Por diana.dantas

Com as medidas de política fiscal e monetária recentemente anunciadas, é esperado que em 2015 o processo de desalavancagem das famílias continue. Nos últimos anos, com o crescimento da importância do crédito concedido às pessoas físicas na economia brasileira — que hoje representa quase a metade do crédito total e alcança cerca de 30% do PIB —, aumentou também o endividamento das famílias. No entanto, recentemente, com a moderação do ritmo de crescimento das concessões e a manutenção das condições favoráveis no mercado de trabalho, iniciou-se um processo de redução gradual do endividamento das famílias.

Se por um lado o avanço do crédito possibilitou um maior dinamismo do consumo das famílias, por outro o maior peso das dívidas no orçamento doméstico gerou preocupações sobre seus possíveis impactos negativos. Além dos riscos sistêmicos a eles relacionados, níveis mais altos de endividamento passaram a preocupar por seu efeito de reforçar ciclos econômicos, intensificando os efeitos negativos de eventuais políticas contracionistas sobre a atividade econômica e choques externos.

O endividamento das famílias, medido como o saldo do crédito no sistema financeiro em relação à renda acumulada em 12 meses, mais que dobrou nos últimos dez anos, passando de 21,5%, em 2005, para 45,8% em 2014, segundo estimativas do Banco Central. Muito embora o estoque de crédito ainda seja modesto para os padrões internacionais, o comprometimento da renda das famílias brasileiras com o serviço das dívidas é alto. Isso deve-se ao perfil das dívidas, na sua maior parte formada por modalidades de custo muito elevado e prazo curto. No entanto, houve, recentemente, melhora significativa no perfil do endividamento, o que fez com que o comprometimento de renda aumentasse em menor proporção que o endividamento. De 2005 a 2014, o serviço da dívida das famílias passou de 17,3% para 21,3% da renda líquida mensal.

O melhor perfil das dívidas, acompanhado pela moderação do crescimento do crédito, determinou uma trajetória de desalavancagem das famílias a partir de meados de 2012, quando o comprometimento de renda atingiu seu ápice. Desde então, o comprometimento das famílias com dívidas passou a apresentar tendência de queda moderada. Também a partir de 2012, os acréscimos ao endividamento passaram a se dar pelo aumento dos financiamentos imobiliários. Isso deve-se ao crescimento mais modesto do crédito com recursos livres, ao mesmo tempo que o crédito direcionado, particularmente o imobiliário, continuou apresentando crescimento acima da renda, ainda que de maneira mais moderada.

Além do aumento do crédito habitacional, outro fator limitou o processo de desalavancagem das famílias em 2014: a alta dos juros. A redução do comprometimento de renda com o serviço da dívida foi discreta, sobretudo por conta do aumento do custo do crédito. Ainda de acordo com os dados do Sistema Financeiro Nacional, divulgados pelo Banco Central, a taxa média de juros das operações de crédito às pessoas físicas passou de 25,6% ao ano para 27,3% ao ano. Excluindo-se o crédito direcionado, a taxa média de juros terminou 2014 em 43,4% ao ano — 5,4 pontos percentuais acima do patamar observado no mesmo período do ano anterior. Como o prazo médio da carteira de crédito com recursos livres é de apenas 18,9 meses, o impacto das elevações das taxas de juros sobre o comprometimento da renda com essas modalidades de crédito ocorre rapidamente.

Apesar das condições menos favoráveis em 2014 em relação às taxas de juros, houve continuidade no processo de alongamento dos prazos das novas concessões. Isso deve-se à maior participação do crédito consignado, entre as modalidades de crédito com recursos livres, e do crédito habitacional, entre as modalidades com recursos direcionados. Apesar do crescimento acima da média das novas operações com crédito rotativo, de curtíssimo prazo, sua participação no saldo total aumentou discretamente, passando de 20,7%, em dezembro de 2013, para 21,8% em dezembro de 2014.

Mesmo com o aumento das taxas de juros, houve redução dos atrasos no pagamento do serviço da dívida em relação ao volume de crédito total. A desaceleração do crédito, crescendo em ritmo mais próximo do desempenho da renda das famílias, somada à continuidade do processo de melhora no perfil das dívidas, com prazos mais longos, possibilitou a redução da taxa de inadimplência de 4,1% em dezembro de 2014, ante 4,4% no ano anterior, de acordo com os dados divulgados pelo Banco Central. A redução da inadimplência ocorreu tanto nas operações com recursos livres como naquelas com recursos direcionados.

O crédito concedido às famílias alcança, hoje, 27,5% do PIB e representa um importante canal de transmissão da política monetária para a atividade econômica e para os preços. O avanço do crédito nos últimos anos possibilitou, junto com o crescimento da renda, o fortalecimento do mercado de consumo e o crescimento da demanda interna. Contudo, níveis elevados de alavancagem das famílias aumentam o risco de crises sistêmicas e reduzem a capacidade de crescimento econômico em períodos de reversão de ciclo.

No entanto, a partir de 2012 vem ocorrendo um processo gradual de desalavancagem das famílias brasileiras. Esse processo intensificou-se em 2014, por meio da oferta mais seletiva de crédito, de uma moderação do consumidor em relação ao consumo e como resposta ao aumento das taxas de juros do crédito. Dessa forma, as famílias iniciam o ano de 2015 menos endividadas. Segundo os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela CNC, o percentual de famílias que relataram estar muito endividadas alcançou 10% do total de famílias, o que representa o menor patamar da pesquisa, iniciada em janeiro de 2010.

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