Rio - Entre ortodoxos e desenvolvimentistas, o economista da Fundação Getulio Vargas, Mauricio Canêdo prefere o debate construtivo. Ele é um dos quatro organizadores do recém-lançado livro “Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil” da FGV, que traz distintos pontos de vista de 36 autores de 10 instituições sobre a crise na indústria e os caminhos para recuperá-la. Para Canêdo, longe de uma receita de bolo, a saída para a indústria nacional passa pela criação de uma política de longo prazo, estrutural e não protecionista.
O livro traz um diagnóstico comum sobre o problema da falta de competitividade que a indústria enfrenta, mas as opiniões divergem sobre o ponto de origem dessa deficiência e na solução em termos de política pública. Qual seria o caminho da recuperação?
Para muito além da crise e do ajuste, penso em política pública de fomento à indústria como de longo prazo. Boa parte do problema da indústria não é resolvido com políticas públicas seletivas, como a escolha de determinados setores, ou créditos do BNDES, ou, ainda, que pode ser feita com desonerações na folha. São problemas estruturais da nossa economia e que, em particular, afetam mais fortemente a indústria. Nossa infraestrutura é ruim, o ambiente de negócios é péssimo, recentemente o ambiente macroeconômico se deteriorou, a qualidade de nossa mão de obra não é boa. São questões que têm sido faladas nos últimos 10 a 15 anos anos e que o país não resolveu.
Mas as políticas seletivas são um freio ao desenvolvimento?
Há espaço para políticas seletivas, mas esse não deveria ser o eixo central, do ponto de vista de recuperação da nossa indústria. Para alguns setores, elas são importantes, mas é preciso que sejam bem desenhadas. É ajudar a caminhar, mas a indústria tem que andar com as próprias pernas depois. O governo não pode se sentir tentado a manter a proteção por mais algum tempo. Políticas industriais bem-sucedidas são construções de longo prazo. E é preciso que o governo se comprometa, de forma crível, que a proteção a determinados setores tenha data para acabar. Há excelentes experiências ao redor do mundo com essas características e, no país, temos a Embraer. Ela é um sucesso porque hoje é competitiva. E isso só se deu porque seguiu-se a linha da proteção no começo, investimento em capital humano e inovação, e política industrial transitória.
A inovação seria a saída para nos tornar competitivos?
O Brasil se encontra hoje no meio do caminho. Chegamos a um nível de desenvolvimento que não conseguimos mais competir em setores industriais nos quais a mão de obra barata é um insumo importante. Mas não somos capazes de investir em setores onde a inovação e a tecnologia são essenciais, porque investimos pouco em P&D. O futuro da indústria está no avanço em setores mais intensivos em inovação, pesquisa e desenvolvimento.
E o que falta ao país?
Solucionar o lado estrutural é o passo básico. A política industrial de inovação no Brasil é a melhor parte da política industrial, mas tem a chance de dar errado, se todo o resto da política industrial for na direção de isolar as empresas domésticas da competição internacional.
Em que sentido?
As empresas precisam ter a inovação como imperativo. Ninguém inova por acaso, inova-se para fugir dos competidores, mas é preciso ser acossado pela competição. O problema é que a economia brasileira é muito fechada, ainda tem resquício de uma economia autárquica.
Sobre o momento atual, a indústria tem condições de sair da crise?
A indústria já não estava indo tão bem há algum tempo. Algumas ações do governo remediaram essa situação, mas o problema da indústria não é falta de demanda. O governo, desde a crise, tem incentivado a demanda, o que nos últimos anos se mostrou ineficaz para sustentar a indústria doméstica. Boa parte da produção está sendo voltada para a exportação. Mas qual é futuro da indústria? Não a vejo voltada só para a economia doméstica. O sucesso da indústria nacional depende de se conseguir inserí-la no mercado internacional, participar das cadeias globais de valor, ser competitiva.
De que forma?
Depende de uma política industrial seletiva bem desenhada, que implique em alguma proteção, mas que essa proteção tenha data para acabar. Que seja revista ao longo do tempo e que considere um plano de longo prazo para abrir a economia aos poucos.