Ministro Ricardo Salles criou a medida alegando a necessidade dos órgãos fiscalizadores buscarem acordos antes que surja a contestação judicial - Marcos Correa / Presidência da República
Ministro Ricardo Salles criou a medida alegando a necessidade dos órgãos fiscalizadores buscarem acordos antes que surja a contestação judicialMarcos Correa / Presidência da República
Por MARTHA IMENES
Na fatídica reunião governamental de abril, quando o então ministro Sérgio Moro se sentiu coagido pelo presidente Jair Bolsonaro, uma fala veio à toda: o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alertou os ministros sobre o que considerava ser uma oportunidade trazida pela pandemia da covid-19. Segundo ele, o governo deveria aproveitar o momento em que o foco da sociedade e da mídia estava voltada para o novo coronavírus para "passar a boiada" e mudar regras que podem ser questionadas na Justiça. E a boiada passou: ontem, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou duas resoluções (302 e 303) e retirou a proteção cerca de restingas e manguezais pelo país, o que abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de mangues para produção de camarão.

Mas, no que depender de parlamentares, essas resoluções não serão derrubadas pelo Conama. Ontem mesmo o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) entrou com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para anular a decisão do ministro. "O ministro está colocando em prática o que defendeu na reunião ministerial de abril passado: aproveitar a 'distração' do país com a pandemia pra passar a 'boiada' e acabar com as regras que protegem o meio ambiente. Já apresentei PDL para anular a decisão do Conama e vamos entrar na Justiça também", advertiu o deputado.

"Como as revogações das resoluções visam atender setores econômicos e beneficiar empreendimentos imobiliários, se faz necessário observar que na Constituição Federal existe um entrelace da ordem econômica com o meio ambiente", diz Molon.

A bancada do PT protocolou uma ação popular assinada por Nilto Tatto (PT-SP), Enio José Verri (PT-PR) e Gleisi Hoffmann (PR-PR) pedindo a suspensão da reunião e de suas decisões.

Conselho está desidratado
O Conama vem sendo "desidratado" desde julho de 2019 por determinação de Ricardo Salles. As ações do ministro, inclusive, fizeram com que o Ministério Público Federal (MPF) pedisse o seu afastamento por dano ao Meio Ambiente.

O ministro concentrou nas mãos do governo federal e de representantes do setor produtivo a maioria dos votos. Estados e entidades civis perderam representação. O Conama teve seus membros reduzidos de 96 para 23 representantes.

Hoje o governo federal tem 43% de poder de voto dentro da composição do conselho, além de outros 8% de poder de voto do setor empresarial. Os demais votos estão diluídos entre membros dos estados, municípios e sociedade civil. Se antes estes somavam 60% de poder de voto, passaram a ter 49% na nova composição.
A estrutura anterior do órgão tinha o objetivo de dar maior representatividade a vários segmentos. Uma parte dos integrantes da sociedade era escolhida por indicação e outra, por eleição. Mas desde o ano passado a escolha é por sorteio.

MPF cobra do TRF-1 decisão sobre afastamento
O afastamento do ministro Ricardo Salles foi cobrado pelo Ministério Público Federal (MPF), que enviou petição à Justiça Federal no Distrito Federal por uma decisão. Salles responde a ação de improbidade administrativa pelo desmonte deliberado de políticas públicas voltadas à proteção ambiental e, desde julho é aguardada uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) sobre o pedido para que fosse afastado do cargo.

No pedido datado do dia 23, o MPF sustenta que o requisito jurídico para a determinação do afastamento, o perigo da demora, está demonstrado no caso. "A permanência do requerido Ricardo Aquino Salles no cargo de ministro do Meio Ambiente tem trazido, a cada dia, consequências trágicas à proteção ambiental, especialmente pelo alarmante aumento do desmatamento, sobretudo na Floresta Amazônica", diz a petição.