O Federal Reserve enfrenta este ano um desafio sem precedentes. Após o maior estímulo monetário de sua história, a instituição prepara o terreno para aumentar sua taxa de juros básica, a taxa dos Fed Funds, pela primeira vez desde 2006, e após ter a mantido próximo a zero por quase seis anos. No processo de normalização da política monetária, a dificuldade principal será na administração das expectativas, em momento no qual as incertezas são grandes, tanto em relação à robustez da recuperação da economia, quanto em relação aos efeitos da mudança da política monetária sobre a atividade econômica e preços dos ativos. Os riscos são diversos e não desprezíveis e, portanto, turbulências são esperadas.
Os bancos centrais têm como principal instrumento a taxa de juros de curto prazo, que no caso do Fed, é a Fed Funds rate. No entanto, esse instrumento tem limitações. A taxa de juros sob o controle dos bancos centrais, por meio das operações de mercado aberto, é apenas a taxa de juros nominal de curto prazo. As variáveis que importam para a atividade econômica são as variáveis reais, e, no caso da taxa de juros, sua estrutura a termo, o que torna as expectativas dos agentes econômicos extremamente importantes para a política monetária, tanto em relação à inflação, quanto em relação à trajetória futura dos juros. Desta forma, a comunicação dos bancos centrais tem um papel central na condução da política monetária.
Para a política monetária ser eficaz, sua comunicação precisa ser bem-sucedida em conduzir as expectativas, e, para tal, a credibilidade da autoridade monetária é fundamental. Mas ao adotar instrumentos não convencionais para evitar o colapso de seu sistema financeiro, e, em seguida, reduzir os impactos recessivos da crise de 2008, o desafio de conduzir as expectativas se tornou ainda mais difícil, pois o grau de incerteza aumentou consideravelmente. Para manter as expectativas ancoradas e reduzir as taxas de juros de longo prazo, o Federal Reserve assegurou, através de sua comunicação, que manteria as taxas de juros em níveis próximos a zero por um longo período. Adicionalmente, redirecionou a ênfase da política monetária ao mercado de trabalho, reduzindo a atenção aos índices de preços e aos riscos inflacionários de longo prazo. O programa massivo de compra de ativos também foi muito importante para manter os preços dos ativos valorizados e conter as taxas de juros de mercado.
Ainda que haja muito debate em relação às políticas adotadas, pode se dizer que a estratégia do Fed, tem dado certo. Os Estados Unidos se recuperam da crise mais rapidamente que os países da Zona do Euro, ainda que não tenham concluído o processo de desalavancagem. Contudo, as turbulências observadas nos mercados quando ocorreu a sinalização da proximidade do processo de retirada de alguns estímulos mostraram que o desafio de normalização não será menos desafiador, muito embora a política monetária continuasse bastante acomodatícia (taxas de juros próximas a zero e balanço inflado).
O Federal Reserve havia feito um esforço significativo para conduzir as expectativas, de modo a enfatizar os elevados níveis de ociosidade e desemprego e os riscos de deflação ou inflação nula. O fato de ter um mandato duplo (inflação e desemprego) foi de grande ajuda, assim como o programa de compras de ativos. Agora, no processo de elevação das taxas de juros, a instituição precisa fazer o caminho inverso.
Ao divulgar seu “Relatório de Estabilidade Financeira”, o FMI alertou para os riscos envolvidos nessa mudança. Apesar do Comitê de Política monetária do Fed projetar aumentos nas taxas de juros ainda este ano, o mercado não acompanhou, e as taxas de juros de longo prazo recuaram. Com a política monetária expansionista na Zona do Euro e no Japão, há o risco de redução dos impactos das ações do Fed, como ocorreu em 2004, quando o excesso de poupança global manteve as taxas de juros deprimidas, forçando a autoridade monetária a elevar a taxa de curto prazo mais rapidamente. Na mão contrária, há também o risco de pânico, como ocorreu em 2013, quando a expectativa de aumentos sucessivos na taxa de juros levou à grande volatilidade nas taxas de juros.
Ambos os riscos são significativos para os mercados emergentes, na medida em que alteram as condições de liquidez internacional. Para países como o Brasil, que possuem necessidades de financiamento externo elevadas e uma parcela significativa de sua dívida atrelada ao câmbio, esses riscos são particularmente elevados. A falta de espaço para implantar políticas anticíclicas, devido à inflação elevada e ao desequilíbrio fiscal, é uma preocupação adicional.
O grande ponto de interrogação para condição da política monetária interna, além das incertezas inflacionárias, permanece sendo a trajetória da curva de juros do Tesouro americano. O impacto da normalização da política monetária do Banco Central americano vai depender do comportamento dos rendimentos longos dos títulos do tesouro americano. Caso permaneçam bem ancorados pela administração das expectativas pelos comunicados do Banco Central americano, o temido sell off, cujo impacto é imediato sobre os ativos financeiros, poderá ser minimizado.
Futuros aumentos da taxa de juros Selic poderão ser evitados pelo enfraquecimento atual da economia americana e pela eficiência do Banco Central dos Estados Unidos em evitar surpresas desnecessárias na implementação da sua política monetária.
À medida que a correção atual dos preços administrados se esgote, a fraca atividade econômica interna, junto com a menor valorização externa do dólar, poderá antecipar para o final de 2015 o novo ciclo de baixa de taxa de juros na economia brasileira.