Por bruno.dutra

Parceiro de Ataulfo Alves na antológica “Ai que saudades da Amélia”, ele costumava contar que sempre passava apuros quando o Rio de Janeiro recebia autoridades estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos. Na véspera do desembarque dos ilustres convidados, ele separava uma muda de roupas e também deixava à mão um providencial necessaire.

Sabia que iria para a prisão a qualquer momento e dava um sábio conselho aos amigos: “ Nunca deixem de ter no bolso sabonete, pasta e escova de dentes, porque por lá a higiene é precaríssima”. A “operação limpeza” contra os militantes do Partido Comunista Brasileiro fazia parte da rotina dos órgãos de segurança durante a ditadura militar. E Lago sabia que iria encontrar atrás de celas outros companheiros de Partidão, como o dramaturgo Dias Gomes e os jornalistas Maurício Azedo e Luigi Mario Gazzaneo.

O Brasil mudou muito, vive dias de plenitude democrática e o Partidão, de Oscar Niemeyer e Luiz Carlos Prestes, praticamente deixou de existir. Mas, pelo visto, o aparelho policial mantém alguns vícios do passado. Essa é a explicação mais plausível para ação dos agentes da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática ontem, no Rio, que, sem mais, nem menos, encaminharam a ativista Elisa Quadros, conhecida como Sininho, e outras nove pessoas para prestar depoimento na Cidade da Polícia, na Zona Norte.

Foram cumpridos, ao todo, 17 mandados de busca e apreensão. Na versão oficial, trata-se de desdobramento de uma operação iniciada em setembro do ano passado para apurar crimes de formação de quadrilha e incitação à violência. Na Polícia Civil, também se disse que Sininho está sendo investigada pela compra irregular de fogos de artifício.

Os black blocs não têm nada a ver com os históricos membros do PCB, que enfrentaram a repressão. Nossos jovens ultrarradicais são apolíticos e não sabem sequer explicar os motivos de seus violentos protestos. Pela série de erros que cometeram, acabaram por perder o apoio da opinião pública. Estão isolados. Mas não há dúvida de que foram alvo de uma ação policial preventiva semelhante às que tanto infernizavam a vida de Mário Lago no século passado.

Novatos nas ações contra o Estado, devem ter ficado surpresos com as detenções e os depoimentos na delegacia. Da próxima vez (se não tiverem desistido do arremedo de anarquismo), certamente vão seguir o conselho do grande compositor e deixar a pasta de dentes ao alcance. A polícia vai voltar a bater na porta.

O ideal é que nada disso estivesse ocorrendo. E que não houvesse operação limpeza na véspera do jogo do Brasil. A Copa do Mundo deve ser, acima de tudo, um momento de congraçamento com os visitantes estrangeiros. Várias gerações de brasileiros sonham com o dia em que a seleção canarinho disputará uma nova final no Maracanã. Desta vez, com uma história diferente daquela trágica tarde do dia 16 de julho de 1950.

Alguns grupos minoritários, porém, tentaram estragar tudo com a palavra de ordem “não vai ter Copa”. Contavam com a adesão popular, que não veio. Enganaram-se. A paixão pelo futebol está falando mais alto e o clima de festa começa a tomar conta do país, com as crianças vestidas de verde-amarelo na frente do cordão. A polícia pode deixar os black blocs em paz. Hoje, eles também vão torcer pelo Brasil.

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