Brasília - Em caravanas pelo interior gaúcho, o senador Pedro Simon está em campanha eleitoral. Não a sua, mas a de seu filho Tiago, candidato a deputado estadual (PMDB). Colocado para escanteio por seu partido — que ele insiste em chamar de MDB, referência à legenda que ajudou a fundar e que nos anos 80, como PMDB, liderou a transição democrática — Simon está desencantado e triste com o país e, por isso, desistiu de concorrer ao quinto mandato como senador. “Esse grupo à frente do MDB está aí porque PT e PSDB, quando foram para o governo, afastaram pessoas como eu. Essas pessoas querem cargos e, em troca desses cargos, o MDB vendeu a sua alma”, diz Simon nessa entrevista ao Brasil Econômico, acrescentando que vai trabalhar pela vitória de Eduardo Campos e Marina Silva nas próximas eleições. Dilma e Aécio, para ele, simbolizam a continuidade do “toma lá dá cá” e do “é dando que se recebe”, sem ideologia e sem programa.
O sr. tem alegado a idade avançada para justificar seu afastamento do Congresso. Mas ainda demonstra vigor e vontade de fazer política. O que motivou a sua decisão?
Tenho 85 anos, dos quais 65 de mandato parlamentar. Poderia continuar. Garra e saúde eu tenho. Mas o momento está muito triste e negativo para a vida política. O que eu podia fazer pela política e de modo especial pelo meu partido, fiz. Lutei muito pelo MDB e pela reimplantação da democracia, para que chegássemos aonde chegamos.
O que o entristece?
O MDB optou por não ter candidato pela quarta eleição consecutiva. O MDB é hoje uma marionete conduzida para um lado ou para o outro. Por um prato de lentilhas, deixa de praticar uma política real e autêntica. Isso foi visto na convenção nacional do partido. Me senti sem condições de continuar essa luta. Infelizmente, o número dos que pensam como eu no MDB tem diminuído a cada eleição.
Por que o senhor é contra a aliança Temer-Dilma?
Esta aliança é a continuidade do que já vimos. O MDB era um grande partido que estabeleceu as Diretas Já, que restabeleceu a democracia, com a liderança de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Teotônio Villela. Este grupo que está aí não faz isso. Ele ficou no governo FHC por oito anos, ficou no governo Lula por oito anos. E está no Governo Dilma há quatro anos. Mas estar no governo não significa uma união partidária, onde o MDB participa com o debate de ideias e programas. É pelo provimento de cargos e cargos sem nenhuma expressão. Durante este tempo todo, o MDB não exerceu nenhum tipo de influência no governo. O caminho é que se transforme num partido de segunda linha.
Qual é a alternativa?
Espero e vou trabalhar pela candidatura do PSB. O Eduardo Campos e a Marina Silva são a única expectativa que vejo para que possamos mudar essa realidade. Nesses últimos 20 anos, com os governos do PSDB e do PT, a política brasileira tem se mantido na base do “toma lá da cá”, do “é dando que se recebe”. Lamentavelmente, este é o grande fator de formação da política brasileira. Nada de ideologia. Como nenhum partido tem maioria para governar sozinho, então se fala em coligações para fazer um pacto para governar. Só que esse entendimento não é feito em torno de ideias ou de programa de ações, e sim na base da distribuição de cargos. Por isso, o país tem esse número enorme de partidos. Na hora de se votar um determinado projeto, o governo libera as emendas parlamentares, e mais um cargo, e mais uma vantagem, e o projeto é aprovado sem discussão do mérito. Isso está chegando ao limite. Esse escândalo da Petrobras mostra que a desmoralização da vida pública chegou ao ápice. Não dá para ir mais. Creio que se a Dilma vencer, terá MDB, PSD, PP e esses partidos todos disputando cargos no governo. Se ganhar o Aécio, será a mesma coisa. Ganhando Eduardo, que já tem uma base partidária pequena, ele não vai ter maioria parlamentar e aí vai ter que governar com todos os partidos. É preciso existir um governo onde haja participação de todos. Isso poderá tirar o Brasil dessa tristeza moral em que se encontra.
O PMDB teria um nome para cumprir esse papel já em 2014?
Se o MDB tivesse disposição e vontade para lançar um candidato a presidente, teria vários nomes. O próprio vice-presidente Michel Temer está pronto para ser presidente. Ele tem sido um bom vice-presidente. Ao contrário da Dilma, que não tem capacidade de fazer costura política. O Temer conseguiu fazer articulação com os presidentes do Senado e da Câmara, com o próprio PT. Candidato melhor ainda seria o Roberto Requião. Foi três vezes governador do Paraná em governos excepcionais. O problema do MDB não é a capacidade de governar. O problema é que a cada ano eles trocam. Eles querem um ministério aqui, um ministério ali, uma diretoria ali. São cargos que não têm pompa, que não têm categoria. Há 20 anos eles vêm dizendo o que disseram agora, que nas próximas eleições lançarão candidato próprio. Não vão lançar. O MDB vem diminuindo a cada eleição. O PT é muito competente. O PT quer que o MDB, que já foi maior e hoje tem 70 deputados, baixe para 50 e o PT vá para 80 nas próximas eleições.
Pedro Simon seria um bom nome para a presidência?
Por duas vezes tive maioria dos convencionais. Em 2004 nem houve convenção. Se tivesse havido, meu nome seria aprovado. Mas o MDB não permitiu. Eles jamais aceitariam, porque não sou da linha deles. Sou da linha de Tancredo, Ulysses e Teotônio. Daquela linha heróica que fez do MDB um grande partido. Hoje o José Sarney, o Jader Barbalho, o Renan Calheiros e esse grupo que comanda o partido não têm nada a ver com a história do MDB. Esse grupo está aí porque PT e PSDB, quando foram governo, afastaram pessoas como eu. Essas pessoas querem cargos e, em troca desses cargos, o MDB vendeu a sua alma.
Nestes 65 anos de vida política, o que o sr. vivenciou de mais marcante na história do país?
O governo do Itamar Franco. Houve um fiasco nacional. Havia vários candidatos a presidente, cada um melhor que o outro. Personalidades como Ulysses e (Leonel) Brizola, (Miguel) Arraes, Lula, (Mário) Covas. Ganhou (Fernando) Collor. Foi um fiasco nacional. Uma negação. O Congresso Nacional, num processo amplamente democrático, decretou o impeachment de Collor. Assumiu Itamar. Ele me escolheu como líder e coordenei uma reunião com todos os presidentes de todos os partidos. Ele pediu que eu falasse e fiz a exposição declarando que queríamos deixar claro que o povo elegeu Collor presidente. O Congresso cassou e o Congresso colocou Itamar na Presidência. Por isso, o Itamar quis governar com todos os partidos, com o Congresso. Então, à semelhança do pacto de Moncloa, na Espanha, quisemos que todos os partidos participassem do governo. Itamar construiu um ministério de gabarito, escolhendo os melhores, os mais competentes, independente dos partidos. O Plano Real foi construído dentro do Congresso, sem favor ou sem vantagem para qualquer um.
Essa parceria entre o Executivo e o Legislativo foi fundamental para o êxito da estabilização econômica do Brasil?
Não tenho dúvida. Foi o alicerce do Plano Real. Se o Itamar tivesse inventado um plano, feito o projeto de maneira unilateral, designando um ministério para elaborar e simplesmente enviasse ao Congresso Nacional, não haveria êxito. Ele seria bombardeado. No momento em que Itamar reuniu os presidentes de partidos e abriu o diálogo com o Parlamento, o Plano Real foi aprovado e executado, com os aplausos e o respeito da Nação. Hoje a coisa está bem diferente. O governo loteia as empresas públicas e faz o que quer no Congresso.
O que o sr. acha do decreto que criou a Política Nacional de Participação Social?
Não se governa por decreto. Agora é a presidenta Dilma que decide quem vai ser membro dos conselhos ligados às entidades do próprio governo. Nada será criado, nenhum projeto, sem antes passar por esse conselho. Não é correto isso. Ela deveria mandar um projeto para ser discutido no Congresso. É preciso saber se o Parlamento concorda com esse formato. Essa é a grande diferença entre o governo atual e aquilo que o Itamar fez. Hoje não se faz mais isso. Tudo passa pela troca, pela barganha das emendas.
A reforma política acabaria com essa prática?
Para fazer a reforma política seria necessário fazer o que fez Itamar. Não basta um presidente enviar um projeto de reforma. O Lula fez isso e ninguém deu bola. O Congresso fez um projeto e ninguém deu bola. Uma reforma política de verdade só vai acontecer quando se reunir as classes políticas e se convocar as representações sociais para um grande debate em torno de uma proposta mínima, e submeter essa proposta à população, por plebiscito ou referendo.
O que deveria conter essa proposta mínima?
Partiria das coisas fundamentalmente necessárias: um novo pacto social; as finanças melhor distribuídas entre estados e municípios; os partidos têm que ter a cláusula da sustentabilidade, com percentual mínimo; fidelidade partidária é absolutamente obrigatória e necessária; Medidas Provisórias têm que acabar de uma vez por todas.
Tem planos para o futuro?
Vou continuar na política. Vou andar pelo Brasil. Há uma infinidade de convites de entidades, sindicatos e especialmente de universitários para falar de política. Vou lutar por aquilo que tem sido a minha causa: o povo tem que participar. Não devemos esperar nada do Congresso. Quem vai fazer a mudança do país não é o governo nem o Parlamento. Quem vai fazer a mudança é a sociedade. Vou para as ruas com a sociedade. Não com a cara mascarada, nem com pedaço de pau ou ferro. De mãos abertas e com a Bandeira do Brasil vou, junto com a juventude, cobrar essas mudanças.
Como o senhor vê a atuação dos jovens que vão às ruas hoje?
Tenho uma forte identificação. Minha história de juventude foi nas ruas. Fui líder estudantil. E, mesmo adulto, sempre tive uma atuação junto aos jovens. Tenho conversado com eles e chamo atenção para a importância de, ao lado de estudarem e procurarem uma profissão, analisar, debater e participar da vida política. É isso que a juventude quer. Mas, lamentavelmente, pouca gente se aproxima da mocidade e, quando se aproxima, é apenas para pedir votos. Temos muito que aprender com a mocidade. Não é apenas ensinar.