Pelos cálculos de uma qualificada fonte do governo que acompanha o programa de concessões na área de transportes, pelo menos 30 empresas — entre escritórios especializados no desenvolvimento de projetos e construtoras nacionais e estrangeiras — estão mobilizadas em torno da série de leilões de ferrovias, que deve começar no início de 2015, com a concessão do trecho Lucas do Rio Verde (Mato Grosso) a Campinorte (Goiás), uma extensão de 883 km. Entre as estrangeiras, estão russas, chinesas e, mais recentemente, espanholas. Após um grande programa de renovação na área de infraestrutura, a Espanha foi colhida pela crise internacional. Com isso, empresas com expertise estão em busca de novos negócios. É o tamanho do programa brasileiro que chama a atenção. Além do trecho Lucas do Rio Verde-Campinorte, há outras seis rotas em estudos, todas destinadas ao escoamento de produtos e grãos. O programa envolve a reforma e implantação de 11 mil km de estradas de ferro, com investimentos estimados em US$ 99,6 bilhões. Segundo um investidor, não haveria hoje, no mundo, outro programa em andamento com essa dimensão.
Dado o contexto, o leilão do primeiro trecho, adiado justamente pelo temor de um fracasso, se reveste de grande importância. Analistas afirmam que dificilmente as estrangeiras de infraestrutura terão presença importante nele, mas elas o observarão com lupa. Será um exemplo do funcionamento do programa na prática.
Há, dentro do governo, uma grande preocupação em oferecer uma estrutura de financiamento ao programa, com alternativas ao BNDES, com a criação de fundos de investimento e garantias extras. Mas não é certo que as empresas estrangeiras busquem as opções domésticas. Elas costumam montar seus projetos com financiadores externos. Se isso se confirmar, o governo vai comemorar. Uma das críticas ao programa brasileiro reside exatamente no fato de estar apoiado basicamente no financiamento público.
Uma pitada de otimismo
Apesar de visões em contrário, bem mais pessimistas, o economista-chefe da LCA, Bráulio Borges, acredita que em 2015 a balança comercial pode trazer boas notícias. Ele prevê um superávit de US$ 13,5 bilhões no próximo ano (bem superior aos R$ 7,2, bilhões previstos pela média do mercado financeiro), e superior a US$ 20 bilhões em 2016. Com um superávit mais robusto na balança, Borges estima um comportamento mais alentador para o resultado da conta de transações correntes — a conta do balanço de pagamentos que registra remessas e ingressos de dólares decorrentes de negócios e compras e vendas entre o Brasil e o resto do mundo, hoje crescentemente deficitária. Segundo ele, o déficit em conta corrente deverá sair de 3,6% do PIB neste ano para 3,3% em 2015 e 2,8% em 2016, já mais próximo de um nível “confortável” — algo entre 2,5% e 3%, na avaliação do economista.
“Do lado positivo, temos o câmbio mais depreciado, aumentando a competitividade das exportações de manufaturados e reduzindo a penetração dos importados — duas boas notícias para a indústria de transformação”, explica Borges. Ainda do lado positivo, o economista prevê uma melhora no crescimento internacional, puxada pelos Estados Unidos, e um desempenho “menos pior” da Argentina, importante importador de produtos industrializados brasileiros. “Por fim, com a inauguração da Refinaria Abreu e Lima agora em novembro de 2014, nosso déficit em petróleo e derivados deverá cair bastante em 2015. Deveremos passar a ter superávits crescentes de 2016 em diante”, prevê, apontando que, em 2013, essa conta registrou um saldo negativo (importações superiores a exportações) de US$ 13 bilhões; neste ano, o déficit deverá fica em torno de US$ 8 bilhões.
“Do lado negativo, temos principalmente a perspectiva de continuidade da piora dos termos de troca do Brasil (a relação entre o valor das importações e o valor das exportações)”, diz, referindo-se à queda dos preços das commodities agrícolas e do minério de ferro, bens intensamente exportados pelo Brasil. Os fatores positivos tenderiam a superar os negativos.
Tudo ou Nada
Marcelo Caetano, especialista em temas previdenciários do Ipea, chama a atenção para a polarização existente em torno da discussão em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de desaposentação: a renúncia à aposentadoria na busca de outra mais vantajosa. Trata-se de uma demanda específica de pessoas que, já aposentadas, continuam trabalhando e contribuindo para a Previdência Social, mas não têm o direito de utilizar estas contribuições adicionais para obter uma nova aposentadoria, mais elevada. O governo diz que a concessão do direito resultará em uma despesa extra para a já deficitária Previdência da ordem de R$ 70 bilhões nos próximos 20 anos. Haveria 480 mil pessoas nesta situação.
Para Caetano, o rombo poderia ser reduzido caso o Supremo considerasse a hipótese de permitir o recálculo incorporando as contribuições, de um lado, mas, de outro, descontando os valores já pagos pelo INSS durante a vigência da aposentadoria a ser revertida. Não seria a solução desejada pelos aposentados na ativa, mas seria mais justa do ponto de vista fiscal. O assunto está indefinido — a votação foi interrompida no placar de dois votos contra e dois favoráveis. Não se sabe o que o governo fará se perder a causa. Mas um experiente advogado da área aposta em uma solução simples: abolir a contribuição feita pelo trabalhador aposentando, mantendo apenas a patronal. Com isso, ao menos liquidaria o interesse por desaposentações no futuro.