Por diana.dantas

Em maio de 1996, na metade do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, abriu-se uma polêmica sobre a frase do então presidente da República em conversa com empresários: “Esqueçam o que eu escrevi”. FH negava de pés juntos que a tivesse dito, mas, pelos rumos de sua administração, alguns intelectuais de esquerda davam a frase como legítima. No calor do debate, a revista “IstoÉ” decidiu ouvir a opinião do filósofo marxista Leandro Konder sobre as possíveis contradições do sociólogo paulista. Com elegância de sempre, mas em tom de decepção, Konder afirmou que a vaidade pessoal e as concessões a grupos conservadores mudaram o presidente de campo ideológico. E concluiu de forma taxativa: “Fernando Henrique se converteu à direita”. Este foi título da entrevista que deixou FH bastante irritado com o filósofo, cuja crítica tinha mais peso do que qualquer outra.

Leandro Konder, que morreu aos 78 anos, não era homem de meias palavras. Seguidor fiel de Karl Marx e do húngaro George Lukáks, defendia suas ideias com paixão e destemor, desde os tempos de juventude em Ipanema. Sob influência de seu pai, Valério Konder, médico sanitarista e membro do Partido Comunista, ele se encantou cedo com o marxismo. Por sua militância, foi preso e torturado durante a ditadura militar. Em 1972, partiu para o exílio na Alemanha e só voltou ao Brasil em 1978, ao lado do amigo e também filósofo Carlos Nelson Coutinho. Os dois vieram do exterior convencidos de que a democracia é um valor universal que, portanto, tem de ser aplicado ao socialismo. Trataram de difundir esta visão e ajudaram a minar o sectarismo que impregnava o pensamento de esquerda no país. “Ele era um marxista dos menos dogmáticos, conhecido por seu carisma e generosidade”, comentou o acadêmico Sérgio Paulo Rouanet.

A última quarta-feira foi dia de perda também em Lisboa, onde morreu, aos 69 anos, Fernando Mascarenhas, o marquês de Fronteira e Alorna. Mecenas da arte e da cultura, ele criou, em 1989, a Fundação que leva o nome das duas Casas, com sede no imponente Palácio da Fronteira, no número 1 do Largo de São Domingos de Benfica. Disse o jornal “Público” a respeito de Fernando: “Culto, sofisticado e com reconhecido senso de humor, considerava-se um homem de esquerda, mas sempre levou a sério sua condição de herdeiro de uma boa dezena de títulos de nobreza”. Nos dias do regime salazarista, chegou a ser chamado de “marquês vermelho” pela oposição ao fascismo e pelas reuniões clandestinas que promoveu no Palácio da Fronteira, sem temer a violenta repressão. Por várias vezes foi chamado a depor na Pide (a polícia política) e se divertia ao lembrar que ia para a delegacia a bordo de uma Cadillac dirigido por seu motorista. Com sua militância irreverente, chamou atenção da imprensa francesa que atribuía ao nobre português a paternidade de uma nova corrente ideológica: o “marquesismo-leninismo”.

O marquês de Fronteira costumava convidar escritores e poetas brasileiros para passar temporadas em seu palácio, que tem um dos mais belos jardins da Europa. Hospedava-os com todas as honras e os apresentava à sociedade em noites de saraus literários, sempre muito concorridas. Ficou famosa a carta/sermão que Fernando Mascarenhas dirigiu ao sobrinho Antônio, seu sucessor, com conselhos de fidalguia: “Sê primeiro um homem e, depois, só depois, mas logo depois, um aristocrata”.

Brasil e Portugal perdem dois homens dignos. Insubstituíveis.

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