Allan dos Santos foi alvo de busca e apreensão em operação da Polícia Federal, por suspeita de financiar atos contra a democracia - Estadão Conteúdo (arquivo)
Allan dos Santos foi alvo de busca e apreensão em operação da Polícia Federal, por suspeita de financiar atos contra a democraciaEstadão Conteúdo (arquivo)
Por MARTHA IMENES
A comemoração no Palácio do Planalto durou pouco. Um dia após a Polícia Federal fazer busca e apreensão na casa do governador do Estado do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC), ontem foi a vez da PF chegar ao chamado Gabinete do Ódio, que comandaria uma suposta rede de produção e propagação de fake news, sobretudo contra o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional e adversários políticos do governo.

Na decisão em que determinou o cumprimento de 29 mandados de busca e apreensão em endereços ligados a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes, quebrou o sigilo bancário e fiscal dos empresários Luciano Hang, dono da Havan; Edgard Corona, da rede de academias Smart Fit; Reynaldo Bianchi Junior; Winston Rodrigues Lima, militar reformado e coordenador de atos pró-Bolsonaro; além do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) e outros parlamentares.
Moraes determinou ainda o bloqueio de perfis nas redes sociais de 17 pessoas investigadas. De acordo com o ministro, esse bloqueio visa "interromper discursos de ódio e incentivo à quebra da normalidade democrática". A suspensão do sigilo vale entre julho de 2018 e abril de 2020.

Segundo Moraes, Hang, Corona, Bianchi Junior e Lima são "possíveis responsáveis pelo financiamento de inúmeras publicações e vídeos com conteúdo difamante e ofensivo ao STF, bem como mensagens defendendo a subversão da ordem e incentivando a quebra da normalidade institucional e democrática", escreveu Moraes.

São investigados também os blogueiros Allan dos Santos, que seria o principal articulador do grupo, Bernardo Kuster, Sara Winter, Otávio Fakhoury, Rafael Moreno e Edson Salomão. Segundo fontes, o temor de Bolsonaro agora é que as investigações cheguem aos seus filhos, que já se pronunciaram no Twitter. Eduardo e Carlos Bolsonaro escreveram que operação (contra o Gabinete do Ódio) é inconstitucional. 
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Associação criminosa
Em um trecho da decisão, o ministro aponta que, em um grupo de WhatsApp denominado "Brasil 200 Empresarial", integrado pelos investigados, haveria uma colaboração para "impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes."

No mesmo despacho, Alexandre de Moraes afirma, a partir de depoimentos e provas já colhidos, que "há real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como Gabinete do Ódio, dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática."

Os parlamentares a que ele se refere são os deputados federais Alexandre Frota (PSDB-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP), Nereu Crispim (PSL-RS) e Heitor Freire (PSL-CE). Segundo o ministro, as informações fornecidas por eles coincidem com o resultado de perícias técnicas promovidas durante o inquérito.

"A cúpula dessa organização sabe trabalhar com a construção de narrativas, bem como os canais mais eficazes para sua rápida divulgação, contando para isso com o chamado 'efeito manada' que atinge pequenos grupos e até indivíduos isolados, amplificando em nível nacional as mensagens ofensivas, calúnias e notícias falsas e de ódio contra inúmeras autoridades ou quaisquer pessoas que representem algum incômodo", explicou Joice em seu depoimento.

O deputado Heitor Freire, por sua vez, citou como exemplo da atuação do chamado Gabinete do Ódio a disseminação do vídeo em que o STF e outras instituições eram retratados como hienas ameaçando o presidente Jair Bolsonaro, retratado como um leão. À época, o próprio presidente chegou a compartilhar a publicação, mas depois pediu desculpas.
Manifestações nas redes sociais
As manifestações ocorreram por redes sociais durante todo o dia. A ex-aliada, deputada Joice Hasselmann (PSL) utilizou o microblog para comentar a ação: "Alexandre de Moraes foi cirúrgico: acaba de bloquear as redes sociais dos ativistas blogueiros, entre eles, Allan dos Santos, Bernardo Kuster e Sara Winter".

Já o deputado Marcelo Freixo (Psol) avalia que a investigação pode levar às eleições presidenciais de 2018. "O ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de empresários suspeitos de financiar a rede de fake news bolsonarista nas eleições de 2018. O bueiro está sendo aberto e veremos todos os crimes que levaram à eleição de Bolsonaro".

O ex-ministro Sérgio Moro defendeu a autonomia da Polícia Federal no seu perfil no Twitter. "A Polícia Federal tem que trabalhar com autonomia.Que sejam apurados os supostos crimes no RJ e também identificados os autores da rede de fake news e de ofensas em massa. Diante das denúncias de interferência na PF, o ministro Alexandre manteve os delegados que estavam na investigação", escreveu Moro.
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Aras muda de ideia e pede para suspender inquérito
O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), a suspensão do inquérito da fake news no Supremo. É bom ressaltar que esse processo não é o mesmo que a CPI das fake news, que tramita com Congresso. O pedido veio após apoiadores bolsonaristas terem celulares e computadores recolhidos em uma operação da Polícia Federal no âmbito da investigação.

Marcelo Freixo questionou, via Twitter, a decisão do procurador-geral: "O que mudou? Em outubro/2019, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou favoravelmente ao prosseguimento do inquérito do STF que investiga a rede de fake news. Agora, com deputados e empresários bolsonaristas no foco, ele pede a suspensão do inquérito. Por quê?".
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A deputada Joice Hasselmann (PSL) também criticou a decisão da PGR. "Augusto Aras mudou de posição repentinamente! Vale lembrar que a AGU de @jairbolsonaro defendeu a constitucionalidade e também a continuidade do inquérito. Mais uma evidência que tudo muda quando esbarra nos amigos do rei."
Sigilo
O inquérito sigiloso foi aberto para apurar ameaças, ofensas e fake news disparadas contra os integrantes do Supremo e seus familiares. Desde o início, a investigação sofreu forte oposição do Ministério Público Federal por ter sido iniciado de ofício (sem provocação de outro órgão) pelo ministro Dias Toffoli. O que é incomum, mas não inconstitucional.

Com a mudança do titular da Procuradoria-Geral da República (PGR), em setembro, foi alterada também a postura da instituição em relação ao inquérito. Aras disse que Toffoli, ao determinar a abertura da apuração, "exerceu regularmente as atribuições que lhe foram concedidas" pelo Regimento Interno do Supremo. Agora, o PGR mudou de ideia e pediu a suspensão do inquérito.
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No documento enviado ao STF, Aras afirma que a Procuradoria-Geral da República foi "surpreendida" com a operação realizada "sem a participação, supervisão ou anuência prévia do órgão". Na visão dele, isso "reforça a necessidade de se conferir segurança jurídica" ao inquérito, "com a preservação das prerrogativas institucionais do Ministério Público de garantias fundamentais, evitando-se diligências desnecessárias, que possam eventualmente trazer constrangimentos desproporcionais".