ser a luz no fim do túnel que todos nós estamos buscando para essa crise. Nós seguiremos gerando empregos e renda. Os investimentos não vão parar. As companhias aéreas vão continuar comprando avião”.
A inflação prejudica o setor?
Se você subtrai poder de compra, e a inflação é uma forma de corroer o poder de compra dos consumidores, você reduz o tamanho do bolso. E nós estamos, o tempo todo, disputando pocket share. Estamos entrando agora, por exemplo, para disputar o bolso das classes C, D e E. Nossa missão é convencer essas pessoas a viajarem, em vez de usar o dinheiro para comprar bens de consumo. O Brasil é um país com baixo índice de viagens por habitante. Nossa média é de meia viagem por pessoa, a cada ano; tem países onde essa média é de uma viagem e meia por habitante.
De forma geral, o dólar elevado ajuda ou atrapalha o turismo?
Depende. A questão, primeiro, é saber se as operadoras vão colocar na prateleira produtos em dólar mais baratos. Porque, para elas poderem fazer isso, precisariam ter redução de custos. Só que as companhias aéreas ainda não tiveram, no tanque, o reflexo do petróleo mais barato. Então não dá, no curto prazo, para o aéreo oferecer promoções para os brasileiros. Mas, talvez para fora, elas consigam fazer. O problema é que o Brasil é muito pouco desenvolvido do ponto de vista de ter operadoras de turismo capazes de trazer gente para cá. Para encher aviões para Disney, somos muito competentes. Agora, ao trazer chineses e americanos para cá, temos pouco sucesso. O dólar mais alto também contribui para o turismo na outra ponta, que é inibir as viagens internacionais. A gente ainda não viu isso nesses primeiros três meses, mesmo com o dólar mais alto. Pode acontecer que, no segundo semestre, a gente tenha um freio nos gastos, o que deverá ocorrer nas férias de fim de ano. Mas isso depende da manutenção do dólar em patamares mais elevados. A ideia é que a gente baixe o preço dos pacotes nacionais e mostre para o brasileiro que é melhor ficar aqui dentro, porque viajar para fora ficará bem mais caro este ano.