Bolsonaro - Isac Nobrega / Presidência da República
BolsonaroIsac Nobrega / Presidência da República
Por MARTHA IMENES
A decisão do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, de aceitar o pedido do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para abertura de um inquérito envolvendo o presidente Jair Bolsonaro a partir das acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro tem um longo caminho a percorrer. Especialistas consultados pelo O DIA avaliam que a investigação pode levar de 3 a 4 meses, dependendo do ritmo das investigações e diligências que serão feitas pela Polícia Federal.

Inicialmente, o inquérito vai investigar as denúncias feitas por Moro de que Bolsonaro teria feito tentativas de interferência no trabalho da PF e relatou ações do presidente da República que, se comprovadas, podem configurar crimes, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR). Entre os supostos crimes investigados pela PF estão coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação ou corrupção passiva privilegiada.

Cabe destacar que os escolhidos para suceder Sergio Moro e Maurício Valeixo tomaram tiveram os nomes publicados ontem no DOU. São eles André Gonçalves, que vai para o Ministério da Justiça, e Alexandre Ramagem, pivô da briga de Bolsonaro e Moro, assume a PF.

Manoel Peixinho, advogado e professor da PUC-RJ, alerta ainda para o crime de responsabilidade. "Fica clara a violação, por parte do presidente do dever de probidade previsto no inciso V da lei 1079/50 porque ao interferir nas investigações da PF o presidente maculou o dever de probidade como chefe supremo do país", diz Peixinho.
Data retroativa
Além disso, o inquérito também vai avaliar se, ao usar assinatura de Moro no decreto de exoneração de Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da PF, o presidente teria cometido falsidade ideológica. Na entrevista que deu anunciando a sua demissão Moro afirmou não ter assinado o documento com a exoneração, apesar de seu nome ter aparecido no Diário Oficial datado de 24 de abril. E no mesmo dia foi publicada uma nova exoneração do mesmo servidor no DOU, mas desta vez assinada por Bolsonaro, Walter de Souza Braga Netto e Jorge Antonio de Oliveira Francisco, com a data retroativa a 23 de abril de 2020. No rodapé do documento consta que aquela publicação (com data de 23), substituía a anterior (dia 24), por conter incorreções.

Peixinho explica que, de acordo com a Constituição, um presidente em exercício só pode ser investigado ou processado por crimes cometidos durante o mandato se comprovadas as acusações feitas por Moro.
Segundo Aras, informou à Agência Estado, se as acusações de Moro se mostrarem infundadas, é possível que o ex-ministro tenha cometido denunciação caluniosa ou crime contra a honra, duas possibilidades que também serão investigadas no inquérito. 

"Se achar que há indícios fortes de crime, o PGR apresenta uma denúncia ao Supremo", acrescenta Peixinho. "Então a Câmara dos Deputados precisa autorizar, e com quórum de pelo menos dois terços dos deputados, para que o STF possa deliberar ou não sobre a aceitação da denúncia." Se a Câmara der o aval e o STF decidir dar seguimento a uma denúncia feita pelo procurador-geral da República, o presidente é afastado por até 180 dias, tempo limite para que o caso seja julgado pelo próprio Supremo.

Se for considerado culpado, o presidente perde o mandato e responde pelos crimes como um cidadão normal. Se considerado inocente ou se o julgamento não terminar em até 180 dias, o presidente continua seu mandato normalmente.

Relator em outro caso
Celso de Mello também é relator no STF da ação que pede que a Câmara dos Deputados analise o pedido de impeachment de Bolsonaro apresentado por um grupo de advogados.
Eles acusam Bolsonaro de crime de responsabilidade por causa do comportamento do presidente na condução da crise do novo coronavírus no país. O fato de o ministro relatar essa ação levou preocupação ao Planalto.

No STF, Celso de Mello é o ministro que tem reagido de maneira mais forte a atos do presidente. Foi o caso, por exemplo, quando Bolsonaro publicou um vídeo que comparava o STF a hienas que cercavam o presidente. O vídeo foi posteriormente deletado, mas, na ocasião, Celso de Mello afirmou que "o atrevimento presidencial parece não encontrar limites".
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AMB cobra 'independência e autonomia' para investigadores
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que representa mais de 14 mil juízes no País, afirma que vai zelar para que autoridades que estão na investigação envolvendo as acusações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro sobre o presidente Jair Bolsonaro, atuem com "independência e autonomia", independentemente do resultado do inquérito. Em nota, a entidade diz que está atenta aos desdobramentos da investigação que classificou como "sensível e que gera repercussões relevantes para o Brasil".

O texto assinado pela presidente da Associação, Renata Gil, diz que devem ser solicitados documentos aos envolvidos, tomados depoimentos e adotadas as medidas necessárias para concluir se estão presentes ou não elementos de autoria e materialidade para a abertura de uma ação penal ou para o arquivamento do caso.
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Inquérito pode ficar com ministro indicado pelo presidente
Gilmar Mendes:  diz que é necessário aguardar a conclusão das diligências requeridas pelo procurador-geral da República
Gilmar Mendes: diz que é necessário aguardar a conclusão das diligências requeridas pelo procurador-geral da RepúblicaMarcelo Camargo/Agência Brasil
Na avaliação do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, o inquérito aberto por ordem do ministro Celso de Mello sobre as acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, contra o presidente Jair Bolsonaro pode ser concluído em três ou quatro meses. Gilmar diz que é necessário aguardar a conclusão das diligências requeridas pelo procurador-geral da República e autorizadas pelo decano e que, a partir de então, pode haver uma conclusão - "até porque os fatos não são complexos assim", afirmou Gilmar.

"São depoimentos que podem ser colhidos rapidamente, eventualmente juntada de provas, comunicações. Não me parece algo que exija perícias, algo extremamente complicado, de modo que pode ser que em 90, 120 dias isso já esteja concluído", disse o ministro.

O decano da Corte deu 60 dias para que Moro seja ouvido pela Polícia Federal. Aras também pediu para que sejam apresentadas provas de corroboração da denúncia feita pelo ex-chefe da Justiça.
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O decano deixará a Corte em novembro e caberá ao presidente Jair Bolsonaro escolher o próximo nome para o STF. Este herdará os processos de Celso de Mello, eventualmente o inquérito sobre o presidente. Gilmar esclareceu o procedimento, indicando que se chegar novembro e o inquérito não estiver concluído, "em princípio" irá para sucessor do decano, indicado por Bolsonaro.

Gilmar sinalizou ainda que no inquérito apura eventual "falta de independência" do delegado Alexandre Ramagem para assumir a chefia da Polícia Federal tendo em vista "vínculos pessoais". "Essas questões certamente serão discutidas no inquérito e poderão ser impugnadas no âmbito judicial comum", afirmou ainda o ministro.
Novo ministro é cotado para o Supremo
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O governo confirmou o nome de André Mendonça para a Justiça com a publicação do nome dele no Diário Oficial da União (DOU). Mendonça era, até então, advogado-geral da União. "Agradeço ao pr @jairbolsonaro por confiar a mim a missão de conduzir as políticas públicas de Justiça e Segurança do nosso país. Meu compromisso é continuar desenvolvendo o trabalho técnico que tem pautado minha vida", disse o novo ministro, que é cotado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. O novo ministro seria, como chegou a dizer Bolsonaro, "terrivelmente evangélico" e ocuparia o lugar no STF.

Mendonça tem pós-graduação em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e é pastor na Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília.

Ele é doutor em estado de direito e governança global e mestre em estratégias anticorrupção e políticas de integridade pela Universidade de Salamanca, na Espanha.  O novo ministro tinha sido escolhido para o cargo na AGU ainda na transição para o governo de Bolsonaro, logo após a eleição, em novembro de 2018.
Nomeação de Ramagem vai parar na Justiça
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A nomeação do delegado Alexandre Ramagem, amigo do filho do presidente Jair Bolsonaro e pivô da briga com o ex-ministro Sergio Moro, mal foi publicada no Diário Oficial da União e será bombardeada na Justiça. Em seu Twitter, o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) informou que recorreu ao Judiciário para anular a nomeação de Alexandre Ramagem para a Diretoria-Geral da Polícia Federal.

O deputado federal escreveu no microblog: "URGENTE! Bolsonaro nomeou Alexandre Ramagem para o comando da PF e já dei entrada na ação popular para anular a escolha. O processo está na 13ª Vara da Justiça Federal do DF. Não permitiremos que o presidente transforme a PF numa polícia política a serviço da família".

"O presidente da República deixou claro que o compromisso maior dele é proteger os filhos de suspeitas e investigações", disse o senador Otto Alencar, líder do PSD no Senado.
Ramagem é a indicação de Carlos Bolsonaro e o nome próximo e de fácil acesso que Bolsonaro queria.